Uma estratégia global para reduzir – não aumentar – o terror

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O atentado com reféns da última semana, contra uma escola em Beslan, Rússia, que deixou mais de 330 mortos, muitos dos quais crianças, foi o auge de duas semanas fatídicas que assistiram a mais de 500 pessoas serem mortas em ataques na Rússia, incluindo dois aviões comerciais derrubados e no metrô de Moscou.
Atentado a escola em Beslan, Rússia

Atentado a escola em Beslan, Rússia

A ausência de limites morais num atentado contra crianças na escola no primeiro dia de seu ano letivo, num momento de esperanças, novos uniformes, novos amigos, pode levar a uma nova fase da confusa e difusa na “guerra contra o terror” global. As atitudes dos russos, americanos, europeus, e, mais importante, nossos atos aqui do Oriente Médio poderiam determinar se o terrorismo irá piorar ou será gradualmente contido.O fato de que 9 ou 10 dos terroristas terem sido identificados como “árabes”, e que uma mulher tchetchena e talvez mais uma mulher estavam entre os terroristas na Rússia, reflete uma continuada diferenciação qualitativa no negócio do terrorismo pelo mundo. Digo “negócio do terrorismo” deliberadamente, porque este fenômeno se comporta de acordo com leis de oferta e demanda, de mercado. O terrorismo se expandiu em resposta a uma crescente demanda por ele no mercado de idéias, percepções, e sentimentos humanos desfigurados – e fornecedores como Osama bin Laden, os militantes anti-russos tchetchenos, e outros entraram para reforçar o suprimento.

A escala, freqüência e a natureza do terror contra civis só pioraram na última década. Os atentados na Rússia refletem a crescentemente desumana seleção de alvos civis, e a cooperação transnacional entre terroristas. Quando um irritado Vladimir Putin planeja medidas duras, seria uma terrível vergonha se a resposta russa se limitasse a perpetuar as largamente ineficientes políticas antiterror baseadas na força militar, adotadas pelos Estados Unidos desde 11/09/2001, e por Israel desde os anos ’70.

Em vez disso, o maior envolvimento russo nas campanhas antiterror deveria ser um catalizador para que todo o mundo faça um sério esforço, talvez o maior na História recente, de abordar a espectro do terrorismo numa forma mais realista e eficaz.

Se quisermos alcançar resultados, e não apenas uma vingança “aliviadora”, devemos começar por reconhecer três importantes, mas desconfortáveis fatos:

1. A região árabe-asiática, predominantemente islâmica, é o coração e maior fonte global dos ataques terroristas mais espetaculares dos últimos anos. As razões para isto devem ser abordadas de forma mais inteligente e desapaixonada pelos povos desta região, antes de tudo, uma vez que estão coletivamente degradados pelo barbarismo que emana de suas sociedades.

A maioria dos árabes se identificava fortemente com a imagem do palestino empunhando uma arma ou com as guerrilhas libanesas lutando contra as forças de ocupação de Israel. Mas todos nós hoje estamos desumanizados e brutalizados pela imagens de árabes sequestrando e matando reféns estrangeiros. Precisamos perguntar e saber como e porque as nossas sociedades fizeram esta horrível trajetória.

A mais importante e recorrente raiz histórica do terror na, e da, região árabe-asiática é a sensação crescente de indignação, humilhação, recusa e degradação que tem crescentemente tomado muitos de nossos jovens. Israel, os E.U.A. e outros fatores externos agravaram este problema, mas as causas de raiz são quase totalmente locais e endógenas.

Porque nossas próprias lideranças e sociedades árabes não cuidaram suficientemente disto, os E.U.A. e a Grã Bretanha enviaram seus exércitos para fazê-lo por nós – com suas incalculavelmente equivocadas análises, e políticas auto-destrutivas que aprisionam alguns terroristas mas dão à luz muitos outros novos. como testemunhamos hoje no Iraque.

2. O terror é um fenômeno global que também emana de outras regiões, não-islâmicas, do mundo, com a maioria dos ataques de pequena escala nas últimas décadas ocorridos em lugares como a América do Sul e Sul da Ásia, não ligados aos árabes ou ao Oriente Médio islâmico. Só podemos deter o terror se entendermos acuradamente como suas partes componentes emergiram de seus ambientes locais particulares, em vez de imaginar simplisticamente uma única ideologia militante islâmica global, abastecida pelo ódio à América.

O terrorismo global emergiu ao longo de décadas, devido a muitas causas históricas e emocionais que podem ser documentadas e analisadas, e portanto podem ser identificadas e evitadas. Políticas antiterror realistas e pacientes precisam metodicamente ser dirigidas às diferentes causas locais do terror, para eliminar o lado de demanda do negócio.

3. A prevalente política americana e israelense de combater o terror militarmente, que está sendo crescentemente adotada por governos árabes e outros, tem obtido apenas sucessos limitados, porque em grande parte deixa de se dirigir a estas causas de raiz que estimulam jovens normais a dar um fim em suas vidas em missões suicidas.

Não se consegue deter gente que deseja se matar, ameaçando matá-la. O terror que em muito reflete forças prevalentes sociais, políticas e econômicas, só pode ser combatido nesses mesmos terrenos, e não primariamente na arena militar.

A experiência britânica na Irlanda do Norte é talvez o principal exemplo atual de como uma resposta inteligente e politicamente abrangente, trouxe um fim ao terror, que violentos métodos policiais e militares não conseguiram eliminar por si.

Estas não são lições fáceis de absorver. Esperemos que a previsível maior participação de Moscou na guerra ao terror traga consigo algo que foi esquecido na cena mundial nos últimos anos: uma sensível campanha internacional, com ativa partipação árabe-islâmica, para combater eficazmente o terror pela identificação e abordagem de suas reais, e não imaginárias, causas.Ameaças, prisões e ataques militares, não irão acabar com o terror. Isto requer que seja eliminada a demanda por terror, que continua crescendo nos corações e mentes de jovens que tragicamente procuram a morte como forma de afirmar o valor de suas vidas.

Rami Khouri é editor executivo do jornal libanês Daily Star.

 

[ publicado no Daily Star – Beirute, 08/09/2004  |  traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]

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