Gaza: perguntar não custa

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Não acredito que exista uma só pessoa séria no mundo que considere que Israel não tinha razões de peso para atacar o Hamas.

Tenho certeza que todas as pessoas que enxergam além do próprio umbigo ou da sua “infalível” ideologia, consideram que era e ainda é intolerável o assédio (leia-se foguetes Kassam e similares) que o Hamas impôs a uma parte da população do Estado de Israel.

Sim, podia afirmar-se sem medo de errar, que uma resposta israelense a esses ataques era uma questão de dias, ou semanas, ou meses, mas ninguém duvidava de que a resposta viria.

Ao olhar o mapa que os fatos desenharam na epiderme do (vitalício?) conflito, políticos sérios; população pensante; paises democráticos; organizações internacionais – como um todo – chegavam à mesma conclusão: nenhum pais pode aceitar o ataque indiscriminado de grupos armados que, atuando desde a clandestinidade, ponham em perigo a vida dos cidadãos.

Tal conclusão unânime continha no seu bojo uma aprovação implícita dos atos de defesa apropriados que Israel viesse a adotar para eliminar esse ataque indiscriminado.


Porém – sempre um maldito porém – essas bases comuns que justificavam a priori uma reação de Israel, duraram menos do que se podia imaginar.

Motivos não faltaram para o desmoronamento desse olhar comum, desse sentir uníssono, que poderiam ser resumidos numa só palavra que contém no seu intestino muito sangue inocente; demasiada falta de respeito às regras do jogo; absoluto desinteresse pela vida do inimigo, de sua família, dos seus amigos, dos seus vizinhos, e essa palavra é: desproporção.


Pareceria que Israel não aprende dos erros passados e insiste em atuar como um elefante atacando um pequeno batalhão de formigas. Tentou isso no Líbano e teve que sair de lá carregando seus mortos na mochila e a derrota escrita nas páginas da sua História.

Pareceria que Israel não soubesse que ganhar uma batalha militar ao preço de perder a batalha da opinião pública mundial (porque a israelense pesa pouco, quase nada, e a dos Estados Unidos está cada vez mais dividida) significa de fato perder a guerra. E isso é o que está acontecendo. E o pior de tudo é que o preço real dessa derrota é a constante deslegitimação do Estado de Israel, graças às meias verdades que propagam os inimigos e às enormes mentiras que fabricam os amigos.


Bom, para começar por algum ponto que não seja a destruição do templo ou o pogrom de Hebron de 1929 (pontos de que usam e abusam os fanáticos, como álibis para justificar qualquer ato de vandalismo contra o povo palestino ou parte dele), tomemos como ponto de partida e único exemplo neste artigo, a “desconexão” de Gaza, a grande farsa que gera enormes custos em vidas e em respeito aos direitos humanos de todos os humanos.

Israel abandonou Gaza sem jamais abandonar Gaza. Nunca deixou de controlar os passos fronteiriços, os portos, os fornecimentos de combustível e alimentos. Ou seja, a ocupação continua até a presente data, o que – per se – serve como argumento de peso para os que defendem o uso da força para alcançar a auto-determinação do povo palestino, ainda que tal defesa requeira malabarismos incríveis, dada a hipocrisia usada para ignorar ou minimizar os defeitos de forma e de fundo dessa “estratégia da morte”.

Proibido esquecer que Israel, primeiro (durante os ’80), armou e treinou o Hamas, e depois (Ariel Sharon) apoiou um “golpe de Estado” contra o Hamas e a favor da chamada Autoridade Nacional Palestina. Certamente muitos gostariam de que o mundo esquecesse que o Hamas foi quem ganhou – limpamente – as eleições, e que a posteriori, com a ajuda de Israel, modificou-se a lei para que o presidente que perdera as eleições (Abbas) pudesse governar. Não cabe a menor dúvida que esse foi o detonador da tomada do poder em Gaza pelo Hamas, que se valeu do uso da força contra a ANP.


Suponho que insistir nos detalhes faria que este artigo ficasse demasiado extenso e carregado de fatos por todos conhecidos. Por isto, apenas adicionarei algumas perguntas e uma só resposta, que é a forma como a vida propõe e o homem dispõe:

Pelo simples fato de um temido terrorista do Hamas morar num quinto andar de um edifício central, pode Israel bombardear o edifício, matando o terrorista, sua esposa, seus 6 filhos e 19 vizinhos?..

Pelo simples fato de os atiradores de foguetes Kassam circularem pela avenida principal de Gaza, pode Israel destruir essa via pública usada por mais de um milhão de habitantes da cidade?…

Pelo simples fato de um grupo de terroristas se refugiar na Universidade Islâmica de Gaza, pode Israel bombardear essa Universidade, na qual trabalham e estudam milhares de pessoas que não são terroristas?…

Pelo simples fato de um grupo de terroristas por em xeque dezenas de milhares de israelenses com os seus foguetes, pode Israel bombardear as estações de rádio, de televisão, as escolas, os hospitais de Gaza, como resposta?…

Pelo simples fato de que dentro de um mês realizar-se-ão eleições, pode o governo de Israel usar as bombas como arma eleitoral?…

Pelo simples fato de que Israel tenha o direito inalienável de viver em paz sem a ameaça de grupos terroristas, pode Israel ignorar as convenções internacionais, os tratados assinados, as leis escritas, a jurisprudência internacional, como se fosse dona e senhora absoluta da Razão e da Verdade?…


Perguntas, como se pode ver e ler, não faltam, e “NÃO” é a única resposta digna que estas merecem. O resto é ideologia grotesca, fanatismo azedo, racismo sujo.

Um Estado de Direito não pode atuar em nenhuma circunstância como se fosse uma gangue de mafiosos, ou uma célula terrorista ou Estado totalitário.

A brutal desproporção da resposta israelense coloca o seu governo em alguma dessas categorias, porque situa a resposta no mesmo nivel de baixeza e indignidade do ataque.

Lamentavelmente o povo em Israel sabe pouco ou nada. A imprensa é absolutamente unilateral. A Verdade sofre os rigores da censura militar, da auto-censura, da desinformação. Pouco ou quase nada se vê ou se fala  dos terríveis efeitos – incluídos os numerosos mortos – da desproporcional resposta israelense.


Gaza SderotChegou a hora de parar. Uma trégua indefinida deve ser imposta às partes, se estas insistirem em continuar a barbárie.

O Hamas tem que saber e entender que enquanto caírem foguetes em Israel, serão eles os responsáveis pelos mortos palestinos.

Israel tem que saber e entender que enquanto insistir em querer decidir o destino de Gaza, impondo o ferrolho nas fronteiras, o black-out e a fome, será responsável pelos mortos israelenses.

Não haverá paz para Israel, sem que haja paz para os palestinos.

Não haverá paz para os palestinos, sem que haja paz para Israel.

Chegou a hora de os políticos tomarem o lugar dos generais.

Israel tem que assimilar que é preciso negociar com o Hamas, porque é com o inimigo que se negocia. O Hamas tem que assimilar que é preciso negociar com Israel, porque é com o inimigo que se negocia. 

O resto é um convite a mais sangue e mais mortos e menos paz.

 

[ Bruno Kampel – Suécia, 01|01|2009 ]


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