Holocausto o Carnaval / Saravá e Mazel Tov

n1337

O Holocausto e o Carnaval – 30|01|2008

Pedir bom senso no carnaval é um contrasenso já que o senso comum é que no carnaval muito senso é ruim. Mas acontece que tava tomando um blog no chope do Aydano e na mesa ao lado está rolando uma polemica interessante.

Sobre o enredo “É de Arrepiar”, da Viradouro, o Aydano escreveu: “Equilibrar-se na fronteira da inovação esconde alguns perigos. E Paulo Barros pode naufragar num deles, com a idéia de carnavalizar um fato histórico tão terrível como o holocausto que massacrou os judeus na II Guerra…   há temas impossíveis de carnavalizar – pedofilia, câncer, massacres étnicos. Mas o desfile tem espaço para crítica, pode-se ponderar. E ainda assim, haverá um limite…”

Os polemistas no chope alegam que se o sofrimento dos negros, escravizados e oprimidos por séculos já foi tantas vezes retratado na Avenida, porque o holocausto não seria tambem carnavalizável? 

Temas delicados , racíocinios delicados. Entre os séculos I a.C. e I d.C. viveu um sábio rabino chamado Hilel.  Certa vez um candidato à conversão o desafiou a lhe ensinar toda a Torá ( básicamente o Antigo Testamento da Bíblia Sagrada ) no tempo em que ele conseguisse permanecer em pé numa perna só. Hilel disse :  “O que não desejas para ti, não faça ao teu próximo. O resto é comentário. Vai e estuda”.

Quando Zumbi aparece na avenida não é fixando na memória coletiva  o sofrimento e a humilhação dos negros massacrados na sua derrota final. É expressando o que ele era, um quilombola !Quando o navio negreiro adentra a Sapucaí, ecoam as palavras libertárias de Castro Alves.

Vamos ver o outro lado : poderia ser tema de carnaval o sofrimento das mães de jovens negros que morrem em quantidades de navios negreiros no Brasil de hoje ? Pode ser tema da Sapucaí o genocidio em Ruanda? A multidão de indios brasileiros alcoolatras , desesperados pela falta de perspectivas e oportunidades, é um bom tema para a Viradouro?

“O que não desejas para ti, não faça ao teu próximo”. Os judeus vem sendo mortos, perseguidos e humilhados há muitos séculos, não apenas no monstruoso genocídio nazista. E tem resistido e lutado. Froim Besserman, meu avô (veja a primeira postagem desse blog)  era o caçula de oito irmãos, todos mortos. Todos nos campos e acho que uma irmã resistindo no Gueto de Varsóvia. Um Besserman, não posso garantir que era parente,  morreu em ação na cidade de Kiev lutando no exercito vermelho. Jack Besserman, canadense, morreu nos ares da Sicilia pilotando um caça da Air Force.  Havia muitos Bessermans. Hoje no mundo todo nos contamos nos dedos das mãos.

Apresentar a saga do judeus no carnaval? Claro, porque não? Com humor,  ironia, até mesmo falando sobre o nazismo?  Desde que com arte, porque não? Quem já viu o hilariante filme Primavera para Hitler, do judeu Mel Brooks, que o Fallabella montou no teatro?  Em matéria de piadas de judeus, mesmo as bastante ferinas, ninguem supera os próprios judeus. E sabe porque? Bem, tem sido um bom negócio…

Mas em um contexto onde a lembrança, o humor, a ironia, o carnaval, até mesmo a sacanagem, sejam alimento para o espírito e arma para o exercício da rebeldia e do pensamento crítico. Jamais como banalização da violência. Por que carnavalizar fora de contexto um sofrimento cujo único fruto é a permanente lembrança como uma importante e dolorosa cicatriz na consciencia da humanidade?

Vejam o samba-enredo :

                   ” Eu sou sincero com esses seres eu me pelo

                     De vassoura ou de chinelo, chame alguem para ajudar

                     Na tela uma cena de horror

                     De arrepio ou calafrio voce vai se assustar”

De modo que a minha opinião, portanto, é como a do Aydano. E a Federação Israelita está certa ao pedir à Viradouro para não sair com um carro alegórico sobre o Holocausto nesse contexto. Na tela uma cena de horror.

É de Arrepiar.      

Sérgio Besserman Vianna

Sérgio Besserman Vianna

Saravá e Mazel Tov

Sempre me espantei com a história de paises, cidades ou outros locais onde as pessoas de varias opiniões, culturas, religiões, etnias ou idéias vivem em paz e, de repente, uma das mais imbecis  caracteristicas humanas, o tribalismo, explode em pura intolerância e violência.

É com uma ponta de tristeza no coração que percebo que esse traço negativo do primata que há em nós e que o melhor da humanidade está sempre engajado em controlar e reprimir ( sim, amigos, para que haja civilização e democracia, a repressão sobre o não civilizado e não democrático é necessária ), tambem está presente entre nós, brasileiros.

