O Hamas está liderando o processo

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originais: www.bitterlemons.org   versão brasileira: PAZ AGORA/BR   www.pazagora.org

04/04/2005

 

A TRANSFORMAÇÃO DO HAMAS

 

UMA VISÃO ISRAELENSE

O Hamas Está Liderando o Processo

entrevista com Matti Steinberg

bitterlemons: A entrada do Hamas na esfera política acabará sendo boa para um acordo israelense-palestino?

Steinberg: Não há alternativa para uma politização do Hamas. Isto não mudará seus valores islâmicos, mas pode levar a um equilíbrio entre a aderência a seus valores e sua responsabilidade e credibilidade em relação à sociedade palestina como um todo.

bitterlemons: Como o senhor vê o timing e a tática do presidente da AP, Mahmoud Abbas ao conduzir o Hamas na política?

Steinberg: O principal fator não é Abbas, mas a opinião pública. O fato de que o Hamas é compelido a prestar atenção às demandas da sociedade é o principal fator em trazê-lo ao campo político. É mais restrição do que vantagem para o Hamas. A situação ideal para o Hamas teria sido que a maior parte da sociedade palestina aceitasse seus maiores valores, mas o fato de a sociedade estar cansada, preocupada e ansiosa por um tipo de descanso da Intifada, compele o Hamas a entrar na arena política agora.

O Hamas não iria voluntariamente adotar essa atitude pragmática. A politização é a única maneira com que o Hamas pode ser mudado. Desde que a AP comandada por Abbas e a Fatah esteja liderando este processo, o Hamas pode ser contido. Mas do jeito como as coisas caminham hoje, o Hamas parece estar liderando o processo; o Hamas ameaça dominar a AP e Abbas.

Extrapolando do momento atual, acredito que o Hamas ganharia entre 30 e 50% nas eleições para o Conselho Legislativo Palestino em julho. A Fatah está em total desarranjo e à procura de sua identidade perdida. É suficiente indicar que desde 1989 o Congresso da Fatah não se reuniu, e alguns de seus membros já faleceram. Hoje em dia, aos olhos da maior parte da população, a Fatah é identificada com corrupção e o mal funcionamento da Autoridade Palestina, enquanto o Hamas é considerado comparativamente limpo.

Eu aceito os resultados de recentes pesquisas de Khalil Shikaki e do Al-Najah: por um lado, as pessoas querem um processo político comandado por Abbas, como foi indicado nas eleições presidenciais. Mas por outro lado, a população deseja estruturas limpas, o fim da corrupção, segurança pessoal, e isso é ligado ao Hamas.

bitterlemons: O que precisa Abbas fazer para conduzir o processo? O que precisa Israel fazer para ajudar?

Steinberg: Não só Israel mas os EUA e a União Européia. Esta é uma questão global.

Primeiro, internamente, cada hora que passa é crítica. A Fatah tem que se reorganizar antes das eleições. Ela tem que reconhecer o problema e abordá-lo. É uma lástima que o Congresso Geral da Fatah vá ss realizar apenas em agosto às vésperas das eleições e do desligamento israelense de Gaza. A Fatah deveria mudar esse cronograma.

Segundo, a população palestina necessita de um contexto político mais amplo.  Ela precisa sentir que o desligamento não será ao mesmo tempo o início e o final, porque se o for isto significaria que a Cisjordânia continuará a ser ocupada. Deve lhe ser assegurado que o desligamento não é um expediente para que Israel continue a ocupar a Cisjordânia.

bitterlemons: O senhor espera que o primeiro-ministro Sharon tome esse passo?

Steinberg: De forma ideal, Israel deveria divisar um plano que especifique os principais princípios para um amplo acordo e indicar o resultado final do processo, mas eu não tenho a expectativa de que o faça. Assim, a tarefa pode ser cumprida através de linhas gerais do roadmap em relação ao status final, especificando um cronograma rígido com metas intermediárias. 

