Conflito em Gaza pode reviver processo de paz


Após 14 dias de ataques e de quase 800 mortos na Faixa de Gaza, o conflito parece recrudescer, e alguns setores da comunidade internacional começam a se movimentar. Nesta semana a ONU não apenas teve uma proposta de cesar-fogo rejeitada como teve sua ajuda humanitária atacada por tropas israelenses. Houve também uma troca de mísseis entre Líbano e Israel, que abriu um clima de tensão também na fronteira norte do país. Enquanto alguns governos, como o da França e do Egito, reúnem-se com lideres israelenses e palestinos para negociar um cessar-fogo, o da Venezuela expulsou o embaixador de Israel do país. Manifestações populares começam a surgir em diversos pontos do mundo pela estabilização da região.

No entanto, a paz pode estar mais próxima do que se imagina. É a opinião de Moisés Storch, membro do [Amigos Brasileiros do] PAZ AGORA, movimento de brasileiros que milita pela paz entre Israel, os palestinos e os países árabes. Para ele, a entrada de Obama para a presidência dos Estados Unidos, país que historicamente mediou acordos de paz entre Israel e os palestinos, traz novas esperanças para a retomada do processo de paz na região, já que ele “traz uma equipe experiente em negociações com israelenses e palestinos”

Além disso, ele acredita que o momento histórico pode modificar a tradicional hegemonia dos EUA nas negociações. Para o militante, a crise financeira global trouxe ao mundo “um reequacionamento do poder” no mundo, trazendo à tona novos atores políticos que podem entrar para o rol dos países que influenciam nas negociações pela paz.

Storch também critica a cobertura da imprensa e acredita que ela seja responsável pela exportação do conflito entre judeus e palestinos para outros países. 

Fórum – Nesta ofensiva que começou em 27 de dezembro, qual é a real motivação do governo israelense para deflagrar agora um ataque a Gaza? Existe algum interesse visando às eleições de fevereiro? A vitória de Obama tem algo a ver com a ofensiva?

Moisés Storch – Em meados de dezembro, após um cessar-fogo de seis meses, o Hamas intensificou o disparo aleatório de mísseis Qassam contra localidades no sul de Israel. As condições de vida da população local, que tinha menos que um minuto para encontrar um refúgio a cada alerta sonoro, foram se tornando insustentáveis. O governo israelense foi sendo cobrado por tomar medidas defensivas. A ação militar não foi fruto do clima eleitoral.

No meu ver, a vitória de Obama nada tem a ver com a ofensiva. Entretanto, este conflito deverá trazer como efeito colateral positivo o fato de que a questão israelense-palestina deverá conquistar, logo no início do seu mandato, uma grande prioridade na pauta de preocupações da política exterior norte-americana.

Paradoxalmente, assim, esta guerra poderá até acelerar a retomada do processo de paz no Oriente Médio, com o reposicionamento do papel dos Estados Unidos. O governo Bush perdeu o poder de mediação com os palestinos, uma vez que sempre tendeu a se alinhar com a direita israelense. Obama, com Hillary Clinton como Secretária de Estado, traz uma equipe experiente em negociações com israelenses e palestinos, com relações de confiança sólidas de elementos do governo da Autoridade Palestina e do campo da paz israelense.

Fórum – Quais as conseqüências destes ataques para Israel? É possível uma ascensão do partido de direita Likud nas próximas eleições após a ofensiva?  

Moisés Storch – Toda guerra acirra os ânimos e promove a demonização do inimigo. Isto levaria ao fortalecimento do próprio Hamas e de partidos que, como o Likud, desvalorizam o processo de paz e utilizam a plataforma de que “não existe com quem conversar”.

Os resultados da guerra também poderão favorecer – ou prejudicar, conforme a visão do eleitorado – os membros do governo que tiveram a iniciativa de promovê-la, Ehud Barak (Avodá) e Tzipi Livni (Kadima).

Caso a população conclua que o conflito não tem solução militar e se deve apostar mais em negociações para uma solução de dois Estados com os palestinos, votará nos candidatos do Meretz, de esquerda.


Fórum – Nem sempre uma vitória militar significa uma vitória política ou midiática. Foi o que aconteceu com Israel na guerra de 2006 contra o Líbano. É possível que Israel caia novamente na mesma armadilha?

Moisés Storch – A Faixa de Gaza é uma das regiões mais densamente povoadas do planeta, e as forças do Hamas atuam em meio a bairros residenciais e instituições civis. É praticamente impossível ataca-las sem causar vítimas inocentes. Nesse caso, a batalha midiática já está perdida a priori.  

Fórum – Quais as conseqüências destes ataques para o povo palestino e sua luta por um Estado próprio?

Moisés Storch – Os ataques, do Hamas e de Israel, são um desastre para ambas as populações que os sofrem diretamente, mas têm um efeito contundente e duradouro para o processo de paz palestino-israelense.

A paz entre duas nações – mais do que por negociações e mediações diplomáticas – é feita entre pessoas.

