Osama Bin Laden começa a mostrar-se

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Parecia infalível na diabólica maquinação: o insano, porque é insano, ousa além dos limites da razão. Para ele tudo é possível, mesmo o impossível. Mas todo louco, frio ou furioso, tem a sua hora da verdade.

Está nos tratados: o desvairado tem sua eficácia limitada pelo próprio desvario. Saindo das sombras e obrigado a tomar rápidas decisões, o chefe terrorista Osama Bin Laden mostra o tamanho dos seus defeitos. O fax que mandou domingo à emissora do Catar, El Jazeera, contém dois erros irreparáveis: um estratégico, outro teológico. Juntos, revelam que a perturbação mental entrou na segunda fase. No delírio, o paciente imagina-se igual a Deus,
onipotente e superior. Depois, assustado no meio do turbilhão que provocou, invoca Deus para protegê-lo.

Erro estratégico foi proclamar, naquela hora e naqueles termos, o início de uma guerra santa contra judeus e cristãos. Como se nada tivesse acontecido, Bin Laden ignora flagrantemente os atentados (uso a versão publicada pelo Estadão, 25/9, pág. A-15). Mas responde diretamente a uma das reações que a sua ação criminosa provocou – a estúpida convocação de Bush para ”a cruzada mundial contra o terrorismo islâmico”. Não chega a ser admissão de culpa mas é indício de que está envolvido nos atentados de Nova York e Washington.

Se ficasse quieto, seus amigos bacharéis espalhados na pseudo-esquerda mundial poderiam continuar insistindo na tese de que o pobre nada tem a ver com o massacre. Mas ele falou e, com 13 dias de atraso, distribuiu afinal o manifesto que deveria ter divulgado na Terça Negra. A repercussão obrigou o Talibã a mudar o discurso: passou a admitir que Osama ainda está no Afeganistão e que já recebeu a mensagem para deixar o país.

O erro teológico vem em seguida, colado: o próprio teor da convocação para uma guerra santa mundial para ”massacrar a cruzada judaico-cristã”. Com ela, Osama confirma as informações que começam a aparecer nas biografias sobre a mediocridade do seu conhecimento corânico. À qual acrescenta-se total ignorância a respeito da história das relações entre as três religiões e, principalmente, sobre as glórias da sua crença nos últimos 14 séculos. O doido que nas cavernas do Afeganistão imaginou-se capaz de ser o dono do mundo não tem o menor conhecimento do mundo.

Tal como Adolf Hitler, Bin Laden é o típico consumidor de informações de segunda mão: sua cabeça trabalha com o material recolhido em prospectos e panfletos. A paranóia não lhe dá sossego para elaborações mais profundas. Seu fanatismo precisa ser alimentado por formulações simples e reduzidas. A alegada ”sofisticação” que alguns intelectuais vêem nele tem a ver em primeiro lugar com estes próprios intelectuais patologicamente inclinados para identificar-se com uma figura forte e, em segundo lugar, com a capacidade do terrorista em movimentar-se nos desvãos do sistema financeiro internacional.

Matéria dominada por qualquer gângster  do  narcotráfico.

Osama Bin Laden pretende assumir-se como o sucessor de Maomé, esta é a sua ambição, esta é a sua loucura. Apesar da pretensão, tropeça em questões elementares da doutrina. Os fundamentos judaicos do islamismo não são matéria reservada aos exegetas e especialistas – estão na prática cotidiana de qualquer muçulmano. Da obrigação de manter a cabeça coberta ao estrito monoteísmo, do culto a uma divindade abstrata, imaterial, à alimentação.

O profeta Maomé acreditava que a nova fé anunciada era uma antiga fé nascida além da Arábia. Para ele, o Islã é o verdadeiro herdeiro da revelação hebraica. Em cada página do Alcorão encontram-se parte da própria história ou crônica judaica, detalhes de interpretações rabínicas da época como se Maomé estivesse se dirigindo em primeiro lugar àqueles que poderiam ouvir a sua voz – os judeus do Hijaz. O patriarca Abrahão e o profeta Moisés são figuras reverenciadas no livro sagrado islâmico e o fato de que também ocorram citações ao cristianismo deriva do fato de que à altura em que Maomé começou a pregar – seis séculos depois de Jesus Cristo – cristianismo e judaísmo eram e estavam mais próximos.

Não é aqui o lugar para lembrar em detalhes o que significou para a cultura ocidental a colaboração intelectual entre árabes e judeus na Ibéria ou o significado da acolhida pelos Otomanos das massas de judeus expulsos da Espanha e Portugal no final do século 15.

Se Osama manifestasse apenas ódio a Israel estaria reconhecendo a existência de um Estado que tem 50% da sua população desaprovando a política do governo. Poderia até repetir o argumento mais sutil de que Israel é um projeto do judaísmo europeu contra o judaísmo local ou oriental. Mas isto também seria forma de legitimar o inimigo.

A Osama só interessa legitimar seu fundamentalismo e seu totalitarismo. Por conta dos desvios psicológicos e da estultice política Bin Laden precisa generalizar. Não pode admitir que o horror ao terror unificou o mundo de uma forma ainda mais ampla do que na repulsa ao nazi-fascismo – incluindo desta vez grande parte do mundo islâmico. Por isso, aproveitando-se da palavra ”cruzada” canhestramente utilizada por Bush Jr. Num de seus desabafos de teenager, propõe ampla cruzada anti-cristã.

Osama começa a mostrar-se. E mostra que está encurralado. Agora só falta imolar-se.

[ Publicado no Jornal do Brasil em 29/09/2001 ]

 

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