Além disso, Israel precisa entender que insistir que Abbas desmantele a infra-estrutura terrorista do Hamas antes das eleições de julho irá enfraquecer Abbas e fortalecer o Hamas. Apenas após as eleições,assumindo que Abbas ainda poderá vencer, Israel poderá fazer esta exigência. Para os palestinos,  forçar o cronograma do roadmap [nesta questão] significa que Israel tenta levar a AP a uma guerra civil. Com o anúncio do Cairo, os palestinos decidiram evitar uma guerra civil, e esta é a lógica do comportamento político palestino atual. 

Israel tem que atualizar seu entendimento do roadmap e enxergar estas demandas pelo desmantelamento da infra-estrutura terrorista não como pré-condição mas como um processo. Ver isto menos legalmente e mais politicamente.

Israel também tem que mudar sua posição com relação à demanda do roadmap pelo estabelecimento de um Estado com fronteiras provisórias, porque isto é entendido pelos palestinos como uma demanda para paralisar a situação.

Para sintetizar, os palestinos precisam sentir que existe uma luz no fim deste túnel para que Abbas conduza o processo de politização do Hamas em vez de o Hamas liderar o processo. Para o Hamas, a politização é apenas um meio, uma manobra.

bitterlemons: Se é apenas uma manobra, por que deveria a Fatah, ou mesmo Israel ou os EUA, estarem interessados na politização do Hamas?

Steinberg: Porque o Hamas está cedendo a restrições. Não se pode liquidar o Hamas. É um movimento muito popular. Ele tem uma base social ampla e profunda. A única forma de neutralizar o Hamas é criar uma tensão positiva entre seus valores fundamentais e suas responsabilidades.

bitterlemons: Como isto se adapta ao contexto mais amplo dos movimentos islâmicos árabes?

Steinberg: O principal paradoxo é que o Hamas, o Hizbolah, a Fraternidade Muçulmana do Egito, realmente a maior parte dos movimentos fundamentalistas são, em contraste com a al-Qaeda, parte integrante da sociedade, e estão ansiosos por explorar o processo de democratização.

Mas aqui temos que diferenciar entre meio e mensagem. Eles adotam o meio da democracia mas não a mensagem da democracia, porque eles querem um regime islâmico, ou uma democracia de acordo com o Islã, que seria mais um tipo de shuracracia.

Isto seria muito distante dos valores da democracia ocidental. Os islamitas prestaram atenção na ênfase dos americanos sobre a democratização e pretendem explorá-la para conseguir seus objetivos e legitimá-los com respeito ao conflito contra Israel. O Hamas deseja remover o estigma de ser uma organização terrorista.

E ainda temos  interesse em deixar que isto aconteça na medida em que possamos conduzir esse processo. Não temos interesse se o Hamas liderá-lo. A principal questão é: quem será hegemônico? 

bitterlemons: O senhor mencionou o anúncio de 17/03/2005 no Cairo. Como ele se encaixa neste cenário?

Steinberg: O aspecto negativo da politização está embutido no anúncio do Cairo, que não inclui o reconhecimento de Israel e enfatiza a garantia de direito de retorno dos refugiados às suas casas e propriedades.

Isto significa o fim de Israel. As outras cláusulas tratam da integração do Hamas ao processo democrático. Quando comparamos estas frases sobre os refugiados com as usadas nos últimos anos por Abbas, ou pela última cúpula da Liga Árabe em Argel, quando falavam em resolver o problema dos refugiados palestinos numa forma justa e acordada conforme a Resolução 194 da Assembléia Geral da ONU (ou seja, segundo a fórmula da cúpula de Beirute de 2002), notamos um mundo de diferenças.

Para conseguir comprar uma calmaria, Abbas, sob o patrocínio dos egípcios, aceitou as demandas políticas do Hamas e da Jihad Islâmica. Em troca de integrar o Hamas à política palestina, Abbas integrou a abordagem política do movimento. Ele o fez no Cairo sob extrema pressão. Esta não é sua posição real. Mas deve nos causar preocupação.

©bitterlemons.org  04/04/2005 versão brasileira PAZ AGORA/BR

O Dr. MATTI STEINBERG  foi assessor graduado em assuntos palestinos de dois chefes dos Serviços Gerais de Segurança de Israel.

 

 

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