Fatah e Hamas – uma coalizão em preparo

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originais: www.bitterlemons.org   versão brasileira: PAZ AGORA/BR   www.pazagora.org

04/04/2005

 

A TRANSFORMAÇÃO DO HAMAS

 

UMA VISÃO PALESTINA

Fatah e Hamas: Uma Coalizão em Preparo

por Mahdi Abdul Hadi

 

Estamos assistindo a uma transformação histórica do Hamas, de movimento popular baseado na luta armada para uma oposição dentro da ordem estabelecida palestina. O Hamas conseguiu se colocar firmemente dentro desse ordenamento, de forma a confirmar sua posição, poder e legitimidade, tanto dentro da sociedade palestina quanto fora dela.

Ele o está fazendo, após muita reflexão e tirando bastante proveito político. De fato, testemunhamos o desenrolar de uma doutrina de quatro pontos deixada pelo xeque Ahmed Yassin, seu líder assassinado há cerca de dois anos: primeiro, a implementação de um cessar-fogo, formal ou não. Segundo, a iniciativa de, através das urnas partilhar o poder político do cenário interno palestino, mas distanciando-se explicitamente dos Acordos de Oslo. Até aqui, isto foi expresso com sucesso nas campanhas eleitorais municipais e nas decisões de concorrer às eleições legislativas em julho.

O 3ª ponto da agenda de Yassin era o de desafiar o domínio das outras facções palestinas – leia-se Fatah – sobre a legitimidade política, percebendo que apenas através de eleições poderia o movimento impor seu próprio peso sobre a sociedade, e, o que é muitas vezes ignorado, determinar a extensão do poder de sua base popular.

O último e provavelmente mais significativo ítem da lista estratégica de Yassin era o reconhecimento implícito da decisão de 1988 da OLP de endossar a solução de Dois Estados, ou seja, de um Estado Palestino em todo o território ocupado em 1967, com Jerusalém Oriental como sua capital, e uma solução para a questão dos refugiados a ser encontrada de acordo com a lei internacional baseada na Resolução 194 da Assembléia Geral da ONU.

 

Sem considerar se isto é ou não explicitamente reconhecido pelo Hamas como uma solução permanente ou temporária, irá se tornar um fio condutor da operação política do movimento.

O Hamas mudou com o tempo. Este é um processo bem natural: quando fala às pessoas em 2005 não é como se falasse em 1995. Nos últimos quatro anos, as vidas dos palestinos foram dominadas pelo que chamamos de três Gs: guns (armas), guards (guardas) e gates (portões). Os palestinos vivem dentro da maior prisão do mundo. Em resposta às agruras encontradas e à sua difícil situação, eles começam a procurar pelo quarto G:  God (D’us). Eles também estão se esforçando para manter sua identidade, sua herança e sua cultura, sem se renderem na sua prisão.

As pessoas são realistas, e, apesar da dor, têm de conviver com a cultura da prisão que lhe foi imposta por Israel. A questão que enfrentam no presente é de como sobreviver nesta prisão sem renunciar aos seus sonhos, dignidade e anseios, e sem perder sua última gota de esperança por um futuro melhor. A tarefa das facções neste contexto é desenvolver uma estratégia para sair da prisão com uma prioridade comum, que é a de dar fim à hemorragia e ao sofrimento do povo.

Hoje, os líderes das facções políticas, incluindo o Hamas e a Fatah, assim como líderes da sociedade civil é, sem considerar se estão baseados dentro ou fora da Palestina, perceberam que um pré-requisito para sobreviver nesta prisão é que todos unam esforços e trabalhem juntos.

Entretanto, o que ainda falta é uma estratégia geral para mudar o ambiente predominante e tentar desfazer os crescentes fatos consumados, particularmente a barreira de separação e os assentamentos israelenses, que se tornaram fatores dominantes que determinam o futuro não apenas da Palestina, mas também de Israel.

A realidade exige rápida mudança, pois na medida em que os colonos judeus estão determinando a agenda do governo israelense e os palestinos apenas estão reagindo ao que Israel está fazendo, os povos dos dois lados irão sofrer e a prisão palestina irá tornar-se mais agudizada.

Uma das principais questões em relação à entrada do Hamas na casa da OLP é, portanto, se esta será ou não acompanhada ou seguida pelo desenvolvimento de tais linhas estratégicas conjuntas urgentemente necessárias. Neste respeito, é também importante notar as conseqüências sobre a Fatah.

O desafio do Hamas à Fatah não é novo, mas neste estágio da História ele afeta a Fatah duplamente, porque esta se encontra enfraquecida por divisões internas, principalmente ao longo da rixa entre suas assim chamadas velha e nova guarda.

A própria Fatah sofreu várias transições em sua história recente, de um movimento de resistência militar para uma facção política governante; de negociadores a formuladores de uma agenda política, a criadores de um movimento que se encontra preso entre as opções de resistência armada e a não-violenta, e tem que desempenhar um papel no cenário internacional.

Executar todas essas tarefas de forma eficaz, e manter, ao mesmo tempo, unidade em suas fileiras, é o grande desafio quea Fatah está atualmente enfrentando. Para ter sucesso, terá que resolver sua crise de liderança de uma forma convincente e provar sua habilidade de desenvolver uma visão coerente para o futuro.

Entretanto, Fatah e Hamas fizeram passos importantes na direção necessária, ao concordar em dividir o poder político. Enquanto suas intenções foram sérias, escalaram um bom pedaço da ladeira para forjar uma estratégia palestina conjunta para o futuro.

Mas cabe ainda ver se uma ou ambas – e aqui não podemos esquecer da participação crucial que devem ter grupos de esquerda e forças da sociedade civil – estarão preparadas para realmente apagar suas cores políticas pelo bem da nação palestina e da unidade tão desesperadamente necessária.

Eu continuo cético. A entrada do Hamas nas instituições da Autoridade Palestina é o passo certo nesse contexto, mas apenas o primeiro dos muitos que são necessários.

©b itterlemons.org  04/04/2005 versão brasileira PAZ AGORA/BR

 

MAHDI ABDUL HADI  é presidente da PASSIASociedade Acadêmica Palestina para o Estudo de Assuntos Internacionais.

 

 

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