Yossi Beilin: resposta ao Acordo de Genebra é positiva

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Entrevista de Yossi Beilin a Egon Friedler 


Yossi Beilin é, sem dúvida, uma das personalidades políticas mais interessantes e controvertidas de Israel. Eleito há poucas semanas como líder do novo partido social-democrata Yahad (Juntos) tem por trás uma impressionante carreira política. Nascido em 1948 em Israel, iniciou-se como jornalista, logo passando a integrar o Conselho Editorial do diário “Davar”. Depois de receber um doutorado em Ciências Políticas na Universidade de Tel Aviv, ingressou na vida política. Foi porta-voz do Partido Trabalhista entre 1977 e 1984, secretário de governo entre 1984 e 1986 e Diretor-Geral de Assuntos Políticos do Ministério de Relações Exteriores entre 1986 e 1988.

Parlamentar destacado, Vice-Ministro de Relações Exteriores e depois ministro em vários gabinetes de governos trabalhistas, ficou conhecido sobretudo como o incansãvel arquiteto dos acordos de Oslo. Também foi autor de vários livros sobre temas da sociedade israelense e as relações de Israel com a Diáspora. Beilin saltou uma vez mais à notoriedade internacional no ano passado, como principal artífice da parte israelense do Acordo Informal de Paz Palestino-Israelense de Genebra, que firmou conjuntamente com Yasser Abed Rabbo, ex-ministro de Informação e Cultura da Autoridade Palestina.

O acordo, como se recordará, despertou duras críticas de parte do governo do Primeiro Ministro Ariel Sharon e foi visto com simpatía matizada de reservas, por vários setores de opinião em Israel e no mundo.

Yossi Beilin, teve a gentileza de responder a um questionario enviado eletrônicamente, com respeito às repercussões do acordo de Genebra e outros aspectos da realidade política israelense. O que segue são as perguntas que lhe enviamos e as respostas do destacado líder político israelense.

 

EF : O acordo de Genebra foi recebido por muitas críticas, especialmente da direita, mas também de moderados e esquerdistas. Inclusive um moderado como Yossi Alpher diz que o Sr. está de acordo com a evacuação de 100.000 colonos, uma tarefa que nenhum governo israelense será capaz de emprender. Qual é sua resposta às críticas?

Yossi Beilin

Yossi Beilin - presidente do Yahad

YB : Era de se esperar que o Acordo de Genebra despertasse críticas, e de minha parte não penso que ser criticado seja um problema. Muito ao contrario. A busca de caminhos novos sempre é algo controvertido, e se todo mundo tivesse concordado com o que oferecemos em Genebra, eu teria pensado que o acordo tem alguma falha importante. Quanto à evacuação de colonos, concordo que não será uma tarefa fácil para ninguém, mas devemos nos perguntar qual é alternativa. Por mais difícil que seja evacuar colonos, considero que não evacuá-los é algo que nenhum governo israelense será capaz de fazer. Porque isto significaria a continuação da ocupação de 3 milhões de palestinos, que continuemos privando a todo um povo de seus direitos civis (e muito amiúde também humanos) e que abandonemos a idéia sionista de um estado judeu e democrático.

EF : O texto do acordo de Genebra foi enviado aos lares de israelenses e palestinos. Como foi recebido por ambas as partes e quais foram suas reações?

YB : O texto do acordo de Genebra foi enviado a todas as casas em Israel. Isto significa 1.900.000 cópias em hebraico, russo e árabe. Entre os palestinos, o texto do Acordo foi distribuído por outras vias.(Muita gente não sabe que atualmente não existe um serviço regular de distribuição de correio nos territórios palestinos, pelo que não é possível distribuir o documento da mesma maneira em que se distribui em Israel). No geral, a resposta foi extremadamente positiva. Em primeiro lugar, uma grande proporção do público, cerca de 95%, diz que está familiarizado com a Iniciativa de Genebra (um índice que inclusive os diretores de marketing de marcas das mais prestigiosas considerariam como surpreendentemente alto).

Em segundo lugar, a população aprecia estar bem informada e sua atitude  sobre Genebra espelha essa atitude. Ainda que algumas pessoas discorde com alguns aspectos do Acordo, em geral seu desacordo se baseia numa análise muito mais séria e profunda da que é habitual no debate político a que estamos acostumados.

