O verdadeiro efeito dominó

 

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06|02|2012

As Revoluções Árabes e a Paz Israel-Palestina

 

Tzvi Bar'el, analista do Haaretz  UMA VISÃO ISRAELENSE

  O verdadeiro efeito dominó

  Zvi Bar’el

 

O líder do Hamas, Khaled Meshaal foi cheio de surpresas nos últimos meses. Primeiro veio seu anúncio de que se deveria dar uma chance às negociações israelenses-palestinas. Aí veio o acordo de reconciliação entre Fatah e Hamas, que foi seguido por sua confirmação de que não iria concorrer a outro mandato como diretor do bureau político do Hamas. E, finalmente, deixou a Síria com sua família e está procurando um novo refúgio para o quartel-general do Hamas.

Embora a assim chamada ‘primavera árabe’ tenha passado pelos territórios palestinos sem deixar uma marca tangível, não se pode ignorar seu efeito sobre a infraestrutura política palestina.

O grande resultado da crise na Síria – além de, claro, seu impacto sobre a própria Síria – é a percepção do Hamas de seu novo status ali e as implicações que isto poderia ter sobre suas relações com o Irã.

Antes dos eventos na Síria, o Hamas ainda era capaz de manobrar entre sua filiação árabe e seu patrocinador iraniano. Agora, parece que o Hamas está obrigado a adotar um curso único de ação e se realihar com a coalizão árabe contra a Síria e o Irã. A histórica visita de Meshaal à Jordânia, acompanhado pelo príncipe do Qatar, atesta a nova direção. Enquanto um debacle do Hamas jogaria sobre a Jordânia uma nova oportunidade de se envolver no conflito palestino-israelense, as implicações para as partes envolvidas seriam muito mais importantes.

Apesar de alguma crítica à renovação do diálogo palestino-israelense patrocinada pelo Rei Abdullah da Jordânia, Meshaal e seus colegas estão prosseguindo em esforços de reconciliação intra-palestinos.

Parece que até mesmo Israel percebeu a futilidade de sua objeção à reconciliação entre as duas facções palestinas e não colocou pré-condições na sua disposição para negociar com a OLP.

Ainda assim, enquanto Meshaal declarava que o Hamas abandonará a luta militar contra Israel, ou a adiará para uma “data posterior”, assim atendendo às condições do Quarteto, ele ainda está evitando qualquer reconhecimento de Israel e recusando aderir aos acordos que foram assinados entre Israel e a OLP.

É aí que os acontecimentos no Egito podem criar um dilema complexo para o Hamas. Enquanto a Irmandade Muçulmana, que se tornou o maior partido no parlamento egípcio e conduzirá o governo, está enfatizando sua adesão aos acordos de Camp David, assim reconhecendo Israel, o Hamas pode-se ver em conflito com tais declarações.

Embora ainda não se saiba qual o tipo de política externa que a Irmandade Muçulmana irá adotar, já é claro que eles querem manter boas relações com os Estados Unidos. Também é claro que os militares egípcios irão aderia à sua prévia posição pró-americana, assim forçando o governo a seguir a mesma linha. Não é preciso dizer, tal política implica em relações ‘normais’ com Israel, mesmo que o termo “normal” seja redefinido.

Poderia o Hamas adotar uma política diferente e se desligar daquela da Irmandade Muçulmana?

Julgando a partir da sua decisão no passado de se prender ao Irã e Síria. apesar da posição oposta da Irmandade, é óbvio que o Hamas- ainda que se vendo ideologicamente como parte da Irmandade Muçulmana – pode ser independente da sua organização mãe quando se tratar de requisitos de sua política externa e doméstica.

E pressões econômicas, sociais e políticas já causaram mudanças na sua posição tradicional. Como a Irmandade, o Hamas pode dispor-se a seguir um curso duplo: deixar a OLP conduzir negociações com Israel, ao mesmo tempo evitando reconhecer aquele país.

Um dilema diferente se apresenta ao Quarteto, que se vê amarrado entre um governo de direita teimoso em Israel e uma OLP que vê como única solução o reconhecimento de um Estado Palestino pela ONU.

Até aqui, o Quarteto foi capaz de impedir o Conselho de Segurança de conceder reconhecimento e de pressionar as parte para negociações significativas. Esta posição repousou em parte sobre o que era considerada uma divisão intransponível entre Gaza e a Cisjordânia, entre Hamas e Fatah. O pretexto formal foi de que como a OLP não representava Gaza, não poderia dizer que representaria o Estado Palestino inteiro.

Este pretexto ficou frágil desde que o acordo de reconciliação palestina foi assinado. E agora que venceu o prazo do Quarteto para se chegar a um acordo negociado sobre a próxima etapa das conversações israelense-palestinas, parece que a ONU terá que lidar com um conflito que já foi administrado localmente entre Egito, Israel, os EUA e os palestinos, com o Quarteto relegado ao papel de espectador.

Desde alguns meses, quando movimentos revolucionários em alguns países árabes impressionaram as lideranças mundiais com sua coragem e insistência na derrupada de regimes ditatoriais, muito pouca atenção tem sido dada ao conflito israelense-palestino. Agora que o Egito está lutando para manter um mínimo de lei e ordem, a Tunísia está tentando encontrar seu caminho entre ideologias conflitantes e a Síria está em desordem, são os palestinos que devem colher os grandes benefícios da primavera árabe.

Entretanto, para que a mudança de pensamento do Hamas e a reconciliação palestina se tornem ferramentas construtivas do processo de paz, há necessidade de uma nova abordagem pelos membros do Quarteto em direção a uma “nova OLP” que inclua o Hamas e à criação de um Estado Palestino independente. Isto, caso a comunidade internacional decida se alinhar com o verdadeiro efeito dominó que foi acionado pela primavera árabe.

Zvi Bar’el é analista do dário Haaretz para assuntos do Oriente Médio. Lançou no ano passado o livro ”Quando Carros Caíram do Paraíso” (em hebraico).

 

 

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