Pipas Cariocas


Yael Dayan

Yael Dayan

 Yael Dayan na Cidade Maravilhosa

 Desembarcou preocupada com papagaios e o Cruzeiro do Sul. Em São Paulo prometeram que no Rio, lugar de praia, ela poderia comprar quantas pipas quisesse e se fartar de ver o Cruzeiro do Sul no céu limpo da noite carioca.  Escolhida em 98 pelo L’Express como uma das cem mulheres que mudaram o mundo, feminista e pacifista, Yael Dayan chegou à entrevista para o novo filme do cineasta Silvio Tendler e de lá saiu querendo saber onde poderia comprar pipas para os netos que estudam em Tel Aviv numa escola chamada Sambalê.

 Durante a tarde de Domingo, objetiva e realista, defendeu idéias tão fortes quanto os seus gestos decididos. Para ela a paz imediata é fundamental porque tempo é sangue, o sonho ainda não acabou e há muito trabalho a ser feito. Paz, para Yael, não garante vizinhos apaixonados, mas é preciso buscá-la de qualquer jeito. É um gesto onde a força de ser generoso é mais importante do que o poderio militar. Nos dias de hoje o poder esbarra na realidade de crianças que jogam pedras e que não podem ser enfrentadas com tanques, o poder guerreiro chegou ao seu limite. 

 Ao invés de declarar o fim da Utopia, Yael, que de sonhadora desvairada não tem nada, insiste em dizer que os meios mudaram, mas os valores continuam vivos. Para ela, qualidade de vida, palavra que a gente confunde com conforto, são os direitos das minorais, a relação entre homens e mulheres, a defesa das crianças contra a violência e o abuso que ela chama de “o maior dos terrores”, lembrando que ela vem de um lugar onde se sabe muito bem o que é terror. Quando se trata de política, somos sempre responsáveis por nós mesmos e pelos outros. Não há autocomiseração  no vocabulário da vice-prefeita de Tel Aviv-Yafo, como ela prefere chamar a sua cidade, lembrando a convivência pacifica com os cidadãos árabes. O que impressiona em sua coerência e a obsessão por fazer a paz sem condições prévias, para só então, ao longo dos anos, ir conquistando a confiança e à cooperação.


Pipas CariocasE aí, a avó em busca de pipas, sonha alto. Quando chegarem a este ponto, a região reviverá a glória de seus antepassados que criaram três civilizações, e então, palestinos e israelenses darão ao mundo uma nova herança. A construção de um modelo onde o socialismo e a democracia conviverão em um estado onde os mais fortes, ao invés de largarem os outros à própria sorte de uma selva sem lei, se responsabilizam e se preocupam pelos mais frágeis. Pelo visto, o darwinismo social será banido pelo antigo sonho bíblico anunciado por Isaias.

 Enquanto Yael falava, eu traduzia as palavras para o nosso dia a dia onde governantes abandonam a imaginação, pedem para que se esqueça do que escreveram e contabilizam o sangue alheio num relógio mudo onde o tempo parece não passar. Jovens sem lar cheirando cola pelas ruas, milhares de desempregados habitando as favelas e a periferia, condições sociais extremas tornam estas pessoas imunes ao poder da policia, a nossa resposta militar, enquanto a sociedade tão pouco generosa, se torna cada vez mais impotente diante da incapacidade dos governos que elegemos.

 No final, a entrevistada encerra a conversa dando uma de psicanalista e analisa o grupo de cineastas. Pelas perguntas feitas concluiu que parecem pessimistas, “se vocês procuram sonhos partidos vão encontrar sonhos partidos”, é o que ela diz se dirigindo aos presentes como se todos ali estivessem pensando a mesma coisa. Acha que estão enfraquecidos e se afirma forte, lembrando que juntos podemos mudar o mundo. Mais tarde, quando saia da conferência que deu para a platéia de 400 pessoas, uma ouvinte se oferece para levar até o seu hotel duas pipas que tinha em casa. Yael sorri e agradece.


Eu me afasto preocupado com aquela frase.  Tempo é sangue.

Um bom domingo.


PAULO BLANK é carioca, psicanalista e membro dos Amigos Brasileiros do PAZ AGORA. 

 Esta crônica foi originalmente publicada pelo Jornal do Brasil, onde o autor escreve nos domingos.

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