'To the end of the land' – um guia para os perplexos

Um Guia para os Perplexos

Crítica de Carlos Strenger ao livro  ‘To the End of the Land’ [ ‘Até o fim da terra”]


A tradução para o inglês de ‘To the End of the Land’ será lançada dentro de alguns dias. Sua publicação já foi ofuscada pelas homenagens antecipadas dadas por dois escritores famosos. Paul Auster coloca o livro diretamente na tradição dos maiores romances europeus, ao comparar sua heroína Ora à Anna Karenina de Tolstoy e à Emma Bovary de Flaubert. Os elogios de Nicole Krauss têm a qualidade de um hino, e foram criticados como exagerados por alguns críticos.

‘To the End of the Land’ tornou-se um evento literário antes ainda de ter sido lido. E isto é uma pena. Espera-se que o livro não partilhe do destino do ‘Versos Satânicos’ de Salman Rushdie. Como Milan Kundera observou, todos já tinham suas opiniões sobre o ‘Versos Satânicos’, tivessem-no lido ou não, por causa da fatwa de Khomeini contra o livro. Os anos que Rushdie viveu em clandestinidade, o assassinato de alguns dos seus editores e tradutores fizeram do livro um evento político

Isto não será fácil, porque o pano de fundo da história de ‘To the End of the Land’ é do tipo de material de que são feitas as “histórias de interesse humano” – como a mídia gosta de chamar a combinação entre fofoca e melodrama emocional.

Grossman começou a escrever o livro quando seu filho caçula, Uri, foi convocado para o exército. Escrever o livro tornou-se algo como um ato mágico pelo qual David Grossman tentou proteger o seu filho. E a história do romance é sobre uma mulher, Ora, que tenta magicamente proteger seu filho, que servia no exército israelense.

Durante a Segunda Guerra do Líbano, em 2006, Grossman, junto a  A.B Yehoshua e Amos Oz, pediu ao então primeiro-ministro Ehud Olmert o cessar dos combates que, na visão dos escritores, havia cruzado a fronteira do aceitável. No último dia da guerra, Uri Grossman foi morto tentando salvar camaradas de outro tanque.

Até os maiores cínicos não podem deixar de se emocionar pela tragédia, e pela crueldade do destino no qual um pai não consegui proteger seu filho com a mais pacífica das armas – escrevendo ficções. Mas Grossman, consistentemente, recusou-se a capitalizar esta tragédia, política ou pessoalmente. Ele não se transformou numa vítima cuja perda demanda que todos respeitem suas idéias. Ele continuou tão emocionalmente preciso e sem sentimentalismos como sempre fora.

To the end of the land - David GrossmanEm ‘To the End of the Land’ ele trabalha com um dos aspectos mais pesados em Israel: o medo e a dor dos pais que mandam seus filhos para o exército e o trauma da guerra para os que retornam.

‘To the End of the Land’ é um dos retratos mais precisos já escritos sobre a psique israelense. Através de Ora, que foge para o norte do país num esforço desesperado para evitar os mensageiros que poderiam trazer a ela a notícia da morte do seu filho. Através do seu antigo amante Avram, que foi ferido para sempre pelas suas terríveis experiências como prisioneiro de guerra na Guerra do Yom Kipur de 1973, o leitor pode começar a entender o quão fundo as sombras da guerra e da morte penetram nas almas dos israelenses.

E ainda assim, como de costume, Grossman não sucumbe à tentação de ser dono da verdade ou de uma ideologia bombástica. Em nenhum momento deste grande romance. Ele nunca sai da realidade humana como ela é, e não a distorce para propósitos políticos.

Grossman não é um autor fácil. Nunca dá ao leitor satisfações fáceis de catarses emocionais, do tipo de moralidade que os participantes e os observadores do conflito do Oriente Médio gostam.  Ele é cru ao máximo em sua demanda por sinceridade, o tempo todo evitando o tipo de pseudo-autenticidade açucarada que tanto os auto-intitulados ‘verdadeiros patriotas’ de Israel como seus críticos pseudo-morais gostam de mostrar.

O romance de Grossman, ainda mais do que sua prosa, tem um efeito purificador. O leitor que se dispuser a ficar com ele precisa atravessar um processo árduo para separar as emoções verdadeiras das auto-dramatizações bombásticas.

David Grossman (e), com seus colegas escritores A.B. Yehoshua (c) e Amós Oz (d) antes de uma coletiva de imprensa em Tel Aviv, onde instaram publicamente o governo a acabar com a guerra contra o Hizbolá - 10|08|2006. Três dias depois, o filho de Grossman, Uri, 20 anos, foi morto no Líbano.

É por isto que ele não mudou o final do romance depois da sua tragédia pessoal. Ele se manteve fiel à ética do seu chamado e não tocou na lógica interna dos personagems do livro, particularmente da sua heroína e sua narrativa. E isto, na verdade, é a marca de um grande escritor.

O livro é bom demais para ficar à sombra da história da sua criação. E a voz de David Grossman é importante demais para ser tragada pela cacofonia dos esforços para ser usada politicamente, e frequentemente com abusos de tragédia, Porque a grandeza de Grossman, por décadas, tem sido a recusa a aderir a clichês que dominam o discurso político sobre Israel, os palestinos e o conflito do Oriente Médio.

Israel é um lugar que gera declarações ideológicas pretensiosas, temores paranóicos exagerados e ódio desmedido, por defensores e detratores. Há os que acreditam que Israel precisa ser defendido por constantes alertas ao mundo de que o próximo Holocausto está logo na esquina. E existem aqueles que acham que a negação do Holocausto serve ao objetivo de deslegitimar a existência de Israel. Aqueles que insistem, com intenso farisaísmo, que Israel está sempre com a razão, não importando suas ações, e há aqueles que explicam com conceitos do que Israel é o centro moral do mundo.

Israel, em suma, é capaz de expor pornografia política em quase todos os campos.

As ficções e não-ficções de Grossman são um bastião contra a pornografia política. Ele não escapou dos tópicos mais difíceis, incluindo o Holocausto, e numa sucumbiu a reflexões ideológicas exageradas ou exageros emocionais.

Para os que querem ficar tão próximos quanto possível da difícil verdade de Israel e da sua complexidade moral. Para evitar uma competição política pela vitimização e pela eterna pretensão de ser sempre o certo, e para ter em seus corações tanto o triunfo quanto a tragédia que é Israel, Grossman é um guia indispensável.

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