Linha Verde e Educação para Paz

 

Yuli Tamir, atual Ministra de Educação de Israel, causou controvérsia em dezembro de 2006, quando propôs que os mapas nos livros escolares de Israel voltassem a mostrar a “Linha Verde”, as fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias, resultantes do armistício de 1949 que encerrou a Guerra da Independência com os países árabes. Desde então são as fronteiras de Israel reconhecidas pela comunidade internacional.

Em junho de 1967, na Guerra dos Seis Dias, ameaçado o país de ser destruído pelos países árabes vizinhos, numa vitória fulminante o exército israelense tomou da Jordânia a Cisjordânia (inclusive Jerusalém Oriental) ,do Egito a Faixa de Gaza e a Península do Sinai, além das Colinas do Golan da Síria.

Linha Verde

Linha Verde

Após a guerra do Yom Kipur, Israel assinou um acordo de paz devolvendo o Sinai ao Egito, e um outro com a Jordânia que, por sua vez, abriu mão da Cisjordânia.

O Estado judeu anexara unilateralmente Jerusalém Oriental e as Colinas do Golan ao seu território. A Cisjordânia e Gaza foram mantidas como territórios ocupados militarmente, basicamente para serem negociados em troca de paz. 

A Linha Verde, que até hoje é vista internacionalmente como a fronteira de Israel, também definiria as bases para a criação de um Estado Palestino independente na Cisjordânia e Gaza, conforme os históricos acordos de Oslo em 1993 que marcariam o reconhecimento mútuo entre Israel e a Organização para Libertação da Palestina.

 

Dois Povos Que Precisam Se Enxergar

Nos anos 80, os governos da direita israelense, reivindicando a Grande Israel e a progressiva anexação dos territórios ocupados, proibiram a impressão de mapas nos quais figurava a Linha Verde. Por seu lado, os palestinos sempre omitiram a presença de Israel nos mapas em uso no sistema escolar da Autoridade Palestina.

Assim, as novas gerações dos dois povos vêm sendo educadas ignorando os direitos e reivindicações do outro, em contradição com a cultura de paz e o processo de diálogo inaugurado em Oslo.

A idéia da Ministra Tamir – deputada do parlamento israelense desde 2003 pelo partido AVODÁ, reeleita com expressiva votação pelas bases do partido e uma das fundadoras do Movimento PAZ AGORA em 1978 – de ressuscitar a Linha Verde causou fortes críticas da ultra-direita religiosa israelense e do partido de direita LIKUD – que consideram os territórios ocupados como parte da “Grande Israel”. E até mesmo de setores do partido KADIMA, que lidera a coalizão que atualmente governa o país.


Reconhecer Para Ser Reconhecido

A Ministra Tamir defendeu sua proposta, afirmando que Israel “não pode pretender que os palestinos reconheçam a Linha [Verde]” – o que equivale a que eles renunciem à sua reivindicação sobre toda a Palestina histórica, além de reconhecer e legitimar o Estado judeu – “ao mesmo tempo em que o sistema educacional israelense a omitir dos livros e da consciência das crianças e adolescentes” nascidos depois da guerra de 1967.

Tamir declarou ainda que a decisão de inserir a Linha Verde nos compêndios escolares era a única forma de ensinar aos estudantes a base da política da região: “… Nós ensinamos, por exemplo, sobre a resolução 242 da ONU, mas não mostramos a Linha Verde aos alunos. Não podemos negar que havia lá uma fronteira, a qual ainda está sendo discutida hoje”.

À época, o primeiro-ministro Olmert, de forma ambígua, comentou que “não há nada de errado em assinalar a Linha Verde… mas é obrigatório enfatizar que a posição do governo e o consenso público rejeitam retornar às linhas de 1967”.


Onde Está a Fronteira?

Dois anos antes, a Dra. Nurit Peled-Elhanan, mestre em linguagem e educação na Universidade Hebraica, realizou uma pesquisa sobre livros escolares publicados em Israel após o Acordo de Oslo. Vários eram endossados pelo Ministério da Educação, mas muitos professores adotavam livros diferentes. Seu estudo revelou o virtual desaparecimento, dentro dos mapas de Israel, da Linha Verde e das cidades árabes. Assim como a apresentação de locais e assentamentos da Cisjordânia como estando situados nas regiões de “Judéia” e “Samária”, que aparecem como se fossem partes integrantes de Israel.

O apagamento da Linha Verde dos mapas escolares foi uma indicação clara da intenção de educar as novas gerações israelenses no sentido de aceitar a ocupação de Cisjordânia e Gaza como fato consumado, ignorando a presença majoritária do povo palestino nessas regiões e suas justas expectativas de lá se constituírem como uma nação soberana.

