Maioria israelense quer PAZ AGORA | Judeu ou Palestino?

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O renomado publicitário Enio Mainardi aborda em seu artigo “Sou judeu ou palestino?” publicado na Folha (leia abaixo), com incomum sensibilidade e equilíbrio, e compreensível desalento, o atual impasse no conflito envolvendo israelenses e palestinos.

Em sua afirmação ” …O movimento Paz Agora, minoritário, é a exceção que louva a coragem e a inteligência judaicas “, porém, subestima a existência de uma maioria, ainda silenciosa, da população israelense, que apoia o estabelecimento de um Estado independente árabe-palestino, ao lado do estado judeu. 

Pesquisa de opinião realizada pelo Instituto Dahaf de Tel Aviv, há duas semanas, com margem de erro de 4,5%, revelou que 63% dos israelenses pensam que negociações de paz são necessárias para resolver o terrorismo, e 59% dos questionados disseram acreditar que uma retirada unilateral de tropas e colonos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza conduziria à renovação do processo de paz.

A pesquisa revelou, ainda, que 56% apoiam o envio de uma força internacional para os territórios palestinos. 

A grande manifestação de massas, no último sábado, onde o Paz Agora conseguiu reunir de 60.000 (conforme estimativa da polícia local)  a 100.000 (segundo os organizadores) israelenses na Praça Rabin, em Tel Aviv indica que o Movimento Paz Agora, na verdade  representa em sua luta uma grande maioria silenciosa de israelenses que desejam uma paz justa e duradoura, baseada numa solução de Dois Estados que assegure uma vida digna e segura para os dois povos, que tem direitos igualmente legítimos sobre a região.

Se esta maioria se tem mantido silenciosa ou politicamente confusa, isto se deve à estupefação e sofrimento dos indivíduos pela sangrenta espiral de violência que vem ceifando vidas inocentes desde a frustração do processo de paz iniciado em Oslo, o qual foi abruptamente interrompido no momento em que mais próximo estava de se concretizar, há quase dois anos.

O Paz Agora não é uma exceção minoritária na sociedade israelense, mas sim um movimento que, a par de ter contribuído para tornar historicamente possível o início do processo de paz de Oslo, está renascendo com energia para viabilizar a retomada do caminho do diálogo, única alternativa à violência suicida dos radicais, israelenses e palestinos.

Tampouco é um movimento isolado, pois tem participado e articulado diferentes setores e agremiações políticas israelenses numa Coalizão Israelense pela Paz que congrega o partido Meretz, o partido Opção Democrática, parte do partido Trabalhista, o movimento sionista juvenil Hashomer Hatzair, o Fórum Israelense-Palestino dos Pais Enlutados, e os estudantes secundaristas do Movimento Linha Verde, entre outras organizações sociais.

De outra parte, existem do lado palestino interlocutores qualificados (incluindo ninistros e parlamentares do Conselho Legislativo da Autoridade Palestina) igualmente favoráveis à solução de dois países independentes  para ambos os povos, separados por fronteiras seguras e mutuamente reconhecidas (seguindo basicamente as linhas anteriores a 1967), , que se tem manifestado publicamente, ao lado de parceiros israelenses,  numa Coalizão Israelense-Palestina pela Paz. 

Os pacifistas israelenses e palestinos estão resistindo em dialogar, se opondo  à insana espiral de violência e terminarão por substituir o ruído das bombas e o choro dos enlutados pela voz da razão e da justiça.

Do  diálogo humano, do conhecimento recíproco e da reconciliação das sofridas Histórias de povos fadados a dividir um pequeno, mas precioso pedaço de terra, haverá de nascer uma Paz justa e duradoura, onde Jerusalém fará justiça a seu nome (“Cidade da Paz”), passando a ser um exemplo de convivência, tolerância e solidariedade entre pessoas de diferentes culturas, religiões e identidades nacionais. 

 

Paz, Vamos Buscá-la, Agora !
 
São Paulo, 16 de maio de 2002

 

Moisés Storch
Amigos Brasileiros do Paz Agora 

Sou judeu ou palestino?
 
Enio Mainardi
 
De que lado estou? Na Guerra dos Seis Dias, estava com Israel, ameaçado de ser varrido para o mar pelos exércitos árabes. Esse meu lado judeu vinha de quando havia trabalhado num kibutz, no Vale do Jordão. O kibutz era a experiência mais avançada da democracia socialista. Vivíamos lá fraternalmente, os imigrantes judeus refugiados da Europa acossada pelo nazismo, os sabras. E eu, um “goy”, não-judeu.
 
Naquela época, tínhamos o Brasil do “Ame-o ou deixe-o”. Éramos jovens. Estivéssemos na Espanha, lutaríamos contra Franco. Em Cuba, pegaríamos fuzis contra Batista. Mas naquele Israel bíblico, nossa batalha era acordar cedo e trabalhar duro no campo. Quando o idealismo acabou, voltei ao Brasil.
 
