Fundamentalismo calamitoso

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Os decretos dos rabinos de Yesha [Cisjordânia e Gaza) e do rabino Avraham Shapira, que proíbem soldados de se envolver na evacuação de Gush Katif (assentamento em Gaza) desviam o legítimo debate público sobre o plano de desligamento, para uma escura alameda da qual se vislumbra o perigo de uma guerra civil.


Religião e Estado

Através de seus decretos, os rabinos estão tentando impor categorias haláchicas, que tomam suas validades do mundo da fé religiosa – que, por sua própria definição, não é racional, baseando-se, ao contrário, num mandamento divino – sobrepondo-se a um debate que é racional por sua própria natureza, pois lida com assuntos nacionais. Os rabinos estão assim misturando maçãs com laranjas, ameaçando jogar o Estado numa calamitosa confrontação interna.

Rabi Avraham Shapira

Rabi Avraham Shapira

O sionismo religioso, do qual a escola representada pelos rabinos do Yesha e Shapira surgiu, originalmente se via como órgão do Estado. Ao contrário do setor ultra-ortodoxo, os religiosos sionistas viam o estabelecimento do Estado de Israel como a realização da promessa divina de redenção da terra. A partir de um sentimento de profunda identificação, e ampla parceria, com a população israelense em geral, adaptou sua conduta à vida no país moderno e democrático que Israel se tornou.

 Agora, os rabinos do Yesha e Shapira estão tentando destruir o resultado de anos de desenvolvimento que forjaram uma sociedade que administrou razoavelmente as relações seculares e religiosas e na qual um razoável equilíbrio foi mantido entre as necessidades do Estado e as leis religiosas. Eles estão conclamando a população religiosa, inclusive soldados, a optar pela autoridade de fonte haláchica (religiosa) em detrimento das leis do Estado. Esses rabinos estão dizendo à população para obedecer às suas ordens, que são para se opor à retirada de Gaza e do norte da Cisjordânia por todos os meios, e rejeitar suas obrigações cívicas de acatar a autoridade das legítimas instituições governamentais.

Todo indivíduo, incluindo os rabinos, tem todo o direito de dizer aquilo que lhe aprouver, contanto que não viole a lei contra o incitamento à violência e o terrorismo. Mas esses rabinos devem saber perante quem eles estão. A corrente central da população israelense rejeita sua visão de mundo e irá lutar pelo seu direito de manter Israel como um Estado racional e desenvolvido, no qual as decisões são tomadas de acordos com as leis do jogo democrático.

O futuro dos assentamentos judeus em Gaza e no norte da Cisjordânia será determinado pelas decisões do gabinete e do Parlamento, não nas casas de estudo rabínicas. Uma minoria fanática, mesmo que venha em nome de um mandamento divino, não ditará as opiniões da maioria.


Monopólio da religião

Ainda mais, a assertiva pelos rabinos de Yesha e Shapira de que representam a única opinião haláchica correta é simplesmente falsa. A Torá tem muitas facetas, e qualquer um que se debruce sobre ela também pode obter sustentação para a opinião contrária. No período de formação do Estado, o rabinato era uma instituição que tratava das relações entre o indivíduo e seu criador e relações entre pessoas e seus semelhantes. Ele tentou moldar o caráter das ruas israelenses, mas jamais presumiu aplicar seu universo conceitual a decisões diplomáticas e seculares, que são feitas democraticamente, conforme considerações racionais.

Os   rabinos de Yesha e Shapira fariam melhor levando seu movimento de volta à sua antiga glória ao invés de lançar o Estado de Israel numa confusão cujo fim ninguém pode prever.


[ Editorial do Haaretz em 28|06|04 traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]

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