Peres e Arafat – quase um romance

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Nenhum israelense passou tantas horas com Arafat quanto Shimon Peres. Quanto mais ele conhecia o líder palestino, mais gostava dele e o respeitava. Ele apreciava sua maneira simples e seu charme despojado, e respeitava seu controle absoluto do povo palestino. Peres, cuja relação com as massas era menos que morna, admirava o quase cego apoio que os palestinos davam ao seu líder.

Por outro lado, ele sentia repulsa pelo discurso insinuante do presidente, seu inglês arrastado e suas maneiras à mesa, particularmente quando Arafat empurrava uma porção de arroz ou queijo na sua boca. Arafat queria expressar intimidade, mas Peres se sentia fisicamente ameaçado por essas aberturas culinárias.

Peres foi um dos primeiros a perceber que seria difícil conseguir um compromisso com Arafat, mas seria cem vezes mais difícil fazê-lo sem ele, se é que seria possível. No minuto em que Peres chegou a essa conclusão, moveu montanhas para persuadir o ex-primeiro-ministro Yitzhak Rabin de que não existia outro atalho para a paz. Em boa parte, Peres foi o chefe da lavanderia encarregado de limpar a imagem de um homem antes enumerado entre os maiores terroristas do mundo. E cruzou oceanos para conquistar corações para o líder palestino.

Sempre que um conflito surgia entre Arafat e Rabin, Peres se colocava na cerca para achar uma solução. Quando os atentados terroristas se multiplicaram e israelenses pediam a cabeça de Arafat, Peres vez tudo o que pôde para preservar a parceria com o presidente palestino.

Às vezes, parecia que uma certa intimidade se criava entre eles. Quase que um romance político entre o homem que criou o potencial de alerta preventivo de Israel e o homem que ameaçava miná-lo com atentados terroristas massivos. Talvez fosse porque Peres sabia que só Arafat pavimentaria o antigo caminho para o panteão da História. O que foi, de fato, o caso. Com a sua volta, Peres conseguiu seu próprio Prêmio Nobel, juntamente com os de Rabin e Arafat.

Mas o falecimento de Arafat não deixa Peres órfão. As duas personalidades não se viam por anos. É razoavel assumir que Peres achará Abu Mazen e Abu Alá parceiros mais valiosos. Peres não será o único. Poucos membros da esquerda israelense se enlutarão por Arafat. Ele pareceu, por anos, ser capaz de fazer compromissos, e mesmo de possuir o poder de forjar um tratado entre o movimento nacionalista palestino e o movimento sionista.

Líderes da esquerda israelense eram atraídos para ele como um ímã. Todos que foram se encontrar com ele voltaram com descrições mitológicas de um encontro com um líder de proporção internacional.

Porém mais tarde conheceram sua personalidade enganadora de perto. Foram particularmente confundidos por sua duplicidade e caráter mutante. “Mas ele concordou com esse capítulo ontem”, Peres exclamou nas conversações de paz de Taba em 1995, na presença de jornalistas. “Não é verdade”, murmurou Arafat. Palestinos que testemunharam a cena embaraçosa sabiam que seu líder estava mentindo, mas ninguém ousaria dizê-lo em voz alta.

Nos últimos anos, Arafat deixou seus fãs e apoiadores da esquerda israelense para trás. A maior parte deles convergia para o pensamento comum que atribuía a Arafat a responsabilidade pela intifada, e desenvolveram uma profunda raiva do homem. “Depois do atentado terrorista ao Park Hotel em Netania, eu esperava que eles o assassinassem clandestinamente”, admite Avital Inbar, escritor e personalidade de esquerda que nunca perdeu uma manifestação pacifista. Inbar está completamente apático após a morte do líder palestino: “Não sinto alegria e, certamente, tampouco tristeza. Só quero vê-lo enterrado para que possamos nos mover. Acho que a esquerda fez um êrro com relação a Arafat. O homem recusou fazer a transição de um líder de uma revolução para um líder da paz. E nós pagamos o preço”.

[ Daniel Ben Simon -12/11/2004 – publicado no Haaretz e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]

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