Alguns anos atrás, tocado pela nostalgia, resolvi revisitar Israel. Em Jerusalém, ocorreu-me que essa cidade é igual a um ninho de abelhas. Você pode queimar o ninho 20 vezes, que 20 vezes as abelhas vão refazer a colméia. Em Jerusalém existem 20 cidades destruídas e reconstruídas no mesmo lugar, a última em cima dos restos da penúltima.
 
Israel é assim. E olhando seu povo, ocorreu-me perguntar: Onde estavam os judeus? Quero dizer, onde estavam os velhos judeus, que falam iídiche, os humanistas, com educação sofisticada? Eles se foram. Agora tinha chegado o tempo dos israelenses, dos que falam hebraico. E, diferentemente dos judeus, os israelenses não vivenciaram o nazismo, o genocídio, que, hoje, se aprende na escola. Faz uma enorme diferença.
 
Além disso, Israel foi também invadido por judeus vindos de regimes comunistas. Tudo isso contribuiu para mudar o panorama humano e político do país, que se tornou duramente conservador. A cena, a partir daí, estava pronta para o Likud, partido da extrema direita. Beguin foi o primeiro premiê do Likud, um elo entre os tempos heróicos de Golda Meir e o presente pragmático.
E Sharon? Para entendê-lo, tem-se que lembrar de Sabra e Chatila, massacres que o Tribunal de Haia tentou timidamente julgar, como crime de guerra. Ministro da habitação, provocou a metástase das colônias ilegais, em áreas palestinas. Um vitorioso, Sharon?
 
Em nome do espaço vital, num passado recente, outro líder lançou “Blitzkriegs” contra países fronteiriços. E não ganhou a guerra. É ofensivo lembrar tais coisas? Por quê? A Polônia e a Cisjordânia são diferentes? Quem faz tantas e tais acusações, tão críticas? Talvez uma nova versão do “Sábios do Sião”, para atiçar o anti-semitismo?
 
Não. Quem acusa Sharon é a mídia internacional, a mídia dos EUA. Os mesmos EUA que subvencionam Israel com US$ 3 bilhões anuais. E Kofi Annan? Seria ele um inimigo de Israel, manobrando na ONU, junto com a União Européia? Não, outra vez, não. Esse tipo de paranóia, de acusação infundada, é justamente o que melhor serve aos interesses de Sharon, que usa o argumento da autodefesa para justificar tudo. As imagens da guerra, a proibição de permitir a verificação de um eventual pogrom em Jenin, através de uma Comissão Internacional neutra, fizeram perder moral ao povo israelense, desgastando o patrimônio que a humanidade parecia ter acumulado no Holocausto.
 
Está criada uma grande armadilha para os judeus da diáspora, ao romper-se o dique que separa os interesses provisórios da nação israelense e os dos judeus do mundo. Os judeus hesitam, constrangidos em abrir polêmica contra a atual liderança da Terra Prometida. O movimento Paz Agora, minoritário, é a exceção que louva a coragem e a inteligência judaicas. Neste ponto, forçosamente, temos que lembrar o Holocausto. Esse genocídio, que envergonhou a raça humana, jamais deveria se repetir, sob qualquer pretexto. Seja para seis milhões de judeus, seja para seiscentos palestinos.
 
O samsara, para os budistas tibetanos, vem da incapacidade dos humanos de encarar a inevitabilidade da morte. Eles preferem jogar para o fundo da mente essa consciência incômoda. E assim passam a viver uma existência artificial, atormentada pela vaidade, pelos falsos objetivos. O budismo ensina que tudo é ilusório; a única realidade é a impermanência. Compreendendo essa verdade, reconheceríamos a fragilidade da condição humana, agindo assim com mais generosidade, compaixão, tolerância. Buscando mais firmemente a paz.
 
Jenin é o resultado claro da opção pelo samsara, que coloca fé cega nos direitos transitórios, na legitimidade daquilo que vem pela força da espada e do dinheiro. Judeus e árabes, hoje, compartilham o mesmo destino. E, honestamente, só menciono os árabes neste desabafo porque igualmente clamo justiça para as famílias judias assassinadas pelos suicídios palestinos.
Tenho me lembrado muito da frase do presidente Kennedy, “sou um cidadão berlinense”, dita quando Berlim estava sitiada pelos soviéticos. Ele expressou o sentimento do mundo, horrorizado com o estrangulamento do povo alemão. Hoje, onde há um Kennedy?
 
Bush não é meu presidente. Sharon não fala por mim. Nem Arafat. Os palestinos se suicidam, em massa. E o porta-voz do governo americano faz prestidigitação com as palavras, chamando-os de “terroristas”. Mas, por que eles se suicidam? Os palestinos, todos conhecem a causa do seu martírio. Eles estão expulsos de suas casas, no desespero de não serem ouvidos os seus motivos.
 
A humanidade sente o cheiro de sangue. E busca consolo e sabedoria no Torá, no Alcorão, na Bíblia, em Buda. Os judeus têm 200 bombas atômicas. Os árabes, 500 milhões de mártires. E nós, o Armagedon.
 
Enio Mainardi, 66, é publicitário
[publicado na coluna TENDÊNCIAS/DEBATES da Folha de S.Paulo de 15|05|02]

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