Uma Oportunidade para Bush, Sharon e Abu Mazen

n26

Os acontecimentos dos últimos dias  criaram no Oriente Médio uma situação que abre a porta para uma nova oportunidade. Yasser Arafat, enquanto líder palestino indiscutível, poderia ter impulsionado uma iniciativa de paz, se o quisesse. Para seus herdeiros será muito mais difícil fazê-lo, ainda que seus compromissos com a paz sejam firmes, assim como seu rechaço à continuação da intifada.

Se tivesse sido eleito presidente, não há dúvida de que o senador John Kerry teria impulsionado um novo processo político, incluindo um enviado especial à região para conseguir que as partes voltem à mesa de negociações e para ajudá-las nas conversações. Mas até se acomodar na presidência teria transcorrido um tempo precioso. Ademais, é possível que suas perspectivas para uma reeleição em 2008 motivassem nele um excesso de precaução.

A situação que tem evoluído nos últimos dais é que o par formado por Mahmud Abbas, Abu Mazen, como líder e Ahmed Qurei, Abu Alá, como primeiro-ministro constitui um poderoso eixo conjunto que goza de um amplo apoio palestino no setor pragmático e laico. Se o governo Sharon os ajudar com sensatez e não com o braço forte, pode encetar com eles um diálogo em relação à retirada de Gaza e realizar concessões em âmbitos como a libertação de prisioneiros de segurança e o desmantelamento de um número significativo de controles do exército nos arredores das cidades palestinas, ambos obterão um forte respaldo e poderão demonstrar capacidade para proporcionar melhorias aos palestinos.

Os principais desafios que enfrentam são assegurar seu controle na Cisjordânia e Gaza, consolidar as forças de segurança, superar a lei da rua, garantir a ordem pública e conseguir um cessar-fogo por parte dos extremistas islâmicos. É evidente que tudo isto não vai ocorrer da noite para o dia, mas se trata de algo possível.

O presidente Bush não tem que esperar nada para adotar um papel ativo no Oriente Médio. Tem uma excelente relação com Mahmud Abbas, e não tentou ocultar sua atitude pessoal positiva para com ele. Neste momento, é possível que peça que ambas as partes cumpram o acordado no road map. Também pode pedir que Sharon inicie negociações com a direção palestina com respeito à Faixa de Gaza e o acordo sobre um status permanente.

Ao longo dos últimos dez anos, perdemos muitas oportunidades. Estamos imersos num processo de responsabilização mútua e, em muitos casos, de atribuição do motivo do estancamento e deterioração da situação ao outro lado. Estivemos muito perto de um acordo em 2000, mas essa oportunidade escapou no outono daquele ano com a erupção da intifada. O triângulo Clinton-Arafat-Barak podia conseguir um acordo sobre o status permanente. O novo triângulo Bush-Sharon-Abu Mazen terá muito mais dificuldade nesta tarefa: Bush é muito menos decidido que Clinton; Sharon não considera que haja um interlocutor e não crê num acordo sobre o status permanente; e Abu Mazen, que crê em tal acordo, não é tão forte como Arafat e terá dificuldade para convencer a rua palestina para que aceite compromissos.

Mas a História está cheia de exemplos de decisões fatídicas realizadas em circunstâncias inesperadas por pessoas inesperadas – muitas vezes logo varridas pela dinâmica criada por elas mesmas – e que se converteram em decisões que não se tinha nenhuma intenção de adotar. É possível que este triângulo adote a decisão histórica que ponha fim ao conflito palestino-israelense. Neste momento, a tarefa do campo da paz israelense é lutar para conseguir o abandono das medidas unilaterais e avançar rumo a uma intensificação do diálogo e da cooperação. O Acordo de Genebra de dezembro de 2003, pelo qual israelenses e palestinos propuseram um modelo de acordo sobre o status permanente, fez que Sharon -segundo ele mesmo admitiu – iniciasse a retirada de Gaza; e agora nós, os criadores e partidários da Iniciativa, devemos pressionar Sharon para que não se detenha na retirada de Gaza, mas que avance apoiando novos passos na senda do acordo sobre o status permanente, conforme o acordado em Genebra.

Yossi Beilin, um dos principais promotores da Iniciativa de Genebra e atual presidente do partido Yahad, foi ministro da Justiça de Israel e participou ativamente das negociações do processo de Oslo.

 

[ publicado no La Vanguardia em 06/11/2004 e traduzido por Moisés Storch para o PAZ AGORA|BR ]

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