Dois Estados: A Única Opção

 

Os tambores da guerra estavam troando no início de junho de 1967, nos meus primeiros dias como interno no Hospital da Universidade Americana de Beirute.

Estávamos excitados com a perspectiva de uma guerra justa que iria libertar a Palestina, permitindo aqueles de nós que tinham se tornado refugiados em 1948 voltar para nossas casas, e confiávamos totalmente na vitória contra o pequeno exército israelense. Recordo-me muito bem de uma conversa que tive num café com o professor de cirurgia, Dr. Abdel-Latif Yashruti, um aristocrata urbano educado na Inglaterra.

Seus olhos bem azuis se fixaram nos meus, quando perguntou, “O que lhe faz pensar que iremos vencer?” Eu comecei a recitar o número de aviões e tanques que os exércitos árabes tinham em comparação com os minguados números das forças israelenses.

Calmamente, ele disse: “Veja. Eu saí da Haifa uma vez. Vivi em muitos lugares, mas gosto daqui. Não quero me tornar de novo um refugiado”. Minha resposta – deseducada, ácida e infeliz – questionou o patriotismo e sabedoria do meu professor. Nos anos que se seguiram, acabei reconhecendo que as guerras de 1948 e 1967 camuflaram o objetivo e as realidades políticas realizáveis no conflito. Elas definiram as restrições à existência e à persistência da colocação de cada um de nós, israelenses e palestinos, sobre a ambição do outro, na pequena área da Palestina mandatória, “entre o rio e o mar”.

A guerra de 1948 marcou um fim definitivo nas esperanças palestinas e árabes de que o sionismo não iria conseguir concretizar um Estado judeu na Palestina. Os palestinos não poderiam mais esperar pelo tipo de independência que outros países árabes tinham alcançado, ou que a Palestina fosse mantida como uma Palestina “árabe”. Mais ainda, o efeito da guerra foi tão devastador para a sociedade palestina, que passaram quase 20 anos para reconstituir sua identidade política nacional. Muitos daquela sociedade continuam em seu penoso caminho de recuperação até hoje, quase 60 anos depois.

A decisiva natureza da guerra de 1948 em estabelecer Israel como um Estado que iria ser parte da paisagem política no futuro foi dramaticamente reforçada em 1967. Qualquer esperança remanescente árabe por uma reversão do resultado de 1948 pareceria plausível apenas para os que queriam se enganar. 1948 e 1967, neste sentido, claramente criaram as limitações para as aspirações palestinas e árabes – Israel estava aqui para ficar. Ironicamente, porém, a era desde 1967 demonstrou limites análogos para as ambições de alguns israelenses e governos israelenses nos territórios palestinos ocupados.

Obviamente, é impossível olhar para os últimos 40 anos, particularmente como palestino, sem notar os terríveis efeitos da ocupação sobre os palestinos. Compreensívelmente, críticas à ocupação tendem muitas vezes a enfocar a sistemática negação de direitos à população ocupada. Mas é mais significativo, do ponto de vista político, que essas medidas repressivas, e dois importantes conflitos – a primeira e a segunda Intifadas (a primeira em boa parte desarmada e a segunda desastrosamente militarizada) – nos territórios ocupados não consolidaram, de modo algum, o controle israelense. A resistência ao controle israelense, manifestada em muitas formas legítimas e, claro, algumas profundamente ilegítimas, é mais forte do que nunca.

Quase nenhum israelense, fora do movimento de colonos, enxerga a situação como viável ou defensável, e todos têm um plano de mudança porque as realidades são totalmente intoleráveis. O desafio que Israel enfrenta nas últimas décadas tem sido uma imagem especular daquele que muitos árabes enfrentaram nas primeiras décadas do conflito, particularmente entre 1948 e 1967, ou seja, o reconhecimento das limitações de suas próprias ambições políticas, a presença permanente  do outro grupo nacional, a legitimidade de seus direitos nacionais, e a necessidade, portanto, de uma acomodação envolvendo dois Estados vivendo juntos em paz e segurança.

Enquanto muitos observadores enxergam o conflito israelense-palestino como sendo principalmente entre grupos nacionalistas, a divisão mais significativa está entre aqueles nos dois lados que entendem e aceitam a conclusão do resultado da guerra de 1948 e os que a rejeitam.

Os que reconhecem 1948 como um momento histórico decisivo entendem que aí se estabeleceram limitações insuperáveis para os dois nacionalismos, o palestino e o israelense. E que as linhas do armistício de 1949 constituiriam a única base séria sobre a qual o conflito poderia ser resolvido.

1967 foi crucial para demonstrar isto a muitos árabes, embora certamente levou tempo para que essas óbvias realidades se traduzissem em posições políticas. Os anos desde 1967 poderiam até hoje ter tido um efeito similar sobre muitos israelenses. Nenhum deles pode mais deixar de entender que os palestinos não irão para nenhum outro lugar, não irão desaparecer, e não concordarão em viver como não-cidadãos de um não-Estado em seu próprio país.

Todos precisamos reconhecer que não haverá paz até que as aspirações nacionais e a dignidade de ambos os povos sejam respeitadas. A única fórmula que pode atender a essas condições é a criação de um Estado da Palestina que viva ao lado de Israel.

Depende de todos os amigos de Israel e da Palestina que se atravessem todas as linhas nacionais, religiosas, raciais e étnicas que nos dividem e formemos uma aliança nacional e internacional por dois Estados. As “realidades factuais” que vêm impedindo um fim do conflito precisam ser superadas por esta visão, e pelas forças políticas que trouxermos para apoiá-la.

Jovens no Oriente Médio, lutando contra seu sentimento de orgulho ferido e justiça violada, o medo, vingança, pobreza e a ambição, só poderão escapar do destino das gerações anteriores com uma liderança sábia e corajosa, em todos os lados, irredutível em alcançar um compromisso histórico.

Meu professor de cirurgia já entendera isto em 1967 e eu não. Mas digo hoje de coração: o futuro é mais importante que o passado.

 

ZIAD J. ASALI, médico, é o presidente e fundador da American Task Force on Palestine (www.americantaskforce.org), uma ONG baseada em Washington que defende a criação de um Estado Palestino em paz com Israel. Nasceu e se criou em Jerusalém

[ publicado pela ATFP e traduzido pelo PAZ AGORA|BR.

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