Um novo macartismo em Israel?

Vozes críticas afirmam que o governo israelense e os seus apoiadores de direita têm lançado uma campanha “macartista” contra as organizações de defesa dos direitos humanos, segundo a qual estas organizações são responsabilizadas pela onda de críticas internacionais que se seguiu ao ataque israelense a Gaza, ocorrido o ano passado.

O Executivo do país propôs recentemente uma lei que, se for aprovada, poderá resultar na detenção dos responsáveis das organizações que promovem a paz e os direitos humanos, caso estes não cumpram as novas e rígidas condições de registro das mesmas. Esta medida é um indício da crescente reação contra as organizações da área.

Tal medida será a resposta governamental aos lobbies de direita, os quais argumentam que os defensores dos direitos humanos forneceram a maior parte das provas de crimes de guerra referidas pelo juiz Richard Goldstone no relatório das Nações Unidas sobre a “Operação Chumbo Fundido”.

Os defensores dos direitos humanos – financiados por doadores estrangeiros, como a União Europeia – terão que registrar os seus grupos enquanto “organizações políticas” e cumprir outras medidas de “transparência”. O apoio da população a estas iniciativas repressivas foi revelado por uma sondagem recente: 57% da população acredita que as questões de “segurança nacional” devem se sobrepor aos direitos humanos.

Numa jogada conjunta, alguns grupos de direita lançaram uma campanha vilipendiosa contra Naomi Chazan, a responsável em Israel pela organização de financiamento norte-americana New Israel Fund (Fundo Novo Israel), cuja ação tem envolvido o apoio a grupos que lutam pela justiça social. O New Israel Fund é acusado de financiar as organizações israelenses que Richard Goldstone consultou quando da elaboração do seu relatório.

Há cartazes – em Tel Aviv e Jerusalém – e anúncios de imprensa que caricaturam Chazan deste modo: um chifre que desponta da sua testa com a seguinte legenda: “Naomi-Goldstone-Chazan”.

“Estamos assistindoem Israel à evaporação das últimas liberdades e garantias de expressão e de organização”, afirmou Amal Jamal, presidente do Departamento de Estudos Políticos da Universidade de Tel Aviv e dirigente da Ilam – uma organização de defesa dos direitos de imprensa, que poderá ser visada pela nova legislação. Jamal acrescentou também que o sistema político de Israel está se transformando numa “democracia totalitária”.

O ‘Monitor de ONGs [Organizações Não-Governamentais]’, um autoproclamado “grupo de observadores”, lidera as acusações contra os grupos de defesa dos direitos humanos – a maioria dos quais são descritos oficialmente como “organizações não-governamentais”. As iniciativas do Monitor conquistaram o apoio governamental na sequência das censuras internacionais a Israel pelo seu ataque a Gaza.

A referida lei, proposta há pouco tempo por um comitê ministerial, é fruto de uma conferência ensaiada no parlamento em dezembro último pelo dirigente do Monitor de ONGs Gerald Steinberg e por uma organização denominada Institute of Zionist Strategies (Instituto de Estratégias Sionistas), que conta com apoiadores entre os colonos.

Steinberg, que é professor da Universidade de Bar Ilan, apresentou um relatório a deputados e a ministros onde apelida de “Cavalos de Tróia” os grupos que promovem a paz, e defende a imposição de restrições ao seu financiamento por parte de governos europeus e do New Israel Fund.

Nessa altura, chegou a declarar: “Durante mais de uma década, os governos europeus têm influenciado a política israelense e promovido a sua demonização através do financiamento privilegiado de um grupo restrito de organizações não governamentais.”

As suas críticas mais agudas foram dirigidas aos grupos de apoio legal à minoria árabe e aos grupos judaicos que se opõem à ocupação, acusando-os de promoverem a imagem de Israel enquanto um Estado autor de “crimes de guerra” e de campanhas de “limpeza étnica”, onde vigora um regime de”apartheid”.

De acordo com o referido relatório, 16 organizações não-governamentais receberam 8 milhões de dólares por parte de países europeus nos últimos três anos.

Existe uma pressão crescente no interior do governo no sentido de agir. Este mês, Yuli Edelstein, ministro da diáspora e membro do Likud, o partido do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, declarou aos jornalistas que o Executivo está “preocupado, já há algum tempo, com o número de grupos financiados por agentes estrangeiros, sob o aparente estatuto de organizações não-governamentais.”