O resultado é que o intercâmbio de idéias resulta ser muito fértil, o que não significa que vamos convencer cada pessoa no país. Sabemos que isto não é possível. O que temos a esperança de conseguir, é que as pessoas tomem consciência do que está em jogo num acordo permanente com os palestinos. Quer dizer, que lhes fique claro o que implica, qual será o custo e quais os benefícios.

EF : Um jornalista do “Haaretz” disse que o Acordo de Genebra se converteu em uma espécie de teatro “underground”.  O que pensa dessa definição? Crê que em algum momento Genebra poderá se transformar na base de uma negociação séria?

YB : Não me lembro de ter lido essa definição. Mas o teatro não é algo mau se desperta o público para que veja o drama político que o rodeia. De qualquer maneira, não temos nada de clandestino. Estamos continuando na mira pública, em reuniões em várias cidades, em colégios secundários, na imprensa e, como mencionei antes, em cada lar israelense. Por outro lado, nos convertemos em um fator de referência importante na arena internacional e há governos e parlamentos estrangeiros que atuam para criar um entorno que possa estimular os responsáveis políticos a adotar esta iniciativa como sua política oficial.

EF : Num artigo no “New York Times”, David Horowitz, editor da revista “Jerusalem Report” disse : “Desde que foi completado no outono passado, o acordo de Genebra não conseguiu seu propósito essencial – persuadir as partes mutuamente desconfiadas de que o inimigo pode ser um sócio razoável de um acordo. Mas a antipatia em alguns casos tem mais a ver com as personalidades envolvidas que con o conteúdo do acordo em si. Por exemplo, o rol proeminente de Yossi Beilin, um ex-ministro da Justiça que é visto como um apologista do Sr.Arafat, teria gerado uma oposição particular por parte dos israelenses. O que lhe responderia?

YB: O mais fácil é sempre levar as coisas para o terreno pessoal. Penso que, para o bem ou para o mal, isto faz parte da cultura moderna. Mas o Acordo de Genebra não se refere a mim nem a nenhum dos indíviduos que trabalharam nele. É um programa político, detalhado, concreto e prático. De qualquer maneira, como pessoa que aceitou o desafío de propor mudanças, sei que sou objeto de controvérsias. Eu o aceito. Mas se isto desperta a antipatia de alguns, também há muitos que me apóiam com entusiasmo. Incidentalmente, acabo de ser eleito líder do Yahad, o recentemente criado partido social-democrata israelense. O Yahad não é um partido numeroso, mas eu não teria ganho a eleição primária se fosse a pessoa menos popular em Israel.

EF : A esquerda israelense é considerada débil tanto em Israel como no estrangeiro, e muitos acreditam que não poderá recuperar sua força. Qual sua opinião?

YB : É certo que a esquerda israelense está relativamente débil, atualmente, mas não é menos certo que o que se costumava associar com o pensamento da esquerda tem mais vigência do que nunca. Em outras palavras, a dinâmica política é um pouco mais complexa do que nossa representação no Knesset [Parlamento] poderia sugerir.

Por exemplo, o número de israelenses dispostos a se retirar de toda a Margem Ocidental e Gaza cresceu consideravelmente nos últimos 3 anos, e inclusive o Partido Likud aceitou a criação de um Estado Palestino. Por isso, mesmo que a esquerda se tenha debilitado em termos estritamente parlamentares, tornou-se mais forte ideologicamente com a adoção por parte da direita de algumas idéias básicas da esquerda israelense tradicional, ou seja, o Partido Trabalhista atravessa uma profunda crise, mas há sinais de vida em outras partes. O recentemente formado partido social-democrata de Israel é um fato muito promissor.

EF :Como o Sr. vê seu papel na esquerda israelense?

YB : Como líder do Yahad, vejo meu papel como um barômetro para todo o espectro da esquerda do mapa político israelense e particularmente do Campo da Paz. Enquanto o Partido Trabalhista continua atravessando uma situação organizacional muito precária e uma virtual bancarrota ideológica, o que se expressa em suas constantes tentativas de reingressar no governo de Sharon em lugar de atuar como oposição decidida, o papel de meu partido é tratar de influir sobre o trabalhismo e atuar de maneira aberta e decidida para oferecer à população israelense uma alternativa viável e atraente ao trajeto daninho que o governo de Sharon adotou tanto no plano social como político.

EF : O Sr. esteve contra uma proposta de retirada unilateral do exército israelense de Gaza tal como foi colocada pelo primeiro-ministro Ariel Sharon. Pensa que é possível uma retirada acordada com os palestinos? O que o Sr. proporia?

