Pobreza em Israel na Páscoa 5764|2004

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Estamos na época da Páscoa, tradicionalmente um tempo em que os judeus comem a dura e plana matzá, o “lechem oni,” literalmente o pão da pobreza, o pão da aflição.

Para centenas de milhares de israelenses, sem trabalho e sem sorte, suas 10 pragas pessoais de tensão, enraizadas na guerra e num íngreme abismo sócio-econômico, as lições do símbolo central do seder de Pessach (ceia ritual da Páscoa), concebido para recordar aos judeus a penúria dos menos afortunados, precisam de pouco reaprendizado. Elas são trazidas para casa com força, a cada novo dia do ano.

Taxa de Pobreza - Israel e OECD

Taxa de Pobreza - Israel/OECD

Mas para os dirigentes dos principais bancos israelenses, a mensagem desta estação foi significativamente diferente. O Bank Hapoalim anunciou na 4a. feira que seu lucro líquido disparou em 2003 290% acima do ano anterior, e o Bank Leumi disse que o seu cresceu 171%.

Para muitos desempregados e desafortunados, a informação não foi nova nem surpreendente, nem os relatórios sobre os altos salários dos executivos, que acompanharam os balanços anuais.

Mas como muitos dos destituídos israelenses que acompanham as corridas salariais dos ultra-ricos, com dolorosa fascinação, Eli Yones, ex-diretor operacional de um dos grandes bancos, reclama que o seu antigo empregador lhe deve alguns milhões em benefícios adicionais

Os moradores de cidades em desenvolvimento e das regiões mais pobres costumam falar do assunto, dizendo; “Olhe como eles vivem, esses banqueiros, e veja como nós vivemos, olha como eles fazem milhões e veja como passamos fome”, diz o comentarista do Haaretz Daniel Ben-Simon, que costuma cobrir os bolsões de pobreza de Israel.

No inicio dessa semana, Ben-Simon estava em Lod, decadente subúrbio de Tel Aviv, conversando com empregados municipais que não recebiam salário há 5 meses. “2 ou 3 deles não conseguiam conter as lágrimas, envergonhados de quão baixo suas vidas tinham caído.”

morador de rua em Tel Aviv

morador de rua em Tel Aviv

Nesses momentos muito tristes, eles sempre mencionam os banqueiros, como sinais de um outro Israel, como se estivessem falando de um outro país. É sempre uma mistura de tristeza e raiva.”

A saga dos trabalhadores israelenses veio à tona por uma série de manifestações de empregados de cidades por todo Israel. Funcionários públicos e coveiros, lixeiros e oficiais de justiça religiosos, todos foram afetados.

Na 4ª feira, os rabinos-chefe ashkenazi e sephardi tomaram a atitude inédita de se unir a uma manifestação ao lado do escritório central do primeiro-ministro Ariel Sharon em Jerusalém.


Israel deve lutar contra a pobreza

Mas, alguns trabalhadores diziam que mesmo a presença dos grandes rabinos não deveria persuadir as autoridades do tesouro e outras para amenizar os obstáculos burocráticos e orçamentários para finalmente pagar os salários devidos, em alguns casos, desde bem antes da Páscoa anterior.

“Não recebemos há 13 ou 14 meses”, dizia Ezra Zion, empregado do conselho religioso de Rosh Ha’ain. “Estou muito, muito apreensivo de que mesmo isso não resulte em nada, de que atravessaremos todo o feriado da Páscoa sem receber nada, e a situação só piorará.”

Empregados da prefeitura de Kiriat Gat, ao sul de Israel, muitos dos quais trabalharam por até oito meses sem receber um salário, fizeram uma caminhada até a fronteira com o Egito, e apelavam aos oficiais egípcios para os levarem para lá.

“Se é para nos tornarmos escravos, que seja no Egito. Queremos voltar para as pirâmides”, disse um dos manifestantes, numa clara referência à proximidade dos preparativos para a Páscoa, para os quais muitas das famílias de trabalhadores terão pouco dinheiro para a alimentação básica.

Há talvez mais aprendizado do que ironia no fato de que o Bank Hapoalim, literalmente o “Banco dos Trabalhadores” foi uma vez o coração financeiro da economia socialista dominada pelos trabalhadores no então jovem Estado de bem-estar social em Israel

Em dezembro de 2002, mostrando quão distante o Hapoalim chegou em sua longa rota em direção ao capitalismo, o banco

Pobreza infantil em Israel

Pobreza infantil em Israel

foi alvejado por críticas, ao sumariamente demitir 900 de seus trabalhadores mais antigos, numa época em que o desemprego crescia, mas o lucrativo banco se mostrava sólido como uma rocha.

“Nunca antes as pessoas em Israel perderam tanto em tão pouco tempo, como nos últimos 3 anos, os anos da intifada”, diz Ben-Simon. “Ao mesmo tempo, nunca antes pessoas fizeram tanto dinheiro tão rapidamente”.

“Esta anomalia pode cindir a sociedade, porque os altos salários estão em grandes manchetes nos jornais … Vá a Kiriat Gat e Kiriat Malakhi e encontrará gente que luta por um pouco de comida, que não sabe onde passará o Pessach”.

“Esta é a tragédia de dois Israel, morando às vezes de 15 a 20 minutos um do outro. O “Israel de Cima”, único em sua opulência, e o “Israel Pobre”, que despencou de volta às sérias recessões dos anos `50 e `60.”

A diferença entre então e agora, conclui Ben-Simon, é que aqueles que chegaram nos `50 e nos `60 dirão:

“Quando viemos, estávamos preparados para sofrer, porque partilhávamos um sonho sionista de que,algum dia, nossos filhos se dariam melhor. Hoje, existe apenas desesperança, porque esses mesmos filhos, que se deram bem, caíram agora de volta na pobreza”.


[ publicado no Haaretz e traduzido pelo PAZ AGORA|BR – republicado no Mídia Independente ]

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