Genebra – esperança e glória

Muitas tentativas de atingir a paz em nossa região fracassaram. A paz com os egípcios nunca se tornou completa, mas gera alguns frutos: não há guerra e a fronteira deixou de ser palco de sangue. Com a Jordânia também, a linha internacional é respeitada com firmeza e os acordos de cessar-fogo ao longo da fronteira com a Síria existem há mais de 25 anos. Somente com os palestinos, os nossos vizinhos mais próximos em termos geográficos e políticos, não temos tido êxito.

As razões para tal fato são muitas e variadas e embora os responsáveis por este fracasso sejam conhecidos, estes, de ambos os lados, escaparam da desaprovação pública por muito tempo. Neste artigo, eu gostaria de apresentar, resumidamente, o principal motivo para o colapso da iniciativa de paz de Oslo e as condições necessárias para o resgate e sucesso da próxima tentativa: a de Genebra.

Um lembrete: após 20 anos (1967-1987) de um período de associação entre dominados e conquistadores, entre palestinos e israelenses, os palestinos nos informaram que enxergaram a luz na “iluminada” ocupação e que não estavam mais interessados nesse tipo de conexão. Eles deram um nome a esse anúncio, nome que era até então desconhecido no vocabulário do Oriente Médio: “Intifada”. A primeira Intifada surpreendeu Israel e o mundo todo.

Na verdade, a sua existência expôs a intensidade da violência e do desespero, que foram postos em movimento. Desta mesma Intifada, nasceu o Acordo de Oslo. Secretamente, seus idealizadores conjuraram a Declaração de Princípios, surpreendendo a nós e ao mundo. Oslo se tornou um fato político efetivo.

Imediatamente, sem dar atenção aos detalhes e repercussões, as duas sociedades, israelense e palestina, adotaram a opção da esperança. 80% dos israelenses e o mesmo número de palestinos disse “sim” ao acordo na época, um “sim” com muito valor, que pavimentou o caminho e assinalou a direção para uma separação acordada e digna entre os dois povos ligados.

Mas como sempre acontece por aqui, ninguém se prepara para o dia seguinte. Investimos sangue e almas, vítimas e dinheiro, para discutir sobre o passado, mas não estamos preparados a dispor da mínima atenção ao que possa trazer o dia seguinte.

Estamos atados às marcas da morte de todas as gerações passadas, mas não estamos preparados para criar marcas de confiança para o bem das futuras gerações. Deste modo, negligenciamos a preocupação com o dia seguinte após Oslo. Nos regozijamos com o surpreendente momento do acordo, mas falhamos em criar acordos para um futuro promissor.

Ambos, Israel e Palestina, negligenciamos o que era mais sensível e doloroso ao outro lado.

Israel não compreendeu como os assentamentos eram sentidos pelos palestinos. Como um arame farpado, que feria letalmente o corpo e o espírito do renascimento palestino. Todos os palestinos que concordaram com a paz de Oslo disseram a si mesmos: “Eu aceito que a paz é um compromisso”. Um compromisso incompleto e imperfeito, mas um compromisso honrado é melhor que uma paixão nunca concretizada.

Nós estamos fazendo a paz e esperamos que, no outro lado, a mensagem seja recebida e que os assentamentos – símbolo mais doloroso e evidente da ocupação discriminatória – sejam interrompidos e removidos da paisagem do futuro palestino. Israel não estava ouvindo. De Oslo até os dias atuais, os assentamentos se multiplicaram em número, preço e dor. Sob Rabin, Peres, Netanyahu, Barak, e, é claro, sob Sharon.

Por outro lado, os palestinos não compreenderam o que a incitação à violência nos causa. Todos os dias ouvíamos as vozes emanadas das mesquitas e escolas e tremíamos. Se é assim o som da nova consciência palestina, significa que eles não estão criando uma nova geração para depois dos checkpoints e do conflito. Não estão investindo para purificar e limpar a alma do ódio e da psicologia da vingança. Outra geração está saindo às ruas, cheia de sentimentos de vingança, ódio e hostilidade.

A vida não era assim: a Oslo política das manchetes dos jornais e os assentamentos versus o incitamento nas cidades. As almas dos dois povos não internalizaram a chance que lhes foi dada. A colisão foi só uma questão de tempo e o colapso já se desenhava.

E quando o conflito veio, tal qual um acidente terrível de trem, duas pessoas estavam ausentes para impedi-lo. Yitzhak Rabin, sacrificado no altar de Oslo e Yasser Arafat, que desistiu no momento decisivo – preferindo continuar a disputa com Israel num diálogo de sangue e terror e abandonando a mesa de negociações políticas.

Desde então, por 3 longos e amaldiçoados anos, uma influência maligna se instalou no Oriente Médio. “Não há ninguém para conversar e nenhum assunto a ser discutido”. Na ausência de um parceiro e de um acordo, espadas foram levantadas e a morte recebeu uma licença oficial para se disseminar pelas ruas. Após três anos de sangue e incontáveis lágrimas de luto, as duas partes se deram conta de que o impasse não pode ser solucionado através da violência.

Indivíduos podem querer se vingar, continuar sedentos por sangue, mas não povos. E líderes simplesmente não podem destruir seus povos com políticas cíclicas de vingança, retaliação e vingança. As lideranças dos povos os traíram. Eles não nos deram segurança e nem nos aproximaram da paz.

De repente, o momento é chegado para as duas nações, as duas sociedades civis sobre o qual foi construído o sistema político, sentirem a “fadiga do desespero”. Elas se cansaram de estarem desesperadas, quando é óbvio para elas qual é a solução e que frutos ela pode trazer.

