Barak desejava, assim como os judeus americanos

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Camp David: 2 Anos Depois

 1 – uma visão israelense 

Talvez sempre haverá os que duvidam do antigo primeiro-ministro israelense Ehud Barak, por todos seus críticos erros, inteiramente dirigidos pela esperança de alcançar um acordo final com o líder palestino Yasser Arafat em Camp David, sendo que para perseguir esse objetivo ele assumiu enormes riscos. A pequena tarefa que Barak me atribuiu naquela época, deixou-me poucas dúvidas sobre quão sério era o seu empenho.

Durante as semanas que conduziram a Camp David, o governo de Barak se descosturou. Seus detratores internos, comandados pelo ministro de gabinete Natan Sharansky, estavam energicamente explicando à comunidade judaica norte-americana e à mídia que o plano que Barak traria a Camp David seria uma traição aos mais fundamentais interesses de Israel. O próprio Barak, que não conhecia bem a dinâmica dos americanos, vinha negligenciando o cenário dos Estados Unidos. Ele parecia acreditar que poderia ignorar o Congresso e a mídia, contanto que estivesse proximamente coordenado com o presidente Bill Clinton. Mais ainda, por razões políticas domésticas, ele havia confiado o ministério de Relações Exteriores a David Levi, que desaprovava os planos de paz de Barak e, em boa medida, evitava que diplomatas israelenses nos E.U. se pronunciassem em favor das intenções do primeiro-ministro. Ao final de junho de 2000, anúncios de página inteira eram publicadas por organizações judaicas em jornais americanos, advertindo contra a perspectiva de uma “liquidação [de terras] pacifista”.

Na undécima hora, o primeiro-ministro reconheceu que teria um problema: se um acordo fosse alcançado em Camp David,

Barak e o presidente Clinton teriam um duro trabalho para vender ao Congresso e à opinião pública americana a necessidade de alocar bilhões de dólares que seriam necessários para a reabilitação de refugiados, dessalinização de água, e as emergentes necessidades da segurança de Israel. Recebi o título de assessor senior do primeiro-ministro, com a incumbência de ajudar a persuadir a mídia americana e os principais líderes judeus de que Barak merecia seus apoios. Durante parte de minha missão de duas semanas, fui acompanhado por Yoram Ben-Zeev, o bastante capacitado diretor-deputado do ministério de Relações Exteriores [de Israel] para assuntos norte-americanos.

No curso das viagens através do país e de encontros com lideranças judaicas e editorialistas-chave, e armado com uma análise persuasiva da situação e da apresentação das intenções de Barak, descobri que minha tarefa era realmente factível. Os americanos, e especialmente os judeus americanos, desejavam a paz para Israel, e entendiam que ela apenas poderia ser alcançada ao custo de concessões dolorosas. Em mais de uma importante cidade, ajudei a escrever o editorial do dia seguinte no principal jornal, dando as boas-vindas a israelenses e palestinos a Camp David, e lhes desejando sucesso.

Dois incidentes específicos, acredito, melhor ilustram a premissa – que é igualmente válida hoje – de que um primeiro-ministro israelense com um programa de paz realista pode levar os E.U. a apoiá-lo ativamente.

bitterlemons.org

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Um se deu numa grande cidade da Costa Oeste. Eu tinha acabado de me dirigir à liderança de uma grande comunidade judaica, pedindo seu apoio. Muitos desses líderes judeus tendiam, claramente, a ser mais “falcões” a favor de Israel que os próprios israelenses. (Eu comparei observações com líderes de outras diásporas, como a dos armênios, e verifiquei que esta regra em geral é verdadeira). Neste caso, em particular, vário dos líderes eram judeus ortodoxos que acreditavam fortemente na “Grande Terra de Israel” e eram ligados proximamente aos colonos da Cisjordânia e Gaza, de onde assentamentos seriam evacuados se Barak tivesse sucesso em Camp David e um Estado palestino fosse estabelecido. Após alguns momentos de silêncio, um deles se virou para o grupo, e falou alto: “Nós sabíamos que este tempo chegaria. Penso que não temos alternativa que não seja ficar apoiar o primeiro-ministro de Israel”. Ninguém discutiu.

Um segundo incidente ocorreu numa reunião com Richard Perle, naquele tempo um assessor próximo de George W. Bush, então candidato republicano à presidência. Era importante contatar Perle, bem conhecido por visões conservadoras, de forma a assegurar que a oposição republicana se alinhasse com o presidente Clinton, proporcionando um apoio bipartidário para o sucesso do evento em Camp David. Mas o contato deu efeito contrário. Perle se recusou a ouvir a minha exposição sobre as posições de Barak, e disse que nenhum acordo de paz seria aceitável se Barak desse a Arafat qualquer parte de Jerusalém.  Nesse caso, aduziu Perle, ele iria pessoalmente aconselhar Bush a condenar o acordo.

Esta mudança, prontamente reportada a Jerusalém, vazou rapidamente para a mídia, presumivelmente por alguém que queria torpedear Camp David antes de ter começado. Mas o vazamento, também, atingiu a comitiva de Bush, comunicada por Ben-Zeev, que temeroso de parecer minar os esforços de paz do presidente em exercício, reagiu distanciando-se da intervenção de Perle e dando suas bênçãos a Camp David.

Claro, muitas lições podem ser aprendidas do curto e desprazeroso contato com Perle. Ele aparentemente estava certo sobre Arafat, mas não sobre a inevitabilidade de partilhar Jerusalém se algum dia tivermos paz. Bush e seus assessores, que haviam sido críticos do profundo envolvimento de Clinton num processo de paz fracassado, desde que assumiram o cargo, entretanto entenderam naquele tempo que a paz no Oriente Médio deve estar entre as prioridades políticas americanas, e que os E.U. não se podem permitir virar as costas para um líder israelense que esteja determinado a fazer a paz.


Yossi Alpher é  analista estratégico israelense. Foi diretor do Jaffee Center for Strategic Studies da Universidade de Tel-Aviv – Publicado em 15|07|02  pela bitterlemons.org. e traduzido pelo PAZ AGORA|BR


Camp David: 2 Anos Depois  > leia + >

2-    “Camp David: Uma Estratégia de Saída para Barak” – por Ghassan Khatib

Território seria usado como elemento de barganha para evitar concessões em outros temas.

3-    “Uma Cúpula Preliminar Deveria Ter Sido Realizada” – entrevista com Shlomo Ben-Ami

Retrospectivamente, foi um erro histórico trazer Arafat aqui; isto quase nos custou o Estado de Israel.

4-    “Nada Tangível Estava Sobre a Mesa” – entrevista com Muhammad Dahlan

A lógica era que qualquer coisa que Israel estivesse pronto a abdicar, os palestinos deveriam aceitar.

 

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