Os colonos são humanos

Sucót  é também a festa dos ushpizin, os tradicionais hóspedes bíblicos. E por ser toda sucá uma sucá de paz, e por não existir um judeu que não quer a paz – como todos sabemos – existem muitos convidados em potencial.

Uma longa fila está se formando neste ano na bilheteria de convites dos assentamentos do Conselho Yesha de assentamentos. Quando o Conselho entendeu que nem os sete ushpizin tradicionais – aqueles grandes líderes da antiga Israel – nem suas tumbas tinham conseguido implantar os colonos nos corações da população, decidiu convidar novos formadores de opinião. Principalmente jornalistas.

Até recentemente, líderes colonos consideravam os jornalistas como representantes de uma mídia hostil. Mas, agora, descobriram entre eles tipos inquisidores com cabeças abertas.  Só mulas não mudam de opinião, e jornalistas com opinião são o contrário de mulas.

A operação “conheça o outro” foi coroada de sucesso: conhecidos jornalistas foram convidados e aceitaram, conheceram os renovadores do sionismo e seus empreendimentos – afinal, ver é crer – e deixaram em casa seus preconceitos e humores.

Estes são convidados que não se apressam, não são rápidos para esquecer irmãos só porque um judeu é também colono. Como gente civilizada, sentem uma afinidade pessoal e uma conversa olho-no-olho é preferível a separação e afastamento.

Como não pensaram nisto antes? Como os dois lados desperdiçaram décadas com discussões vãs, como se o Yesha [os territórios ocupados] nem sempre tivessem estado aqui, como se  fosse logo desaparecer? Como os jornalistas se tornaram inimigos, quando é tão fácil comprá-los como amigos, lavar seu cérebro e limpar os ressentimentos?

Os visitantes voltaram para casa de seus safáris cheios de boas impressões. De repente, suas cataratas tinham sido removidas: os colonos não têm chifres, parecem seres humanos.  Eles falam na língua de seres humanos, com leite e mel. Têm crianças simpáticas, que se comportam como crianças. Suas esposas são tão atraentes quanto suas casas. Têm mente aberta.

Então, por que os visitantes precisam de política, quando a vista é tão bonita, sopra uma brisa agradável, a melancia está fria, e os sabras – não há mais sabras como esses em ‘Israel’ – são bonitos e saudáveis? Por que precisariam eles de política, quando podem trocar experiências do serviço militar, quando não existe um único palestino à vista, quando novamente “a praça da cidade está vazia” e existe de novo “uma terra sem povo”?

Agora vem o ponto alto da visita: você sabia que a ‘terra dos nossos antepassados’ está repleta de sofisticadas vinhas, pequenos e maravilhosos estábulos, modernos extratores de azeite? Você sabia que eles construíram luxuosos ‘bed-and-breakfasts’ com vista para leste e oeste, um prazer para os olhos? Não seriam estas, evidências de boa vizinhança e vida normal? Não deveríamos comer um naco de queijo, beber uma garrafa de vinho e provar o puro azeite de oliva feito com o suor do rosto de trabalhadores não-judeus?

Valeu a pena vir, ver com seus próprios olhos, voltar satisfeito e escrever um artigo. E tudo a 25 minutos da bolha de Tel Aviv.

E para que precisam eles de política, quando, por um trocado, podem fazer felizes os comentaristas? “Um grande artigo”, “Puxa, que divertido de ler”, “A Judéia e a Samária (Cisjordânia)  não são o que você pensava; Gostei de lá”… Em todo jornalista se esconde um pequeno comentarista que quer crescer.

O que está acontecendo aqui, amigos?  O que está acontecendo com vocês?  Onde vocês estavam e o que fizeram nos últimos 43 anos?

Nabot de Jezreel também tinha um vinhedo, e um rei o queria para si. Ofereceu ao dono um lote de terra ou, alternativamente, compensação monetária. Mas Nabot recusou abrir mão de sua terra ancestral. Sua recusa custou caro. Não viveu para ver a colheita das uvas.

Ahab sentou sob a vinha, Jezebel plantou frutas e vegetais orgânicos, e ambos começaram a se entreter no seu belo vinhedo. No feriado, construíram uma grande sucá e alegraram os corações dos convidados com vinho e azeite frescos. Até jornalistas das cidades costeiras se embriagaram ali.

Até que o purista Elijah apareceu e estragou tudo. 


[ publicado no Haaretz e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]

 

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