Uma boa parte do debate nesse e em outros blogs está sendo inteligente e interessante. O debate é algo estranho. Só há duas formas de se ganhar em um debate.  A principal é quando voce perde, no sentido de o outro te convencer de que voce estava errado. Quando isso acontece, a gente sai maior e melhor do que estava antes.

A outra forma é convencer o outro de que ele estava errado. Ganha-se menos, ganha-se apenas adeptos ou purpurina para o ego, e não um novo saber, como no caso anterior, mas tambem é uma vitória. Em um debate de verdade, portanto, ganha-se sempre. Mas, o que significa um debate  “de verdade ” ?

Antes de mais nada, atenção para o argumento contrário e;  e tendo a razão crítica, não como o Santo Graal,  mas como a melhor ferramenta disponível;  disposição para mudar e reconhecer que estava errado. E muita atenção para aquele lugarzinho onde o diabo gosta de morar, o detalhe.

Infelizmente, alguns debatedores, felizmente minoria, revelaram dimensões do pensamento muito pouco dignificantes. Enche-me a alma de

Para aqueles ingenuos de bom coração que se recusam a aceitar a existência de um estatísticamente significativo componente racista na mestiça sociedade brasileira ( dirigido principalmente contra os negros, mas racismo é tudo igual …) sinto muito mesmo, sinto na própria pele, mas ….Outro ponto, além do  grotesco racismo de algumas manifestações, é que algumas vezes a discussão prestou muito pouca atenção e abertura para o argumento contrário.

Mas vamos à parte inteligente e civilizada da discussão. Muitos consideram o argumento de que se trata de um tipo de censura suficiente para ganhar o debate, qualquer debate. Não acho. Alguns  debatedores demonstraram esse ponto com clareza : fosse o carro alegórico da Viradouro sobre a violência no Rio, com o menino João Hélio sendo arrastado ensanguentado, o Tim Lopes sendo queimado nos pneus do microondas da Vila Cruzeiro, com o Elias Maluco sambando na frente, alguem questionaria o direito dos pais ou amigos das vítimas de recorrer à justiça, considerando sua sensibilidade afetada ? 

Poder-se-ia alegar que se trata de obra de arte onde não cabe censura. Bom ponto. Mas ainda assim falho. A meu ver arte nunca deve ser censurada,  mas pode-se perfeitamente discutir o local e a forma de sua apresentação. Por exemplo, sou a favor da publicação de charges sobre Maomé, Jesus, Moisés ( já viram o trecho de Hermanoteu, a peça, no Youtube? Genial…) os judeus, os ateus, o que for.

Mas seria totalmente contra sua exposição em out-doors ao longo da cidade. Do Rio ou de Copenhagem. Como sou contra colocar cadaveres que simbolizam, entre outros,  familiares meus,  em um enredo sobre o que arrepia as pessoas. Não seria contra em um desfile sobre a opressão, o racismo, as lutas populares, etc…

Aliás, nem a Federação Israelita foi contra o holocausto na Sapucaí. Só questionou o contexto e ainda propos uma saída, uma modesta faixa ” Holocausto, nunca mais” na frente do carro. Holocausto em geral , seja de judeus, palestinos, armenios, ciganos, tutsis, hutus, luos, quicuios, bosnios, servios, etc. Não aceitaram porque “interferiria na criação”. Ou porque queriam sair por cima no marketing da coisa?

Para terminar, um perde e ganha.  Primeiro o perde : dou o braço a torcer, depois de ler vários que se opuseram aos meus pontos de vista, em um dos temas em debate. Ao contrário do que escrevi, dentro de um contexto adequado, quase todo e qualquer tema é carnavalizavel, talvez até o genocidio de Ruanda ou a opinião do imbecil do Premio Nobel que disse que a ciencia pode demonstrar que os negros são pouco inteligentes. Mas, sempre depende do contexto, ou o besteirol ofensivo do cientista acima poderia ser exposto de alguma outra forma que não fosse a de denuncia?

Agora o ganha :  o que aconteceu foi um recurso à justiça que, acatando, deu liminar proibindo. Todos podem criticar e se opor à decisão da justiça e até denunciar as próprias leis. Mas aqueles que criticaram o direito a se buscar a justiça sob a alegação de que se trataria de censura estão, de fato, a censurar o mais basal dos principios democráticos. Uma contradição em seus próprios termos.

De um brasileiro, que;   na insignificante parte do seu genoma ( menos de 1% ) que é diferente do genoma dos japoneses, aborigenes australianos, nepaleses, africanos, noruegueses e até vascainos;    tem sangue semita, ibérico, indigena e negro, feliz carnaval, 

Saravá e Mazel Tov.

[ publicado no ‘blog do Besserman ]

 

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