Uma forma de eliminar o oponente é suprimir sua representação enquanto espaço geográfico. As crianças israelenses vêm sendo educadas numa cultura de deslegitimação dos direitos dos palestinos, uma educação tão nefasta quanto a inculcada nos estudantes palestinos, em cujos mapas escolares o Estado de Israel não existe.


Até Sharon Aceitou um Estado Palestino

O primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, que já foi um dos principais líderes do LIKUD – partido que até hoje se opõe à entrega dos territórios ocupados aos palestinos – foi mudando de posição, juntamente com o seu mentor, Ariel Sharon. Tal evolução se exprimiu através do apoio, desde a primeira hora, ao plano de retirada unilateral de Gaza. Desligou-se com ele daquele partido, fundando uma nova agremiação – o KADIMA – que, tendo como plataforma o estabelecimento de Dois Estados para Dois Povos, venceu as últimas eleições parlamentares em Israel.

Inicialmente adotando o princípio de retiradas unilaterais (ele e Sharon jamais consideraram a existência de um interlocutor palestino para negociar), Olmert tem declarado, após o fiasco da guerra contra o Hizbolá no ano passado e a tomada de Gaza pelo Hamas, que está disposto a discutir com a premier Mahmoud Abbas as bases para a criação de um Estado Palestino, e a “ceder grande parte do território da Cisjordânia, retirando dezenas de assentamentos judaicos e assegurando uma continuidade territorial”.


Base para Avançar o Processo de Paz

Certamente as fronteiras definitivas entre o futuro Estado Palestino e o Estado de Israel não coincidirão exatamente com a Linha Verde. Mas todas as conversações sérias já realizadas entre israelenses e palestinos até hoje tiveram como base o seu traçado, que deverá tornar-se, com algumas modificações negociadas e acordadas entre ambas as partes, a futura linha de separação pacífica entre os dois países.

A Linha Verde é a referência para quaisquer negociações, sendo reconhecida não só pela comunidade internacional em geral, como pela própria Liga Árabe, cuja totalidade dos membros – que  em sua maioria até hoje não reconhecem a existência do Estado judeu – está desde 2002 disposta a fazer a paz e estabelecer relações plenas com o Israel, com a condição de o país se retirar para as fronteiras anteriores a 1967.

Sua volta aos mapas escolares (israelenses e palestinos) faria parte da criação de um ambiente favorável à conscientização da população da região de que só o reconhecimento mútuo levará a uma paz justa e duradoura.

 Neste momento, a Ministra Yuli Tamir enfrenta novas resistências [Leia em Ministra Yuli Tamir criticada por introduzir narrativa árabe no currículo escolar israelense]. Propõe a implementação, em currículos escolares de Israel, do estudo conjunto das duas visões históricas sobre a guerra de 1948: a judia e a árabe, a primeira destacando o nascimento do Estado de Israel e a outra enfatizando o início da diáspora palestina. Trata-se de avanço importante e ousado para que ambos os povos conheçam a narrativa e os sentimentos nacionais um do outro e possam se entender melhor.

 

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Educar para a Paz

Sabemos que a escola, como aparelho reprodutor de práticas políticas vigentes, desempenha papel importante na manutenção de um dado status quo. Por outro lado, a representação gráfica e a identificação dos espaços onde vivem as duas populações e onde viriam a se situar os dois Estados – israelense e palestino – seriam importantes para a concretização das expectativas sobre o respectivo lar nacional no imaginário de todos os que habitam a região. A Linha Verde, assim, contribuiria para reverter o ciclo de ódios e ressentimentos construído ao longo dos anos em que se vem desenrolando o conflito.

Resta saber se no curto espaço do mandato de Tamir, e diante da atual instabilidade política em Israel, haverá tempo para serem implementadas, de fato, tais mudanças no sistema educacional. E se as lideranças palestinas moderadas possuirão vontade política e força para, por sua vez, erradicar da Autoridade Palestina (ou ao menos da Cisjordânia onde a influência do Hamas é menor) os textos escolares que alimentam ódio e violência e demonizam judeus e israelenses.

Logo após os Acordos de Oslo, surgiram algumas iniciativas conjuntas promissoras, com o objetivo de elaborar textos didáticos comuns para as escolas de Israel e da Autoridade Palestina. Tal tipo de iniciativa deveria fazer parte da pauta dos encontros que Ehud Olmert e Mahmoud Abbas anunciaram para a retomada do processo de paz.

Diz um ditado que a paz se faz entre pessoas e não entre governos.

E, para se entenderem, as pessoas precisam ser educadas para ver, reconhecer e dialogar com o outro.


Moisés Storch é coordenador dos Amigos Brasileiros do PAZ AGORA e colaborador da REDEPAZ – Rede Global de Educação para a Paz (www.redepaz.org). Publicado pela Revista Espaço Acadêmico  nº 76.

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