Amós Oz transforma as suas memórias em boa literatura

 

Nomes condicionam destinos, diz o provérbio latino (Est omen in nomen), e isto é particularmente verdadeiro no caso do mais conhecido escritor israelense da atualidade, Amós Oz. O prenome evoca o profeta que, à época do rei hebreu Jeroboão 3º (período de conquistas territoriais e de concentração da riqueza), corajosamente denunciou a hipocrisia dos poderosos e a opressão que pesava sobre os mais fracos. Oz, por sua vez, sobrenome adotado pelo escritor, quer dizer coragem. A coragem do profeta anima o escritor, que, sem ser um pacifista ingênuo, é um defensor da causa da paz. Foi um dos promotores do Tratado de Genebra, elaborado em conjunto por palestinos e israelenses e que representou uma importante tentativa de solucionar o conflito entre os dois povos.

Nascido em Jerusalém, Oz é autor de 25 livros traduzidos em vários idiomas; no Brasil a Companhia das Letras publicou dele “Conhecer Uma Mulher”, “A Caixa Preta”, “Fima”, “Não Diga Noite”, “Pantera no Porão”, “O Mesmo Mar” e “Meu Michel”. Em 2004 recebeu o importante Prêmio Goethe, da cidade de Frankfurt, reconhecimento de seu “impressionante senso de responsabilidade moral”.

“De Amor e de Trevas” é um relato explicitamente autobiográfico que nos remete à infância do escritor, decorrida sob o signo do conflito entre um pai rígido e intelectualizado, e uma mãe distante, sofredora e, afinal, suicida (depois da morte dela, ele mudou o sobrenome de Klausner para Oz); os dois são, segundo o autor, os personagens principais da obra rica em tipos absolutamente fascinantes. Ambos representaram duradoura influência, o pai por causa de seu apego aos livros, a mãe porque era uma grande contadora de histórias. Oz queria “crescer para tornar-se um livro”, porque livros lhe pareciam coisas mais importantes do que as pessoas.

Escritor Oz se tornou, e grande escritor, mas não só isso; seu texto reflete a existência do próprio Estado de Israel. Nascido em 1939, no ano em que Hitler invadiu a Polônia, dando início à Segunda Guerra e depois ao Holocausto, Oz viveu, ainda criança, o momento em que (1947) a ONU decidiu a criação de dois Estados, um judeu e um palestino, no território antes sob mandato britânico – uma cena que descreve com emoção: “Esta noite, meu filho, você nunca vai esquecer, até o último dia de sua vida, e sobre esta noite você ainda vai contar a seus filhos, netos e bisnetos”, diz o pai.

Figuras da política israelense, como David Ben Gurion e Menachem Beguin, o fundador do movimento direitista do qual se originaria o Likud e com o qual o pai de Oz se identifica, intelectuais como Guershom Scholem e o Nobel de Literatura Shai Agnon aparecem nestas páginas. É um vívido relato, no qual a memória nos remete à história. Para os que conheciam Amós Oz ficcionista, este livro será uma surpresa comovente e memorável.

[ publicado na Folha de São Paulo em 28/05/2005 ]


Sobre o Autor 

é membro da Academia Brasileira de Letras e dos Amigos Brasileiros do PAZ AGORA. Nasceu em Porto Alegre, em 1937. É formado em medicina, profissão que exerce até hoje. Autor de uma vasta obra que abrange conto, romance, literatura juvenil, crônica e ensaio, recebeu numerosos prêmios, como o Jabuti (1988 e 1993), o APCA (1989) e o Casa de las Americas (1989). Já teve textos traduzidos para doze idiomas. Várias de suas obras foram adaptadas para o cinema, a televisão e o teatro.

Moacyr Scliar

Moacyr Scliar

Moacyr Scliar 

O centauro no jardim, A majestade do Xingu, A mulher que escreveu a Bíblia e Contos reunidos são alguns dos livros marcantes de sua vasta obra literária, que soma hoje mais de 70 títulos publicados. Entre os recentes, destacam-se o romance Na noite do ventre, o diamante e o juvenil Um menino chamado Moisés, uma reconstituição imaginária da infância do famoso personagem bíblico.


[ Moacyr Scliar, amigo brasileiro do PAZ AGORA, faleceu em Porto Alegre em 27 de fevereiro de 2011 ]

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