A influência de Arafat será duradoura

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    13|11|2004

  

 UMA VISÃO PALESTINA

    O FUTURO SEM ARAFAT

   por GEORGE GiACAMAN

 

A maioria das nações tem heróis que ocupam um lugar no centro de sua narrativa nacional. Heróis são feitos, e refeitos, especialmente após suas mortes. Arafat já estava bem a caminho de se tornar um ícone palestino ainda em vida. Esses processos serão logo completados após sua morte.

Mas o que ele mais desejava será contestado. Seu legado será reclamado por diferentes grupos e partidos, incluindo aqueles que se opuseram a ele politicamente em um ou outro ponto, e por várias facções dentro de seu próprio partido, a Fatah. Arafat continuará exercendo um papel político após sua morte.

Porque a despeito de sua longa carreira, sua morte claramente retrata uma jornada inacabada: ele morreu em Paris; as cerimônias oficiais foram feitas no Cairo e não na Palestina, e foi enterrado “temporariamente” em Ramalah. Qualquer acordo de paz definitivo entre palestinos e israelenses terá que prever um lugar definitivo para o repouso de Arafat em Jerusalém.

Também é claro que os palestinos entrarão numa nova fase de sua vida política. Dois amplos temas dominarão no curto e longo prazo: o destino do processo político com Israel e a natureza do sistema político palestino na era pós-Arafat.

Análises iniciais feitas logo após a morte de Arafat sobre as possibilidades abertas para progressos em negociações com Israel têm um foco no curto prazo, mas nenhum significado estratégico. Pois mesmo que se suponha que outro arranjo interino seja feito entre a nova liderança palestina e o governo israelense, as sementes do conflito permanecerão, ainda mais com o muro de separação, que se tornará o foco de contínuo protesto e resistência.

A nova liderança palestina poderá ter, no futuro imediato, alguma margem de segurança política para continuar avançando com a ajuda do Egito, especialmente se houver um alto grau de envolvimento americano e europeu. No final, porém, restrições políticas gradualmente serão colocadas sobre a nova liderança em função de crescentes influências políticas dos vários concorrentes ao poder, que irão assumir um papel mais destacado após a morte de Arafat.

Durante sua vida, ele não pôde ser desafiado a partilhar o poder com outros grupos. A nova liderança palestina estará numa posição muito mais fraca para enfrentar tais demandas e acabará tendo que ceder a elas, ao menos parcialmente.

Mas a maior restrição e maior desafio a longo prazo para qualquer nova liderança é se será possível ter um parceiro em qualquer governo futuro de Israel. Não há razão para acreditar que tal liderança seja capaz de “vender” aos palestinos o que um governo israelense possa oferecer. O cenário político interno de Israel continuará travado sobre o tema de onde traçar a linha territorial para o final do projeto sionista na Palestina Histórica, a não ser que haja uma pressão consistente que possa influenciar a opinião pública israelense para a esquerda.

Isto não parece provável sob o governo Bush. Qualquer procedimento interino irá, portanto, manter as sementes do renascimento do conflito.

A natureza do sistema político-administrativo da Autoridade Palestina após Arafat é o segundo principal desafio, onde deve haver mudanças. Como concorda a maioria dos palestinos, nenhuma pessoa será capaz de substituir Arafat. Além disto, ele criou um modo desinstitucionalizado de governar a AP, onde o sistema informal predominava sobre o formal. Seu sistema de protecionismo e clientelismo ligado em última instância a ele mesmo, resultou em torná-lo a cola que unia o sistema.

Sua saída pode bem resultar na fragmentação de seu próprio partido, a Fatah, e também de vários centros de poder na AP. A nova liderança está bem consciente disto, mas é uma incógnita se será bem sucedida em manter as coisas juntas nas próximas semanas e meses.

Centralizar os vários serviços de segurança sob um único comando não será por si suficiente. Isto é requerido por Israel mas não é o único elemento de reforma necessário do ponto de vista palestino.

Sem o domínio da lei e um sistema judiciário reformado, existe um perigo de que os palestinos venham a ser governados por organismos de segurança. Em termos de prioridade, em primeiro lugar vem o domínio da lei.

Após um curto período de transição, o tema da legitimidade do governo surgirá. A demanda por eleições já foi levantada no ano passado e de forma mais persistente do que em qualquer momento anterior. Se as eleições para um novo conselho representativo não forem realizadas logo, a legitimidade do governo será minada e grandes fendas se abrirão na sociedade.

A nova liderança estará muito fraca para resistir a esta maré crescente. Esta também será uma decisão política que Israel e os EUA deverão tomar, isto é, se irão facilitar eleições ou não.

Ao fim, temas relacionados a reforma e democratização no contexto palestino não estarão separados de temas relacionados a direitos nacionais. Nenhuma liderança palestina será capaz de governar democraticamente se for percebida pelos palestinos como fazendo concessões indevidas em tais direitos.

Isto também será visto como uma herança de Arafat, que morreu sob cerco em Ramalah. Seu jazigo ficará como um lembrete potente visível e concreto.

 

© bitterlemons.org  13|11|2004  versão brasileira PAZ AGORA|BR
 

GEORGE GIACAMAN é professor da Universidade de Birzeit (Ramalah) e diretor do Instituto Palestino para o Estudo da Democracia (Muwatin). 

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