Sair do Lodaçal de Gaza


Israel deveria ter-se lançado nesta guerra? A situação nas cidades do sul do país era impossível de suportar depois que o Hamas pôs fim à trégua. Não acredito que a França teria deixado as cidades da Alsácia serem bombardeadas pela Alemanha ou que os Estados Unidos teriam permitido que o Texas fosse bombardeado pelo México em circunstâncias semelhantes.

Diante da opinião pública israelense, principalmente a poucas semanas das eleições, o governo israelense precisava reagir. É por esta razão que um grande consenso apoiou o início desta guerra. Além de que ela foi sustentada tacitamente pelos países árabes pró-ocidentais, destacando-se o Egito, interessado no enfraquecimento do Hamas que, não esqueçamos, é aliado da Irmandade Muçulmana, inimiga do regime de Mubarak.

Amigos Francêses do PAZ AGORA

Esse consenso começou a ruir com a deflagração da operação terrestre. O debate já dividia o campo da paz, no princípio do conflito, entre a necessidade de reagir aos bombardeios das cidades do sul e o receio de ver Israel cair em uma armadilha análoga àquela de 2006 no Líbano, onde uma relativa vitória militar foi rapidamente transformada em uma derrota política e midiática. Nas guerras assimétricas, como essa conduzida pelos palestinos, a guerra das imagens é mais importante que aquilo que se desenrola em terra. E, qualquer que seja a seqüência dos eventos, desde já Israel perdeu essa guerra. O bloqueio imposto aos jornalistas estrangeiros para entrar em Gaza deixa somente aos jornalistas locais a possibilidade de trabalhar in loco, fazendo com que por vezes sejam misturadas outras imagens às da guerra atual  [a “France 2” reconheceu ter utilizado imagens tiradas em 2005 após um “acidente de trabalho palestino”, quanto uma explosão causou a morte de civis].

Quatro episódios dramáticos, ocorridos em 5 e 6 de janeiro, ilustram as condições e os limites em que se desenrola a guerra em Gaza, provavelmente impedindo os dirigentes israelenses de alcançar os objetivos políticos e militares que estabeleceram.

O primeiro evento, o mais marcante daquele dia, freqüentemente reprisado pelas mídias, é a morte de cerca de quarenta civis palestinos por um tiro de um tanque israelense, que teria respondido, conforme o EDI a morteiros dsparados pelo Hamas de dentro de uma escola da ONU que abrigava civis. O segundo aconteceu quando um palestino, munido de um cinto de explosivos, jogou-se sobre um soldado ferido em um abraço mortal. O terceiro é a morte por “fogo amigo” de 4 soldados israelenses no curso dos combates. O último, felizmente sem vítimas, produziu-se quando, após ter passado a noite com sua unidade em uma escola abandonada, um soldado descobriu que a construção estava completamente minada e que por milagre nenhum dos soldados presentes havia acionado a carga de dinamite.

Esses quatro exemplos, com diferentes conseqüências dramáticas, são a prova de que não adianta culpar o exército pelo desenrolar dessa operação, mas principalmente o escalão político que lhe confiou essa missão. Segundo os próprios comentaristas militares israelenses, tal como relatam na mídia, a ordem de prioridade que os militares seguem é a seguinte: 1. Proteger os soldados em ação. A experiência da guerra de 2006 mostrou que o apoio da população israelense à política do seu governo é inversamente proporcional ao número de vítimas civis e militares causadas pelo conflito. Além de um certo limiar, a opinião corre o risco de oscilar, impedindo o exército de atingir seus objetivos. 2. Limitar, e se possível fazer cessar, os tiros sobre as cidades israelenses, destruindo os estoques de mísseis armazenados pelo Hamas nos últimos anos, erradicando assim sua força. 3. E somente em terceiro lugar, evitar a perda de civis palestinos. Essa terceira priorização potencialmente se opõe à primeira, como mostrou o bombardeio da escola da ONU.

Duvido que algum outro exército teria ordens de prioridade diferentes. O problema reside na equação impossível que é colocada pelo escalão político. Frente a uma organização preparada para conduzir uma guerra no seio de sua própria população civil, e que se coloca voluntariamente como refém, é impossível conduzir uma guerra limpa. Os estrategistas militares, aliás, integraram esses parâmetros antes de provocar o conflito. Eles estimavam, conforme comentaristas militares, em muitas centenas o número de potenciais vítimas civis palestinas. É isso que cria problemas em uma estatística como essa, ela não existe por si só, mas não constituiu um freio suficiente para repelir a decisão de se lançar nessa operação.

Até onde  deve chegar o número de vítimas civis para forçar os dirigentes israelenses a procurar outra forma de resolver esse conflito? Eles não compreendem que a fúria e o ódio suscitados pelas imagens dessas vítimas civis, no mundo e em particular no mundo muçulmano, são muito mais ameaçadoras para a segurança de Israel no longo prazo do que todos os mísseis do Hamas juntos?

É urgente que essa guerra seja cessada hoje, o mais rápido possível. Suas conseqüências são catastróficas no que diz respeito aos interesses vitais dos israelenses e palestinos, em busca de uma solução política para o conflito. Mesmo que a infra-estrutura seja destruída e sua direção política enfraquecida, aos olhos da opinião palestina, o Hamas deve sair fortalecido desse conflito. O testemunho publicado ontem no “le Figaro” de Qadura Fares [1], que entrevistei para o “Bâtisseurs de paix” [2], mostra bem o dilema colocado aos líderes do Fatah que, apesar de se oporem à ideologia do Hamas, hoje devem endurecer seu tom para não perder aquilo que lhe resta de crédito nos territórios palestinos ocupados. Faz parte do interesse estratégico dos israelenses fortalecer a posição da Autoridade Palestina e de seu líder Mahmoud Abbas que, ao lhes oferecer uma solução política efetiva e aplicável, é o seu único parceiro confiável.

Nós apoiamos os esforços da comunidade internacional, e particularmente os empreendidos pela França, para impor rapidamente um cessar-fogo e para que este seja acompanhado de medidas de controle para impedir a continuação do contrabando de armas pela fronteira egípcia. Esse cessar-fogo não poderá perdurar sem que, através do Egito ou qualquer outro intermediário, sejam negociadas com o Hamas, que conduzam num primeiro momento à retomada da trégua e o fim do bloqueio de Gaza.

É com seu inimigo de hoje, o Hamas, que Israel deve negociar esta trégua para encontrar uma solução política a um conflito para o qual todo o mundo concorda não existir solução militar. E se o Hamas ainda se recusar a negociar, ele ficará sozinho, aos olhos do mundo e de seu povo, com toda a responsabilidade.

Devemos também todos cuidar para que este conflito não seja novamente importado para a França.


[1] Qadura Fares, ministro da Autoridade Palestina responsável pelos assuntos de prisioneiros, Qadura Fares, é a Marwan Barghouti

[2] Publicado em 2005 pela Editions Liana Levi


David Chemla é presidente dos Amigos do PAZ AGORA na França –  La Paix Maintenant


[ Artigo publicado em 08|01|09 pelo La Paix Maintenant e traduzido por Cláudia Storch para o PAZ AGORA|BR ]


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