Felizmente, neste momento, Genebra está esperando por nós. Duas pessoas, meu amigo, colega e parceiro Yossi Beilin e Yasser Abed Rabbo, não desistiram – nem quando Barak errou e nem quando Arafat errou. Eles disseram a si mesmos: se nós, tão próximos da visão da paz, não formos capazes de construir uma ponte, ninguém será capaz de fazê-lo.

Paulatinamente, através de um árduo trabalho, com paciência, o campo de paz foi reerguido. Após três anos, obtivemos êxito no acordo. Pela primeira vez, colocamos perante as duas comunidades uma imagem final. Através dos anos e durante todos os acordos, a imagem do final do processo era somente algo vago e com pouco conteúdo: “preços dolorosos”, “compromisso histórico” e “decisões angustiantes”. Estas palavras vazias permitiram que as lideranças tenham se furtado a suas responsabilidades históricas com seus povos. Os Acordos de Genebra são um retrato real.

É assim que o nosso relacionamento será no dia em que os governos ascenderem ao nível de responsabilidade dos idealizadores dos Acordos de Genebra.

As proposições de Genebra são simples e diretas. Não desejo uma vitória para um lado ao preço de insulto e humilhação do meu ex-inimigo e futuro parceiro. Quero um acordo com dignidade para tudo que é necessário e precioso para o outro. E espero ser tratado da mesma forma. Genebra é um acordo de respeito mútuo, e não de afrontas recíprocas.

É impossível escapar da verdade neste acordo. Cada uma das partes possui idéias maravilhosas, sonhos de um grande lar, direitos históricos, e dimensões religiosas antigas. Mas um acordo político não é um espaço para a concretização de sonhos. Muito pelo contrário, um acordo é uma oportunidade para os sonhadores se encontrarem para determinar a si próprios, pelo pacto, os limites das possibilidades de seus sonhos.

Como judeu, nunca desistirei do meu sonho de aguardar pelo retorno de Deus ao seu santuário no Terceiro Templo. Porém, até que Ele retorne, eu não preciso exercer a minha soberania neste local. Eu rezo para um local que já foi persa, árabe, romano, mameluco, cruzado, turco, britânico e jordaniano. Não será difícil para mim me referir e apelar ao meu “Deus de todas as nações”, mesmo sob a soberania palestina no santuário – meu sonho espiritual e a soberania política do outro, cuja fé eu respeito e que também respeita a minha fé.

De minha parte, sei como é doloroso o sofrimento do coração palestino ao almejar voltar a suas cidades e vilas de onde foram exilados no decorrer da guerra e da História. O sonho de retorno sempre foi o eixo que alimenta as esperanças de ressurreição dos palestinos.

A chance chegou, está aqui, e vocês não podem perdê-la. Genebra é a oportunidade de independência. Chegou o momento de separar o sonho e construir as possibilidades. Espero que cada colega palestino saiba que as orações são uma coisa e a implementação é outra. Ninguém pode tirar os anseios de um indivíduo de obter o direito de retorno. Este é um direito que estão em seu coração.

Mas a realização efetiva não acontecerá, do mesmo modo que o meu templo continuará no reino dos sonhos até que outra História chegue. Genebra afirma às duas partes: só alguém que sabe abandonar seus sonhos no campo dos sonhos será capaz de criar uma visão melhor e um futuro mais promissor aos seus filhos.

E alguém que insistir em viver fora dos sonhos acabará vivendo um pesadelo infinito. Mesmo a mais orgulhosa mãe de um mártir, é uma mãe de carne e osso, e eu quero lhe oferecer a vida de seus filhos neste mundo, o sorriso e alegria de netos nos próximos anos, em vez de sofrimento e funerais, luto e mágoa sem fim por uma criança que se suicidou e assassinou tantos homens, mulheres e crianças inocentes no altar da estupidez e vingança.

Genebra introduziu a esperança na equação do desespero do Oriente Médio. De repente, todos acordaram. Há 40% de apoio em Israel e na Palestina. Uma oposição obstinada de extremistas dos dois campos persiste, pois eles sabem que a esperança de Genebra é uma alternativa ao extremismo religioso, que tira vidas em nome da vida na eternidade.

Portanto, a comunidade internacional acordou e nos está abraçando – na visão de que Genebra – com a esperança da região e do mundo inteiro por uma estabilidade política e pelo futuro de um processo de paz mútua e respeito.

Os próximos passos são absolutamente claros para mim. Genebra deve se tornar parte integral da fórmula internacional – como as Resoluções da ONU 242 e 338. Genebra deve ser uma declaração política que a massa de cidadãos de ambos os lados exige de suas lideranças. Não uma cortina de ilusões, não o terrorismo de assassinos e tresloucados sem coração, não uma separação unilateral e não palavras vazias de uma velha liderança que não tem mais futuro aqui.

Genebra é contra toda essa terrível desesperança. Genebra é pela grande esperança. Nós iremos novamente dizer “sim” ao acordo e, desta vez, faremos tudo que pudermos para ter sucesso.

 

Avrahan BurgAvraham Burg foi presidente do Parlamento de Israel (Knesset) de 1999 a 2003 e vice-presidente da Agência Judaica. Foi um dos negociadores israelenses do Acordo de Genebra, assim como da Declaração Conjunta Israelense-Palestinaem 2001.

Este artigo é parte de uma série sobre o Acordo de Genebra que vem sendo publicada pelo Dar al Hayat  (jornal árabe de grande circulação sediado em Londres) em parceria com o serviço de notícias Common Ground (CGNews).

[ traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]

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