A 3ª guerra mundial é agora

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A 3ª guerra mundial é agora

Um amigo meu recentemente visitou uma família num pequeno vilarejo palestino, na fronteira entre Israel e a Cisjordânia. Era, dizia ele, como andar numa versão ao vivo do “Urso Mau e os Três Porquinhos”. A mesa estava posta, o jantar servido, mas ninguém estava lá para comer.

Ele entrou na casa, e acabou encontrando a família no teto, chorando juntos enquanto observavam um bulldozer cortando seu pomar. Os pais e seus filhos estavam acompanhando o desaparecimento de suas terras e fonte de sobrevivência atrás da nova cerca de segurança, de 3 metros de altura, do primeiro-ministro israelense Ariel Sharon, que está sendo construída através do país.

O motorista do bulldozer, um israelense, lhes disse depois: “A cada árvore que eu arrancava, eu me sentia como matando uma pessoa. Isso me quebrou o coração. Mas estou obedecendo ordens.”

A tragédia é que, embora eles possam estar em lados opostos do conflito, são são seres humanos comuns e moderados, cujas vidas estão sendo arruinadas por governos, terrorismo e a natureza cruel e unilateral das políticas internacionais.

Não é apenas nesse país profundamente conturbado que tais problemas ocorrem. Através do Oriente Médio, para cada pomar que é destruído, há um ramo de oliveira quebrado.

Os iraquianos assistiram sua constituição sendo mudada para permitir que empresas estrangeiras possuam 100% dos ativos iraquianos, exceto os recursos naturais, os libaneses vivem sob constante ameaça de um ataque aéreo israelense, e duas semanas atrás, o mundo testemunhou o assassinato do Sheik Ahmed Yassin.

O Sheik Yassin foi o fundador do grupo terrorista Hamas. Eu repudio ataques suicidas, eles são uma afronta à Humanidade. Mas deve ser lembrado que para seus muitos apoiadores no mundo islâmico, ele era um importante líder espiritual.

Terrorismo, violência, a proliferação de armas, violações de direitos humanos, e conflitos evitáveis, todos esses temas são debatidos dia e noite na TV árabe. Em toda a região, milhões percebem uma negação da dignidade intrínseca que todos nós compartilhamos – a igualdade – como criaturas de Deus, vivendo sob o mesmo sol, num frágil planeta do qual todos dependemos.

Então talvez não seja surpresa que os ares esteja se tornando terríveis. Na Jordânia. onde vivo, e em países pelo Oriente Médio, testemunho o aumento de tensões e ressentimento a cada dia.

Israel e o Hizbolá estão bombardeando no sul do Líbano, na Síria há conflitos entre curdos e árabes, no Golfo há tensões entre sunitas e xiítas. O Irã, ainda ancorado no “eixo do mal” ganha força, dia a dia, com Shia e outros simpatizantes no mundo afora. Os preparativos para uma terceira guerra mundial estão sendo feitos à frente de nossos olhos.

Hoje há mais de 40 assim chamados conflitos de baixa intensidade no mundo. Talvez não seja a Terceira Guerra Mundial se você vive em Manchester ou Estocolmo Mas se eu estivesse em Madrid quando as bombas explodiram na estação, pareceria também muito como uma Terceira Guerra Mundial para mim.

O que é preciso para afastar a loucura que está tomando a região? Os extremistas estão recrutando mais e mais cidadãos moderados, que estão ficando crescentemente desiludidos e desesperados. A culpa por isso não pode apenas ser deixada na porta do Ocidente. Também precisamos olhar melhor em nossa casa.

Os governos do Oriente Médio estão perdendo contato com a realidade. Enquanto eles lutam para manter suas posições, o vácuo de poder está sendo preenchido pelos movimentos extremistas. São eles que fornecem compensações para as crianças mortas no conflito, que mantém cozinhas coletivas que distribuem sopas para alimentar os famintos e, assim fazendo, recrutam números crescentes de apoiadores de suas guerras.

Não duvide de que esta é uma guerra mundial, se bem que não como qualquer outra que já vimos. O conflito não está sendo combatido por exércitos de homens organizados, mas por indivíduos e por pequenas células terroristas em nossas ruas e em nossas casa. A corrida humana alcançou tal ponto, que estamos discutindo o mérito de matar um homem quase cego numa cadeira de rodas de um lado, e a explosão de 200 cidadãos espanhóis inocentes em seu caminho para o trabalho, do outro.

Ahmed YassinSignificativamente, nenhuma dessas ações, nos trouxe nem um pouco mais próximos do fim do conflito. O assassinato do Sheik Yassin apenas serviu para elevar a sua figura de mártir, e sem dúvida irá incitar mais violência em seu nome. Devemos recordar o real perigo de tal ato, que pode mudar a agenda, de um confronto israelense-palestino para um conflito entre árabes, cristãos, muçulmanos e judeus.

O assassinato do Sheik Yassin, como qualquer outro, seja justificado por Estados ou grupos individuais, nos move vários passos para longe do que deve ser um objetivo geral: uma paz abrangente na região.

Todas as iniciativas no Oriente Médio, pela OTAN, o G8, o D8 (8 países muçulmanos em desenvolvimento), enfocam o que parece ser o negócio do momento: segurança, segurança, segurança. . Eu gostaria de vê-los focalizados em diálogo, diálogo, diálogo.

O que realmente precisamos é de um Tratado de Versailles para nossa região, onde todos possam sentar juntos e trabalhar para a paz. A experiência me ensinou que é melhor para todos os lados estar na mesa para conversações de paz, para que ninguém seja deixado de fora do menu.

Nisto, o Oriente Médio está em falta. Cada nacionalidade senta-se atrás de portas fechadas. Eu sentei com eles, e todos concordam com a necessidade de um sistema de segurança multilateral. Mas quando eles chegam à luz do dia, estão apenas preocupados com seus próprios acordos bilaterais com os Estados Unidos. Essa atitude deve mudar.

E o Ocidente, também, deve adotar uma abordagem diferente. Seus estados membros devem sair da estreita perspectiva política do dia-a-dia e com políticas que tratam da alta segurança, o uso de meios militares para controlar fronteiras e regimes, e da ênfase exagerada em economia e lucros.

Meu maior receio é que, se continuarmos dependendo da força e do poder como dissuasórios, ao final não seremos capazes de desarmar a violência..

Precisamos nos sensibilizar mais para o conceito de conseqüências: as conseqüência da pobreza, analfabetismo, opressão, falta de oportunidades, desesperança e ódio , todos os quais podem conduzir à contemplação da violência.

Estamos à beira do abismo, e isto é algo que nos liga a todos: o israelense que acha que será morto por um terrorista suicida, , o líbio por um bombardeio aéreo ou o ocidental por um ataque terrorista aleatório.

Então, em vez de lutar uma guerra contra o terror, por que não lançarmos uma luta pelo domínio da paz? A palavra árabe “hamas” significa zelo, mas se a escrevermos ao contrário, temos “samah”, que significa tolerância. Às vezes as coisas precisam ser olhadas de uma forma diferente.

O Príncipe El Hassan bin Talal, filho do falecido Rei Hussein da Jordânia, é o moderador da Conferência Mundial de Religião e Paz (www.wcrp.org), presidente do Clube de Roma (www.clubofrome.org) e do Fórum de Pensamento Árabe (www.multaqa.org )

[ publicado no The Globe & Mail em Toronto, 07|04|04  –  traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]

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