"A Mulher Foge": Literatura mostra a dor da guerra

LIVRO
DAVID GROSSMAN  e “A Mulher Foge”:

  

 David Grossman, um dos mais aclamados escritores israelenses da atualidade, examina em seu livro “A Mulher Foge” como a brutalidade do conflito entre palestinos e israelenses paira sobre estas sociedades até nos momentos de relativa paz, criando uma cultura do medo que chega a invadir as relações mais íntimas entre amigos e familiares.

O autor defende que a literatura pode ser uma poderosa arma para resgatar a dimensão humana do conflito. “Na guerra, você precisa destruir o oponente. Você precisa apagar a humanidade do outro para depois matá-lo”, afirmou Grossman durante uma visita a São Paulo. “Neste contexto, é necessário pensar dentro de preconceitos e estereótipos e é muito fácil ver como nós e os palestinos utilizamos esse mecanismo. Mas quando você escreve, o contrário acontece. Porque você tenta esmiuçar os indivíduos e colocar o máximo de humanidade nos personagens. Você tenta compreendê-los e se reconhecer dentro deles”.

Para ele, os livros podem mostrar a realidade do sofrimento das pessoas durante a guerra

 

Grossmann também considera como os livros podem ajudar a sensibilizar novamente a comunidade internacional sobre a dimensão real da perda causada pelo conflito entre israelenses e palestinos. “Nós acreditamos que a expressão ‘mídia de massas’ significa uma mídia que atinge as massas, quando na verdade é a mídia que transforma as pessoas em uma massa, através de manipulações e ao apelar às nossas fraquezas por sensacionalismo”, disse o autor. “Nós achamos que usamos a mídia em massas, mas é ela que nos usa e nos transforma em uma multidão uniforme. E eu acredito que a literatura pode ajudar a apresentar a tragédia da vida do indivíduo dentro desse oceano de estatísticas brutais.”

  

Fuga e redescobrimento

 

“A Mulher Foge” conta a história de Orah (derivação feminina de “luz”, em hebraico), que no início da narrativa se despede do filho que vai servir ao exército. Em Israel existe um mecanismo muito sofisticado para avisar às famílias quando algo acontece com os soldados: as autoridades batem na porta das casas a qualquer hora para informar ferimento ou morte. Orah, que sente uma forte intuição de que algo de ruim está para acontecer com o filho, percebe que para que uma notícia seja entregue alguém precisa recebê-la, e se ela não estiver em casa, se ela não colaborar com o sistema de anúncio, talvez o acontecimento em si seja atrasado. A mãe então decide viajar por Israel para que nunca esteja em casa para receber a possível notícia da morte do filho.

Junto a ela nesta jornada por Israel segue Avram, seu antigo amor, que perdeu o gosto pela vida após ser torturado pelo exército egípcio durante a guerra de Yom Kipur, em 1973. Enquanto Orah foge para tentar de alguma forma defender a vida do filho e fala dele como se as palavras o protegessem, Avram viaja para reaprender o que é viver e não apenas sobreviver. Acompanhando esta trajetória, o livro traça um painel da sociedade israelense, revelando as diversas divisões internas e contradições de uma nação marcada por um conflito permanente.

David Grossman, que assim como Orah tinha um filho servindo ao exército, afirmou que também guardava um desejo intuitivo enquanto escrevia a obra: que as palavras pudessem de alguma forma proteger seu filho, o sargento Uri Grossman. No entanto, o jovem de 20 anos morreu atingido por um míssil antitanque no sul do Líbano, em 2006, dois anos antes da conclusão de “A Mulher Foge”.

[por Guilherme Solari – publicado na  FolhaOnline em |10|2009]

SINOPSE

Orah e Avram (Abrão), os protagonistas deste romance, são nomes primordiais. Abrão é o nome do patriarca do judaísmo antes da aliança com Deus, e Orah, derivação feminina de “luz”, a primeira entidade criada no Gênesis sobre o céu e a terra. E é no território do primordial que esse romance acontece, em meio a uma caminhada sem rumo pela Galileia.

Por temer receber a notícia da morte do filho, que serve no exército, a protagonista Orah foge sem destino para o norte de Israel e escreve sempre sobre seu filho, como se as palavras pudessem protegê-lo da cruel guerra do Líbano. O romance retrata uma Israel refém do medo e dividida pela violência e mostra o real preço da guerra, fugindo dos estereótipos sobre o conflito.

A ficção e a realidade se misturam devido à história de vida do autor David Grossman, que tinha um filho servindo no exército, e que como Orah desejava que a escrita o protegesse. Mas a realidade foi mais dura e Grossman perdeu seu filho em 2006, pouco antes da conclusão de “A Mulher Foge”. Uma perda que pode-se perceber refletida em sua obra.


Livro: “A Mulher Foge”
Autor: David Grossman
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 656
Preço: R$ 58,00


DAVID GROSSMAN é um dos três expoentes da literatura contemporânea israelense, ao lado de Amós Oz e A. B. Yeoshua. Como eles, é veterano ativista do Movimento PAZ AGORA, tendo sido signatário da DECLARAÇÃO CONJUNTA ISRAELENSE-PALESTINA e do ACORDO DE GENEBRA,

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