Onde estava Deus?

Burg: a porção da Torá

Burg: a porção da Torá

Onde Deus estava durante o Holocausto?

Esta foi a mais pungente questão levantada durante as profundas discussões sobre o Século de Hitler.

Um ateu iria encontrar muitas justificativas para seus argumentos na desaparição de Deus durante o Holocausto. ‘Um Deus que permitiu que mais de um milhão de crianças morresse como se fossem moscas não pode existir, diria ele, e se existe não deve ser cultuado’.

Do outro lado, o defensor da religião precisa de ‘milagres do Holocausto’. ‘É fato que o Holocausto levou ao estabelecimento do Estado de Israel’, diria ele. ‘É um fato, que menos de meio século após os crematórios, o povo judeu está mais forte do que nunca’.

É fato, ‘eu sobrevivi’, nós sobrevivemos!

 

E o que aconteceu ao meu Deus durante o Holocausto? Meu Deus nem estava ali. Meu Deus se encontra em outro lugar.

Não foi Deus que fracassou durante o Holocausto.

Para mim, Deus e o Holocausto não estão juntos. Minha questão não é onde Deus estava, mas onde estavam as pessoas, meus irmãos e irmãs?

Afinal, o Século XX foi o mais secular já conhecido – o século do Homem, onde as doutrinas e percepções de séculos anteriores foram concretizadas.

Um espírito de libertação e secularização, ideologias baseadas em poder e nacionalismo, combinados com a globalização de violência material e atitudes imorais inigualáveis.

Não foi Deus que falhou durante o Holocausto, mas aqueles que criou.

Mais ainda, o crente que encontrou Deus durante o Holocausto e o herético que perdeu seu Deus durante o mesmo período escuro, não são tão diferentes um do outro.

Ambos ou oram ou desprezam um Deus que é sua própria criação.

Estão com raiva ou se apegam a algo que flui de dentro, e na verdade oram para si mesmos e suas imaginações.

 

Pertenço àqueles que acreditam em algo que está além do humano, enquanto eles crêem na idolatria egoísta do homem. Eles dirigem sua atenção para si mesmos, para o ego, em vez de olhar acima para o que está oculto, mágico, significativo e situado muito além de todos nós.

O Século XX e seu Holocausto devem servir de lição para a Humanidade, não como uma lição de divindade. A lição do Homem que falhou em sua missão.

Um Deus que observa os mínimos detalhes, ou uma providência pessoal, não existe realmente. Nem há um Deus da premiação e punição – ‘Eu rezo e ele salva, comporto-me pia e hipocritamente e ele responde tornando as coisas melhores’. Na verdade, crença é um assunto muito mais sofisticado.

 

Avraham BurgUm novo pensamento é necessário

Deus nos deu a Terra para viver e governar. Crença significa responsabilidade, não o desdém secular ou a fragilidade ultra-ortodoxa.

Quando as coisas não funcionam na Terra, é falha das partes responsáveis, dos humanos, dos que me rodeiam, de mim mesmo! Não é responsabilidade da autoridade que delega, do Deus invisível que está lá em cima nos céus.

O Holocausto ainda está muito próximo, suas questões ainda não foram totalmente perguntadas, e suas respostas não podem ainda ser fornecidas.

Mas ainda assim a direção é clara: as velhas religiões e o judaísmo em particular, a mãe de todas as fés ocidentais, precisam de um novo pensamento.

Não uma doutrina de vingança eterna ou a percepção de que o mundo sempre foi, é, e será contra nós. Não um ‘Judaísmo do Holocausto’ que justifique todas nossas injustiças porque elas não são nada em comparação com a grande injustiça infligida sobre nós.

O indivíduo, e o grupo, precisam de um novo pensamento, que rejeite essa noção de providência pessoal, Deus como uma babá. Porque um Deus que administra as vidas de todos os indivíduos significa um Deus que não deixa nenhum espaço pessoal para a Humanidade produzir, corrigir e ser uma parceira na criação.

Existem outros Holocaustos além do nosso

O novo pensamento que surge do Holocausto deve se focar em forjar melhores seres humanos e uma melhor Humanidade, que jamais permita de novo o aparecimento de destruidores da Humanidade como os nazistas, e não permita que vítimas sejam exterminadas, como aconteceu conosco, e aos ciganos e aos homossexuais que estavam ali conosco.

Assim como aconteceu com os armênios antes de nós, e as vítimas de genocídio na Ruanda e Cambodja depois de nós.

Precisamos do tipo de pensamento que não nos dê um monopólio do sofrimento e direitos exclusivos sobre o Holocausto, porque houve, e há, outros Holocaustos que não o nosso.

Novas crenças, e particularmente o judaísmo, precisam romper os limites da velha religião fechada e e voltar à fé nos humanos como criaturas de Deus na base para suas tradições e costumes.

Na verdade, este novo pensamento deve servir como a base de ligação para o diálogo entre os seguidores de todas as religiões que desejem sair de seu próprio ‘território’ para proteger a nós e ao mundo do banho de sangue em nome de religiosos de mente restrita ou pseudo-humanistas arrogantes,  onde quer que se encontrem.

 

 

 Avraham Burg foi deputado pelo partido trabalhista no Knesset, que presidiu,  e autor de ‘God is Back’ (Deus está de volta). Foi um dos negociadores da Iniciativa de Genebra e veterano ativista doPAZ AGORA.

 

[ Publicado no Ynet em 05|05|2005 e traduzido por Moisés Storch para o PAZ AGORA|BR ]

Comentários estão fechados.