YB : Não tenho a menor dúvida de que é possível uma retirada acordada dos israelenses de Gaza. A Autoridade Palestina tem um interesse vital em alcançar um acordo com Israel, porque se fracassar, isto minaria sua autoridade e daria uma vitória aos extremistas. O que proponho é que o governo israelense inicie imediatamente negociações para um acordo final com a Autoridade Palestina e ofereça a retirada de Gaza no marco de algum tipo de acordo, seja um negociado entre Sharon e o primeiro -ministro Abu Alá ou, caso ambos não possam chegar a um acordo, no marco de algum outro tipo de entendimento reconhecido como válido tanto por parte de Israel como por parte da Autoridade Palestina.

Isto poderia ser por exemplo, a terceira fase de Oslo (que nunca foi implementada) ou a segunda fase do Road Map ( que nunca chegou a ser posto em prática).

EF : Ultimamente se produziram sintomas alarmantes de anarquia e caos na Autoridade Palestina. Como vê a situação?

YB : Estou muito preocupado. A Autoridade Palestina está se debilitando. Há muitas razões que explicam isto e, como israelense, só posso falar da cota de responsabilidade israelense. E esta cota tem sido muito grande. A política de Sharon debilitou consideravelmente a Autoridade Palestina. Não sei se é isso o que Sharon esperava conseguir com sua política, mas este foi exatamente o efeito de tudo o que fez até agora – desde se negar a negociar com seus líderes (não só Arafat, como também um primeiro-ministro após outro) a continuar exercendo pressão sobre a população palestina .

Um exemplo que ilustra a política errônea de Sharon é sua incapacidade de alcançar um arranjo sobre a liberação de prisioneiros com o primeiro-ministro Mahmud Abbas (Abu Mazen) para, pouco mais tarde, liberar centenas de prisioneiros em benefício do Hizbolah. De forma consistente e trágica, a política de Sharon tem premiado os terroristas e castigado os pragmáticos.

EF : As eleições em Israel foram fixadas para 2006. Haverá eleições antecipadas?

YB : As eleições ficaram marcadas oficialmente para novembro de 2007, mas poucos acreditam que se esperará até então. A coalizão de Sharon se debilita dia após dia. E um governo que oferece uma visão tão escura à vasta maioria da população não pode sobreviver muito tempo. A população está se tornando vez mais contra Sharon e anseia por encontrar uma alternativa.

EF : A “sabedoria convencional” diz que só a direita pode fazer a paz com os árabes, pois a esquerda e o centro não são capazes de conseguir um acordo que obtenha o apoio do povo israelense. O Sr. concorda com isso?

YB : A “sabedoria convencional” é apenas isto, convencional. É difícil discutir com esta classe de “sabedoria” que carece de imaginação e é, por definição, conformista. Na realidade, penso que não é sábia em absoluto. É mais um clichê. E eu odiaria que nosso futuro fosse determinado por clichês. Se Rabin tivesse pensado desta maneira, por exemplo, nunca teríamos ido a Oslo. Excetuando a Menac.hem Begin, nenhum líder israelense de direita fez a paz com um país árabe.

EF : É possível alcançar algum avanço para a paz num ano eleitoral nos Estados Unidos?

YB : É certo que Washington está cada vez mais preocupada com as próximas eleições. Mas os norte-americanos não são o único fator que conta. Os europeus também podem cumprir um papel e tem quase um ano para provar a si mesmos e a todas as partes na região que también podem ter um papel destacado.

É importante ter em conta que algumas das mudanças mais importantes na relação israelo-palestina tiveram lugar sem a intervenção norte-americana. Na verdade, o processo de Oslo se realizou nas costas dos norte-americanos. Sempre é conveniente que haja um fator externo para respaldar a negociação, mas em última instância o que permite avanços substanciais é só a vontade política de ambas as partes.

Dito isto, a comunidade internacional, e particularmente os Estados Unidos, devem jogar um papel importante no que respeita a assistir as partes no delicado processo de implementação dos acordos, assistência financeira, extensão de garantias de segurança, etc.

EF : O Sr. crê que exista um sério interlocutor para a paz, capaz de cumprir suas promessas, no lado palestino?

YB : Como judeu agnóstico, prefiro me basear em fatos não em crenças. E a Iniciativa de Genebra é um fato incontroverso.


[ publicado no “Mundo Israelita” (Buenos Aires, 02/04/04;  recebido do entrevistador e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]

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