Moradia x Assentamentos: o dilema dos acampamentos

O problema de moradia não é novo em Israel. Tampouco será resolvido agora. Não existe solução mágica, pois não é o tipo de coisa que muda dramaticamente após uma resolução do gabinete ou uma lei do Knesset, a não ser que alguém decida construir habitações populares numa escala sem precedentes. Não há tal pessoa e, se houvesse, eu lhe sugeriria para ter cautela.

Mas qualquer um que hoje levante a justa demanda de baixar os preços de apartamentos não deve rejeitar a política como se fosse uma praga. Este não é puramente um protesto social, sem ligação com a política externa de alguma forma. Os moradores das barracas precisam voltar a 1967 e entender as conexões entre moradia e nossa presença nos territórios e a construção nos territórios que ocupamos naquela guerra.

Operarios palestino constróem laje na Cisjordânia
Palestinos construindo para colonos

Mão de obra barata

Logo após a Guerra dos Seis Dias, trabalhadores palestinos chegaram ao mercado israelense.  A guerra contribuiu para acabar com a recessão de 1967 e a prosperidade começou, levando Israel a um rápido crescimento nos meados dos anos ’60. Havia necessidade de uma grande força de trabalho e os palestinos assumiram esse papel. Como seus pagamentos eram muito inferiores aos dos judeus, começaram a ser muito procurados pelos empreiteiros.

Uma das conseqüências diretas desses salários baixos foi que o setor de construção deixou de lado a automação e outras inovações poupadoras de mão de obra. Assim, tornou-se um dos setores mais atrasados da economia, porque os empreiteiros preferiam mãos baratas a máquinas caras.

Quando os portões se fecharam no inicio dos ’90 e o número de trabalhadores palestinos em Israel caíram abruptamente, os empreiteiros começaram a pressionar pela importação massiva de trabalhadores estrangeiros. Agora se tratava de uma mão-de-obra mais cara, que criou problemas culturais e envolveu imigrações temporárias ou prolongadas, no lugar dos palestinos que voltavam todas as noites para seus lares.

De toda maneira, parte do alto custo de construção se deve à pequena automação, a dependência criada sobre trabalhadores palestinos, a adição de mão de obra barata, e a preferência por trabalhadores estrangeiros no lugar de uma significativa redução do custo dos processos através de maquinaria moderna, que também diminuiria o tempo de construção.

Colonos de conveniência   

Se o empreendimento de assentamento começou pelos motivos ideológicos daqueles que queriam assegurar que a Terra de Israel não seria partilhada – e que não acreditavam numa solução israelense-palestina -, com o tempo, morar nos território tornou-se uma solução muito barata de moradia para famílias que tinham dificuldade de encontrar habitações a preço razoável dentro do Israel soberano.

As condições confortáveis, os subsídios e empréstimos oferecidos aos moradores dos territórios, baseados na abordagem ideológica dos governos de direita desde 1967, tornaram-se muito atrativos para gente que nem podia sonhar com grandes casas em Israel, e compraram-nas a preços de pechincha e localizadas muito próximo ao país.

Os primeiros colonos receberam os “colonos de conveniência” com alguma reserva. Por um lado, era uma grande e importante adesão ao empreendimento de assentamento, que aos seus olhos tinha importância nacional. Por outro lado, sabiam que no devido tempo, quando fosse necessário devolver os territórios e evacuar os assentamentos, os colonos de conveniência seriam os primeiros a concordar em receber uma compensação monetária  e não se uniriam aos colonos ideológicos na sua previsível luta contra seu desenraizamento pelo governo. De toda maneira, centenas de milhares dessas pessoas vivem hoje na Cisjordânia. A maioria dos governos desde 1977 preferiam que aqueles que precisavam de moradia a baixo custo a achassem nos territórios administrados, fortalecendo os assentamentos existentes e construindo outros novos.

Uma campanha massiva por habitação barata dentro de Israel teria evitado isto.

 
Matitiahu Leste - colonização da Cisjordânia a todo vapor
Matitiahu Leste – colonização da Cisjordânia a todo vapor

Enormes investimentos em infraestrutura nos territórios

O investimento nos territórios é de uma escala muito grande. Ao longo dos últimos anos, vários calculos foram feitos para tentar chegar aos números exatos mas, sem dúvida, é algo da ordem de dezenas de bilhões de dólares.

Foi feito baseado na abordagem de dispersar a população. Os gastos para construir outro bairro em Holon ou Beer Sheva não se comparam às despesas incorridas na construção de outro assentamento ou mesmo um novo bairro.  As despesas relativas a estradas, segurança, canalização de água, etc., são de dimensão muito maior que as dirigidas a comunidades existentes em Israel [a oeste da Linha Verde].

O argumento de que os investimentos nos territórios se deram às expensas de investimentos não feitos nas periferias de cidades israelenses nunca foi apenas slogan de campanha. Esta era e ainda é a verdade. Os setores preteridos, que nunca quiseram se mudar para a Cisjordânia, vêm pagando por décadas o preço da acelerada construção nos territórios.

Protesto por habitação em Tel Aviv - 30|07|11
Protesto por habitação em Tel Aviv – 30|07|11

Os altos custos de moradia não são questões para comissões de inquérito. As razões são muito claras. Os manifestantes no Boulevard Rothschild e em outros lugares não terão sucesso caso não se focalizem  em demandas específicas objetivando uma solução. A demanda deve ser clara e não só apresentar o problema.

Encurtar processos de planejamento apenas prejudicará, no longo prazo, outros valores importantes pelos quais lutam os defensores do meio-ambiente. Desviar os recursos dos territórios ocupados para Israel será uma ação significativa que poderá reduzir o custo da habitação dentro de um prazo razoável. A questão é se os manifestantes terão coragem para chegar a esta conclusão e lutar por ela.

Afinal, hoje esta é uma batalha consensual. Todos concordam que a habitação é cara. Todas as partes fazem peregrinações aos acampamentos e mostram simpatia pelos manifestantes. Até o primeiro-ministro os convidou a se manifestar no complexo do governo…

Penso que é muito conveniente, no momento – para quem tem dificuldade de encontrar moradia, os estudantes e os mochileiros que sempre aderem a manifestações desse tipo -,  manter o caráter apartidário e apolítico de sua batalha.

Eles temem, com razão, que tão logo a campanha pela redução do custo de moradia seja conectada à eterna questão do futuro dos territórios, poderão perder uma parte considerável de sua audiência, enquanto o governo dirá acusadoramente que sua campanha não é nada além de uma agitação de ativistas de esquerda descontentes com os assentamentos, que tentam se valer da questão da moradia para sua agenda política.

Passeata em Jerusalém 24!07!11
Passeata em Jerusalém 24!07!11

Por outro lado, este também poderia ser um grande momento para aqueles que levantaram a bandeira. Em vez de serem percebidos como um “Woodstock” israelense, que combina distress com picnics, existe aí uma oportunidade para a sociedade israelense encarar, com toda força, o dilema que tem evitado por décadas: reduzir as diferenças na sociedade israelense e dar assistência aos mais carentes – ou continuar construindo massivamente nos territórios.

É possível agora!

A população israelense está pronta para discutir suas prioridades. É possível que os protestos deste verão  de 2011 possam mostrar a necessidade de fazer uma escolha – a escolha que a sociedade israelense ainda não soube tomar, o que  já lhe custou um preço muito alto.

Yossi Beilin foi Ministro da Justiça de Israel, líder do partido Meretz e um dos principais articuladores dos Acordos de Oslo e Genebra 

[ Publicado no Israel Hayom em 29/07/2011 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR. ]

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