Deixar os colonos em Gaza? Fora de questão!


UMA VISÃO PALESTINA
 entrevista com Eyad El Sarraj

bitterlemons: Foi levantada a possibilidade de que o exército israelense poderá deixar para trás os colonos em vez de confrontá-los sob o plano de desligamento de Sharon. Como o Sr. acha que pode funcionar tal cenário?

Sarraj: Bem, não penso que isto poderia acontecer. É absolutamente fora de questão para os israelenses deixar alguém para trás. Claro, eles poderiam usar esta tática para forçar os colonos a sair. Sem garantias mútuas de segurança para esses colonos, é absolutamente impossível para qualquer governo israelense arriscar as vidas de quaisquer cidadãos israelenses. Então acho que é uma tática para assustar os colonos.

bitt: Parece que Sharon está numa sinuca aqui. Ele parece desejar deixar Gaza, e os colonos estão impondo forte oposição. Se isso é verdade, e os colonos não aceitarem compensação, ele só terá duas opções: enfrentá-los com o exército ou deixá-los para trás.

Sarraj: Como eu disse, acho que Sharon está usando isso como tática de assustar. Não acredito que qualquer governo israelense deixará cidadãos israelenses para trás, eles são sagrados, você sabe. Mas talvez seja usado como tática dizer que “se você quer ficar para trás, pode ficar, mas então estará à mercê dos palestinos, que provavelmente o comerão, pois são canibais”.

Existe alguma conversa sobre uma troca de populações entre israelenses e palestinos num acordo final, no qual alguns colonos judeus que quiserem ficar para trás, se tornarão cidadãos israelenses sob a jurisdição do Estado Palestino, e alguns palestinos se tornarão cidadãos palestinos sob a jurisdição do Estado de Israel. Mas, se isso acontecer, o será de comum acordo e com medidas de segurança.

Mas neste estágio, após quatro anos de uma intifada que tem sido tão violenta, é impossível pensar que qualquer governo israelense responsável iria até mesmo arriscar isso.

bitt: O que aconteceria?

Sarraj: Decerto eles seriam mortos. Existe ódio demais, particularmente em Gaza, contra os assentamentos e os colonos. Todo o movimento de resistência de Gaza está hoje focado sobre os assentamentos.

bitt: A Autoridade Palestina seria posta então numa situação difícil?

Sarraj: A Autoridade não estaria em qualquer posição de proteger esses colonos. Isto arriscaria sua própria segurança. As pessoas iriam atacar os policiais palestinos. Não acho que alguém poderia garantir a segurança deles.

bitt: De um lado, o governo israelense está relutante em confrontar seus colonos, mas, do outro, está pedindo à AP para combater o Hamas e outros grupos. O que acontece por aqui?

Sarraj: Acho que há alguns elementos dentro da sociedade e do governo israelense que entendem que qualquer tipo de acordo de paz prejudicaria as chances de Israel se expandir, e eles não querem que isto aconteça.

O risco de uma guerra civil em Israel é bem real. Então, de certa forma, alguns elementos extremistas israelenses, temento a possibilidade de uma guerra civil em Israel, estão exportando a possibilidade de guerra civil para os próprios palestinos.

Sharon cortou todas as conversações com o lado palestino e começou a mobilizar seu exército contra Gaza, porque quer que os palestinos lutem entre si.  Ele está exportando o perigo da guerra civil. Está mostrando ao seu povo que é um homem forte e está forçando o lado palestino a agir, esperando talvez que isto lhe ajude a assegurar seu plano de desligamento serm arriscar uma guerra civil.

bitt: Da perspectiva da comunidade internacional, não existe aí um problema de consistência? De um lado há uma clara demanda sobre os palestinos para que eles enfrentem os grupos armados, e do outro existem colonos que, sob a lei internacional, estão vivendo ilegalmente onde estão. Se a comunidade internacional fosse consistente, não deveria demandar que ambos fossem enfrentados?

Sarraj: Certamente. Não há forma, em minha opinião, de que em Gaza um colono sequer venha a ser tolerado. Haverá uma guerra contínua se qualquer colono for deixado e ninguém das forças de segurança palestina seria capaz de protegê-lo.

Mas acho que Sharon está simplesmente dando um ultimato aos colonos, para fazê-los pensar que poderão ser deixados à mercê dos palestinos.

Quando falamos sobre o núcleo duro desses colonos, eles são basicamente gente racista. Este núcleo poderia ficar e lutar, poderiam ser influenciados pelo complexo de Massada, mas não desejariam ser deixados à mercê dos palestinos, porque basicamente eles nos desprezam. Não somos iguais a eles. Eles são o povo escolhido na terra prometida. Nós não mercemos nem mesmo respirar o mesmo ar.

 (c) bitterlemons.org 17/01/2005 – versão brasileira PAZ AGORA|BR


EYAD EL SARRAJ é diretor do Programa Comunitário de Saúde Mental na Cidade de Gaza. Este artigo também foi reproduzido no diário libanês Daily Star em  01|02|2005

 

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