Os acordos de Oslo, nos anos 1990, assistiram a uma intensa e rápida aproximação entre os habitantes que habitavam os dois lados da Linha Verde (antiga fronteira de 1967). Árabes palestinos e judeus israelenses passaram a se ver e conhecer como seres humanos iguais e a estabelecer relações de confiança, construindo ONGs que sobrevivem até hoje.

O PAZ AGORA de Israel tem um relacionamento próximo com vários grupos palestinos organizados que têm em comum uma solução pacífica de Dois Estados para Dois Povos. Na proporção em que ocorrem atentados terroristas ou conflitos armados, diminui a adesão a essas instituições, e há uma tendência geral ao ceticismo e à alienação.

Cada ato de violência, tanto de israelenses quanto de palestinos, é contrário aos seus próprios interesses, e um enorme passo atrás para o estabelecimento de um Estado Palestino.


Fórum – É raro um ano em que Israel não troque bombas com vizinhos, quebrando cessar-fogo e resoluções de paz da ONU. A ONU tem realmente potencial de interferência no conflito no Oriente Médio?

Moisés Storch – O povo israelense apenas quer ter uma vida normal, num país seguro. Tanto quanto nós brasileiros e tanto quanto o povo palestino.

Quanto à ONU, sua importância tem que ser preservada. No entanto, é visível a queda do seu potencial de interferência, desde o fim da guerra-fria e a ascensão dos Estados Unidos como única grande potência.

Talvez estejamos assistindo, com a atual crise financeira mundial, a um reequacionamento do poder, com a ascensão da Comunidade Européia, BRICs, e a organização de novos mecanismos multilaterais.


Fórum – É necessária pressão internacional para a resolução do conflito? Que medidas, em termos práticos, os governos de todo o mundo deveriam adotar para o estabelecimento da paz entre israelenses e palestinos?

Moisés Storch – A atuação internacional é indispensável, primeiramente porque ambos os lados não se reconhecem. O Hamas é uma organização que tem como objetivo explícito central a destruição de Israel.

Os governos do mundo devem bloquear a remessa de armamento ao Hamas e outros grupos terroristas, canalizar recursos para o desenvolvimento econômico da Faixa de Gaza e da Cisjordânia. E pressionar Israel a retirar seus assentamentos dos territórios ocupados, como passo concreto para a criação de um Estado Palestino.


Fórum – Como o senhor avalia a medida de Hugo Chávez em expulsar o embaixador israelense da Venezuela? É um exemplo a ser seguido ou repudiado?   

Moisés Storch – Acredito que o Brasil está sendo muito mais sábio quando, ao mesmo tempo em que censura os dois lados do conflito, oferece a tradição de resolução pacífica de conflitos do Itamaraty para mediar entre as partes. Enquanto Chávez, coerentemente com sua aliança a Ahmanidejad, fomenta o ódio, o Brasil certamente contribuirá para a paz.


Fórum – Já surgem pelo mundo ataques contra judeus ou palestinos fora da zona de conflito. Há perigo desse conflito ser exportado?

Moisés Storch – Acho que existe uma grande responsabilidade dos profissionais da imprensa.

As imagens e vozes de guerra são altamente contagiantes e explosivas. Não tem sido raro encontrar nos noticiários adjetivos e incitações ao ódio e ao racismo.

É muito fácil se curvar à sedução das frases bombásticas e imagens pungentes. Mais difícil é se dar o trabalho de analisar a notícia e passar ao leitor um entendimento amplo, sem maniqueísmos.

 

Fórum – Após estes ataques, há perspectivas para o estabelecimento da paz definitiva? O que deveria ser feito nesse sentido?  

Moisés Storch – O mais urgente é acordar um cessar-fogo e atender à situação calamitosa da população de Gaza. Para isto, as fronteiras da Faixa de Gaza com o Egito deveriam ser abertas e guarnecidas por forças internacionais. Estas agilizariam a entrada e saída de ajuda humanitária, produtos e pessoas, impedindo a entrada de armamentos.

Restabelecida a calma, ficará novamente provado, ao custo de perdas humanas irrecuperáveis, que não existe solução militar para o conflito israelense-palestino.

O reinício de negociações entre a Autoridade Palestina e Israel, para criação de um Estado Palestino, deverá ocorrer o quanto antes, se possível aproveitando o momento da posse do novo governo americano e da mobilização internacional em torno do conflito de Gaza.

A paz definitiva deverá ocorrer, mediante negociações para o estabelecimento de um Estado Palestino, ao lado do Estado de Israel, incluindo os territórios da Cisjordânia e Faixa de Gaza, tendo Jerusalém Oriental como capital.

Existem já vários entendimentos entre lideranças dos dois povos [como a Iniciativa de Genebra], que mapeiam soluções aceitáveis, para os dois lados, de pontos críticos como fronteiras, refugiados, Jerusalém, lugares sagrados, etc.

A maioria dos dois povos já sabe como será a paz. Faltam líderes decididos a trocar as bombas por canetas.


Moisés Storch é coordenador dos Amigos Brasileiros do PAZ AGORA.

[ entrevista por Camila Souza Ramos publicada na Revista FÓRUM  em 09|01|09 ]

Comentários estão fechados.