Como irá Israel lidar com um Hamas político?

n217

b i t t e r l e m o n s /B R

 

   originais: www.bitterlemons.org   versão brasileira: PAZ AGORA/BR   www.pazagora.org

04/04/05

 

A TRANSFORMAÇÃO DO HAMAS

 

UMA VISÃO ISRAELENSE

Como israel irá Lidar com um Hamas Político?

porYossi Alpher

 

A decisão tomada pelo líder da OLP e da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, de integrar o Hamas à política palestina pode ter grandes desdobramentos sobre a forma de Israel conduzir seu diálogo político com os palestinos.

O Hamas costuma ser definido por Israel, e por grande parte do mundo, como uma organização terrorista. Ele nunca aceitou, de forma nenhuma, o direito à existência de Israel ou sinalizou estar pronto para assinar um tratado encerrando o conflito Israel-Palestina. Por outro lado, a aproximação de Abbas com o Hamas representa um modelo de transformação pacífica de movimentos radicais islâmicos em atores políticos legítimos no interior de um sistema democrático. Como Israel reagiria?

O Hamas pretende continuar participando das eleições locais para a Autoridade Palestina e concorrer nas eleições nacionais para o Conselho Legislativo Palestino, em julho. A julgar por seu sucesso na última rodada das eleições municipais, quando ganhou a maioria dos conselhos locais disputados em Gaza, e em vista do corrente desarranjo no interior da hierarquia da Fatah e da imagem corrupta desta aos olhos do público palestino, o Hamas poderá registrar ganhos consideráveis nas eleições, e exigir uma representação no próximo governo da Autoridade Palestina.

O resultado das eleições será também um instrumento para determinar a correlação de forças entre o Fatah e o Hamas no interior da OLP, assumindo que os entendimentos correntes serão mantidos e o Hamas será trazido para o interior desta organização guarda-chuva. Nas palavras do líder do Hamas, Khaled Mishal, em breve teremos uma OLP na qual o Fatah não mais terá o monopólio.


Particularmente, temos a impressão de que o Hamas irá continuar, ao menos nos próximos tempos, a manter uma força armada. Em outras palavras, mesmo sob condições de cessar fogo, ela será um partido político islâmico com uma milícia e um potencial terrorista.

Neste contexto as razões para a decisão do Hamas de entrar para a arena política são pertinentes. Em 1996, o Hamas boicotou as eleições para o Conselho legislativo, argüindo que os acordos de Oslo, sob os quais se deram as eleições, conferiam legitimidade a Israel – legitimidade que o Hamas recusa aceitar. Agora as eleições se darão sob um sistema de votação diferente, para um conselho maior do que aquele especificado em Oslo e numa realidade pós-intifada bastante diferente.

O Hamas também tem razões pragmáticas para mudar de posição. De um lado o movimento hoje é de longe mais poderoso e popular do que em 1996, e seus líderes sabem que tem uma chance maior de ocupar grande porcentagem das cadeiras do Conselho do que antes. Por outro lado, as políticas linha-dura de Israel e dos EUA em relação ao terrorismo islâmico, unidas à ênfase da administração de Bush nas reformas democráticas para os árabes, podem ter influenciado a decisão do Hamas em optar por um papel político, paralelo, ou até mesmo substituto ao papel militar.

A reação israelense mais óbvia e mais radical à eleição do Hamas para o Conselho Legislativo Palestino e sua inclusão na OLP, poderá servir para aproximá-los. Esta abordagem poderia estar baseada no direito israelense de se negar a lidar com um movimento palestino que rejeita sua existência. Lembramos que Yitzhak Rabin só concordou com os acordos de Oslo após o líder da OLP, Yasser Arafat reconhecer oficialmente a existência de Israel e abandonar o terrorismo. Além disso, se for permitido ao Hamas manter o seu potencial terrorista, as aspirações de Abbas para desarmar os movimentos terroristas através da persuasão e da inclusão parecerão ridículas.

Mas tal reação israelense seria, com efeito, o sinal do falecimento de qualquer paz ou estabilidade entre Israel e a Autoridade Palestina/OLP. Isto constituiria um revés para o esperado esforço em afastar o Hamas do terror e fazê-lo aproximar-se da política. Aqui a posição americana torna-se altamente relevante. Se os EUA concordarem em redefinir o Hamas como uma organização política ao invés de terrorista, isto poderia influenciar a capacidade israelense de lidar com as instituições nacionais palestinas nas quais o Hamas está representado. Obviamente o fator chave aqui é se o Hamas realmente renunciará a qualquer nova atividade terrorista, moderando suas visões a respeito de futuros entendimentos com Israel.

Neste sentido, o possível desdobramento de uma nova aproximação americana com o Hizbolah, a organização militante xiíta no Líbano, também poderia ser relevante. Fontes do Departamento de Estado já declararam que Washington poderia consentir com a entrada do Hizbolah na política libanesa se este abandonasse o terrorismo e cortasse seus laços políticos e operacionais com a Síria. Neste ponto, o reconhecimento americano poderia servir como um precedente para a aceitação americana de um papel político para o Hamas.

Qualquer negociação futura sobre a paz entre israelenses e palestinos que acontecer em uma época na qual o Hamas tem influência direta e formal na posição palestina, provavelmente será mais difícil do que no passado. O Hamas, que considera a terra de Israel/Palestina como solo islâmico consagrado, certamente rejeitará assinar um acordo de fim do conflito que formalize o reconhecimento palestino de Israel como um Estado judeu, optando em seu lugar por algum tipo de trégua de longo prazo.

Isto significaria presumivelmente tomar posições mais duras do que as da OLP em Camp David, em pontos como o Monte do Templo/Haram al-Sharif, o direito de retorno e a situação de 200.000 israelenses que vivem ao longo da Linha Verde em Jerusalém.

Por outro lado, um Israel que está à procura de um acordo provisório de longo prazo que, por definição, deixe em aberto os pontos finais – como o primeiro-ministro Sharon vem declarando – poderia estar encontrando um parceiro mais adequado no Hamas do que nas próprias OLP e Fatah.

 

© bitterlemons.org 04/04/2005 versão brasileira PAZ AGORA/BR

 

YOSSI ALPHER é co-editor da bitterlemons.org, e da bitterlemons-dialogue.org. Foi diretor do Jaffee Center for Strategic Studies e assessor do ex-primeiro ministro israelense Ehud Barak.

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