A paz passará pela Arábia Saudita – Não a deixem escapar!

 

A partir da próxima 4ª feira, a Liga Árabe se reunirá em Riad para discutir a ameaça iraniana, as tensões no Líbano, e ratificar a Iniciativa Árabe de Paz com Israel. 

Reunião da Liga Árabe no Cairo

Reunião da Liga Árabe

Essa declaração de intenções, apresentada há 5 anos pelo então príncipe e atual rei saudita Abdulá, foi aprovada pela reunião de cúpula da Liga Árabe de Beirute em março de 2002, tendo representado uma reviravolta histórica no consenso do Mundo Árabe. A grande maioria dos países da Liga, que até então pregava a destruição da “entidade sionista”, passou desde então a admitir a realidade do Estado judeu.

A Iniciativa Saudita instava Israel a retirar-se para as fronteiras de 1967, chegar a uma solução justa e acordada para o problema dos refugiados conforme a Resolução 194 da ONU, e aceitar um Estado Palestino dentro das fronteiras de 1967 com capital em Jerusalém Oriental. Em troca, o bloco dos países árabes acenava com a uma paz abrangente e a  “normalização” das relações com Israel.

Àquele tempo, porém, Israel não se interessou pela iniciativa. O governo Sharon, que jamais priorizou negociações, estava concentrado no auge da repressão à Intifada palestina.

Cinco anos depois, o contexto está muito mais favorável à reativação do processo de paz. Além do Egito e da Jordânia, que já têm relações normais com Israel, os sauditas e outros países árabes estão assustados pelo crescimento da influência iraniana. E os EUA estão ansiosos por novos fatos que possam diminuir ou neutralizar o anti-americanismo que só cresceu com suas políticas fracassadas no Iraque.

Quanto a Israel, a Iniciativa Saudita ofereceria  uma nova chance para a paz, que poderia salvar o governo de Olmert – o de menor respaldo popular em toda a história do país – do impasse em que se meteu com a desastrosa campanha no Líbano. Privado de qualquer plataforma política após o sepultamento de seu plano de novas retiradas unilaterais da Cisjordânia, o partido governista Kadima teria na renovação do processo diplomático uma bandeira para atrair o consenso nacional.

Por outro lado, qualquer avanço da proposta depende também de uma disposição conciliatória palestina. Após mais de um mês de negociações, o Hamas (que mantém em sua carta de princípios o objetivo de destruir Israel) e a Fatah anunciaram um governo de união.  Embora o acordo endosse acordos anteriores israelense-palestinos, não reconhece o direito a existir de Israel e não renuncia à violência palestina.

Mas, caso o presidente da Autoridade Palestina (AP) Abu Mazen consiga legitimidade e apoio do novo ministério para uma adesão à Iniciativa Saudita, essas duas condições estarão implicitamente aceitas, o que ao mesmo tempo possibilitaria o final do boicote financeiro do Quarteto ao governo palestino, e a retomada de negociações diretas com Israel. 


Campo palestino no Líbano

Campo palestino no Líbano

O grande ponto crítico quanto à Iniciativa é a delicada questão dos refugiados. A proposta saudita invoca a resolução 194 da ONU, que “…resolve que os refugiados desejosos de retornar a seus lares e viver em paz com seus vizinhos deveriam ser autorizados a fazê-lo”, e poderia ser interpretada como legitimando o direito de todos os palestinos que saíram de seus lares durante a guerra de 1948 – além de seus descendentes – regressarem a seus antigos lares. Absorver esses milhões de palestinos em seu próprio território significaria o fim do Estado judeu, o que contrariaria a resolução da própria ONU que um ano antes determinara a partilha do mandato palestino com a criação de dois Estados, um judeu (Israel) e um árabe (Palestina).

Sabe-se que a questão do “direito de retorno” foi determinante no fracasso das negociações entre Ehud Barak e Yasser Arafat, que levou à derrocada do processo de paz e resultou no início da segunda Intifada. Arafat não se teria sentido suficientemente forte para frustrar as expectativas de “retorno” defendidas apaixonadamente pelos grupos palestinos mais radicais. Mahmoud Abbas, atual presidente da AP e da OLP, que hoje participa de um novo governo de coalizão com grande participação do Hamas, teria necessariamente, em qualquer negociação com Israel que contar com o endosso daquele grupo, e caso este não ocorra haveria a possibilidade de um referendo popular para avalizar as concessões inevitáveis para um tratado de paz.

Por outro lado, a Iniciativa, pela primeira vez, propõe explicitamente que o problema dos refugiados tenha uma solução “acordada”, indicando que seria fruto de negociação com Israel. E já existem propostas extra-oficiais negociadas entre israelenses e palestinos, como o Acordo de Genebra e a Voz dos Povos que sinalizam soluções viáveis para esta crucial questão.

Mesmo sendo vaga e polêmica em questões críticas, a Iniciativa Árabe de Paz abre a possibilidade de negociações diretas entre Israel e os palestinos e entre Israel e Síria, com um sólido respaldo para se chegar a uma paz justa e duradoura, não só entre israelenses e palestinos como entre Israel e todo o Mundo Árabe.

Estamos diante de uma chance única para afastar as explosivas tendências de radicalização no Oriente Médio, que ameaçam todo o planeta. Torçamos para que os líderes árabes e israelenses desta vez optem por conversar em vez de continuar matando seus povos.


Moisés Storch é coordenador dos Amigos Brasileiros do PAZ AGORA.

[ publicado no Terra Magazine em 25|03|2007]

 

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