Um dos deputados que participou na conferência de dezembro de 2009, Zeev Elkin, igualmente do Likud, é um dos autores da referida legislação.

Apesar de ser necessário que esta lei seja aprovada no Parlamento, o apoio governamental aumenta dramaticamente as hipóteses de aprovação.

Esta lei impõe uma série de novas condições aos grupos de defesa dos direitos humanos, dentre as quais: registro enquanto organizações políticas; registro da morada e da identificação de cada ativista; registro de todos os apoios financeiros doados pelo estrangeiro e dos projectos a que se destinam; declarar o apoio por parte de outros países sempre que um ativista faça um discurso ou que a organização leve a cabo uma iniciativa pública.

Todos os responsáveis e dirigentes que falharem no cumprimento destes procedimentos poderão ser detidos até um período máximo de um ano.

O responsável pela Association of Civil Rights (Associação Israelita de Direitos Cívicos; o maior grupo de defesa dos direitos humanos do país, que presta apoio legal), Hagai Elad, garantiu que se trabalha “num clima bastante hostil” e que as liberdades instituídas estão sendo atacadas “uma a uma”.

“Isto são técnicas macartistas clássicas. Uma delas é a de apresentar as organizações não-governamentais como inimigas do Estado, ao sugerir-se que estamos a apoiar grupos terroristas como o Hamas.”

Elad acrescentou ainda que as organizações não-governamentais já estão atualmente bastante regulamentadas, “o que nos deixa com a terrível questão: uma vez que já trabalhamos de uma forma transparente, quais os verdadeiros motivos por detrás desta lei?”

Quem tem estado no meio deste fogo cruzado é Naomi Chazan, uma ex-deputada que defende a paz.

Um jornal populista, o Maariv, publicou um relatório em janeiro passado, preparado pela organização de direita Im Tirtzu, no qual Chazan é responsabilizada por 90% das críticas oriundas de fontes não-oficiais que foram dirigidas a Israel pelo relatório Goldstone.

Um relatório apresentado há poucas semanas desmontou estas asserções, ao sugerir que apenas 4% das citações do relatório Goldstone provinham de organizações financiadas pelo New Israel Fund (NIF) e que muitas destas citações não estavam relacionadas com as operações militares em Gaza.

Mas o ataque a Naomi Chazan depressa ganhou ímpeto: os comentaristas políticos denunciam-na nos meios de comunicação e os cartazes depreciativos são espalhados pelo país.

Em fevereiro último, a campanha contra o New Israel Fund foi apoiada até por uma petição subscrita por uma extensa lista de generais aposentados, entre os quais se incluem Giora Eiland, o anterior presidente do National Security Council (Conselho de Segurança Nacional), e Doron Almog, o recém nomeado responsável militar do comando Sul do país.

Naomi Chazan foi demitida do jornal de direita Jerusalem Post, onde, durante 14 anos, trabalhou como uma das poucas vozes liberais do periódico. Entretanto, o gabinete de imprensa do governo israelense distribuiu aos correspondentes estrangeiros um artigo em que Chazan é acusada de “servir a agenda política do Irão e do Hamas”.

Esta respondeu: “Eles me usam para atacar, da forma mais descarada, os princípios básicos da democracia.”

O New Israel Fund (NIF), por seu lado, sublinhou que entre os patronos da organização Im Tirtzu pode-se incluir a organização Christians United for Israel (Cristãos Unidos por Israel), liderada por John Hagee, um sacerdote que foi notícia de destaque durante a campanha para as presidenciais norte-americanas de 2008 quando afirmou num discurso de apoio a John McCain que “Hitler estava cumprindo a vontade de Deus”.

 

Jonathan Cook [www.jkcook.net.] é escritor e jornalista sediado em Nazaré, Israel. Os seus livros mais recentes são: Israel and the Clash of Civilisations: Iraq, Iran and the Plan to Remake the Middle East (editado pela Pluto Press) e Disappearing Palestine: Israel’s Experiments in Human Despair (editado pela Zed Books). Uma versão original deste artigo foi publicada em The National (www.thenational.ae), jornal de Abu Dhabi.  Tradução transcrita da Revista Fórum

Por Jonathan Cook, em Nazaré, Cisjordânia. [09.03.2010 10h35]

Publicado por Esquerda.net e retirado de http://www.informationclearinghouse.info/article24855.htm

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