Netanyahu, o Nero de Jerusalém

Netanyahu, o Nero de Jerusalém

Na semana passada, foi evitado um incidente que poderia ter incendiado todo o Oriente Médio. O plano secreto de Netanyahu de visitar um polêmico túnel no bairro de Silwan em Jerusalém Oriental, no local conhecido como Ir David (‘Cidade de David’), foi cancelado, provavelmente com alguma intervenção internacional. Estou exagerando o perigo? Não. A julgar de experiências anteriores, provocações em Jerusalém nunca acabam bem, e com as tensões na cidade claramente crescentes, o potencial de uma explosão é muito real.

Primeiro, um pano de fundo para o plano: Menos de uma semana após ter voltado de Washington, após ter frustrado a expectativa geral e ter mantido a reunião mais fria possível com Abbas e Obama, Netanyahu decidiu que era hora de unir seus parceiros da direita. Decidiu, aparentemente, que a melhor maneira para isto era organizar um evento de exaltação moral em Jerusalém. De todos os locais possíveis em Jerusalém, decidiu levá-los para uma excursão a Ir David, no coração de Silwan. O plano acabou sendo revelado (é difícil esconder um plano que envolve forças de segurança israelenses isolando toda uma parte da cidade). Moradores de Silwan organizaram uma manifestação, jornalistas começaram a fazer perguntas e diplomatas em Washington e todo mundo foram alertados. Comenta-se que, após vários telefonemas recebidos de Washington, Netanyahu decidiu cancelar o tour.

Por que um evento em Ir David é tão controverso?

Inegavelmente, Ir David é um local turístico interessante e importante, repleto de descobertas arqueológicas da antiga Jerusalém. Mas esta não é toda a história. Na verdade a própria terminologia revela: a bíblica ‘Cidade de David’ é também a atual Silwan – um vibrante bairro palestino em Jerusalém Oriental.

Nos últimos anos, o governo de Israel deu a uma associação de colonos extremistas – conhecida como Elad – uma franquia para administrar o sítio arqueológico em Silwan e boa parte das áreas públicas do bairro. A Elad – bem financiada por apoiadores norte-americanos – empreende a maior parte das amplas escavações realizadas em Silwan (além de promover visitas guiadas e recolher taxa dos turistas). Mas a Elad não está apenas interessada em arqueologia: o grupo está dedicado a obter controle sobre mais e mais terras na área e em substituir moradores palestinos por colonos judeus.

Em apenas alguns anos, a Elad conseguiu transformar a paisagem de Silwan, de um bairro de 7.500 moradores palestinos (que vivem em torno do sítio turístico) num local dominado por Israel. Visitantes do ponto turístico nem desconfiam que estão num bairro palestino.

Trilhas especiais foram construídas para evitar a rua principal, de modo que os turistas podem entrar e atravessar o sítio sem notar qualquer evidência de moradores palestinos. E metade do tour em Ir David é realizado embaixo da terra, em túneis. Mesmo o turista mais atento não tem como saber que está passeando sob uma casa ou loja palestina.


Inicialmente, no início dos anos ’90, a Elad tomava casas individuais para propósito de assentamento (com a generosa ajuda do governo de Israel, que concedeu muitos ativos públicos por preços ínfimos e sem qualquer processo de licitação). Com o tempo, a Elad aparentemente percebeu que esta estratégia não atenderia o tipo de mudança conceitual e demográfica de larga escala que desejava, e optou por um novo método: tomar locais históricos, arqueológicos e turísticos em Silwan, conquistando através deles o domínio judeu sobre toda a região.

Este método teve um enorme sucesso e foi copiado também para outros lugares de Jerusalém Oriental. Adquirir casas de palestinos para fins de assentamento é controverso, mas quem pode discutir escavações arqueológicas que descobrem impressionantes relíquias da História antiga de Jerusalém?

Quem poderia se opor ao desenvolvimento de um sítio turístico onde tantas pessoas poderiam gozar dos ativos histórico-culturais de Jerusalém? O modelo de assentamento mudou: a tomada de casas continua silenciosamente, enquanto se aceleram as obras turístico-arqueológicas.

Assim, Netanyahu pensou que podia planejar um tour em um dos lugares mais sensíveis de Jerusalém, em meio a esforços de se reiniciar o processo de paz, sob o pretexto de visitar um local turístico e histórico, não a um bairro palestino.

Estando lá, guiaria seu passeio através de um novo túnel que foi recentemente exposto, sob a principal rua de Silwan, sob as casas dos moradores, no que seria uma inauguração não-oficial do túnel.

No dia designado, os moradores palestinos de Silwan perceberam uma atividade não usual. O sítio turístico foi fechado a visitante às 16h, enquanto o pessoal de segurança e produção corria e carregava equipamentos. O novo túnel estava limpo e polido e pronta a construção de seus degraus de saída.

Isto despertou rumores e telefonemas entre jornalistas, ativistas e diplomatas. Ao final, Netanyahu teve que emitir uma declaração negando os rumores, mas de fato confirmando a história.

O escritório do primeiro-ministro disse que os rumores de que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu iria inaugurar na quarta-feira um túnel em Silwan, na Cidade Velha de Jerusalém, eram infundados. Foi também reportado que Netanyahu deveria comparecer a um evento para sua equipe num estacionamento próximo à Cidade de David “contrariamente a rumores infundados espalhados pelos palestinos”.

Assim, conforme o desmentido, Netanyahu não planejava inaugurar oficialmente o novo túnel em Silwan, mas só visitar a Cidade de David.

Embora possamos aceitar seu argumento de que visitar o novo túnel não significa “inaugrá-lo” oficialmente, o anúncio de que ele iria visitar a Cidade de David – e não Silwan – foi uma demonstração da arte do ilusionismo. É um exemplo do governo de Israel tentando vender ao mundo a “realidade virtual” que a Elad criou – um local turístico israelense que (espera-se que as pessoas acreditem) não tem nada a ver com Silwan ou palestinos, embora se situe no coração de Silwan e tenha sido criado, e continue se expandindo, às custas dos moradores palestinos da região.

Os túneis e as escavações têm um papel duplo aqui. Não apenas representam descobertas históricas importantes, mas também criam a realidade de um domínio israelense subterrâneo. Isto permite que se façam excursões por baixo da Cidade Velha e de Silwan, onde o turista não vê nenhum palestino – um tipo de distribuição vertical da soberania.


O fato de que as escavações e túneis preocupem os palestinos (e muçulmanos de outros lugares) não surpreende. Para eles, o temor de Israel escavar sob suas casas, para não falar dos lugares sagrados (*), é muito real, associada a temores antigos e mitológicos. Alguns extremistas judeus deixam claro seu ardente desejo de ver as mesquitas de Omar e al Aqsa desaparecerem para abrir caminho para a construção do Terceiro Templo judeu, o que apenas fortalece esses temores (na verdade, próximo ao Muro das Lamentações construiu-se um modelo em escala do Segundo (e do que esperam será o Terceiro) Templo; há fazendeiros que trabalham fervorosamente na concepção de uma bezerra vermelha para sacrificar no templo, existe uma organização dedicada a criar os utensílios sacerdotais para uso no templo, etc..).

Também deve ser lembrado que em 1996 – quando o então primeiro-ministro Benjamin Netanyahu decidiu abrir o túnel do Muro das Lamentações sob o Quarteirão Muçulmano, a “intifada do túnel”, irrompeu por toda a Cisjordânia, terminando com a morte de 69 palestinos e 15 soldados israelenses.

Parece que, infelizmente, Netanyahu não aprendeu a lição. Desta vez, a provocação foi evitada, talvez por nossos amigos americanos, que de tempos em tempos precisam assumir o papel de adulto responsável que têm uma perspectiva mais ampla e sabem como frear Netanyahu, enquanto este tenta desesperadamente ganhar pontos junto aos apoiadores da direita, apresentando-se como o grande defensor de Jerusalém e dos assentamentos.

A solução de dois Estados depende de um compromisso sobre Jerusalém, no qual os bairros palestinos de Jerusalém Oriental serão a capital da Palestina.

Os esforços para assumir controle sobre locais e bairros na Jerusalém Oriental árabe visam impedir este compromisso. São uma ameaça à única solução possível do conflito – a solução de dois Estados. Tais atitudes – e as crescentes provocações que os acompanham – devem cessar.

(*) – Nota: Pelas mesmas razões que os judeus estão interessados nos túneis de Silwan (sua proximidade e relevância histórica do Monte do Templo), os palestinos e muçulmanos também se preocupam profundamente com os túneis, pela proximidade com o Haram Al Sharif.


   HAGIT OFRAN – huffingtonpost 06|10|2009

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