A catástrofe (Naqba em árabe) dos palestinos

Um olhar para o outro lado do muro 

Enquanto Israel festeja seu sexagésimo aniversário, com parada militar e a presença de vários chefes de Estado, do outro lado do muro os palestinos manifestam seu luto pela Naqba – dia da catástrofe, em árabe.

Tanto na Faixa de Gaza quanto na Cisjordânia, a população lembra a perda de suas terras e sua expulsão dos territórios destinados à criação do Estado de Israel. Desde a criação de Israel, em 1948, mais de 760 mil palestinos foram forçados ao êxodo. O Estado judeu resiste à negociação do retorno desses refugiados ou de seus descendentes, estimados hoje em 5 milhões de pessoas.

Outros povos também têm sofrido grandes tragédias, mas o trauma dos palestinos tende a se repetir sem fim e seus efeitos envenenam a política em todo o Oriente Médio e, muito além, no mundo islâmico. A origem do conflito deve ser traçada desde 1948, quando cinco governos de Estados árabes mandaram suas tropas para impedir a criação do Estado de Israel. Durante o consequente conflito – a naqba inicial dos palestinos – mais da metade da população nativa da Palestina fugiu ou foi expulsa de seus territórios que foram incorporados ao Estado de Israel, cujas tropas impediram sua volta e arrasaram sistematicamente 531 aldeias ancestrais dos palestinos.

A Guerra dos 6 dias, em junho de 1967, levou à incorporação de mais 20% da Palestina histórica sob o governo de Israel e expulsou mais 200 mil refugiados. No seu exílio, os palestinos foram perseguidos, atacados ou expulsos dos países onde procuravam asilo. Membros da PLO – Palestine Liberation Organization – foram forçados a fugir da Jordânia, após um levante que custou milhares de vítimas. Cristãos libaneses destruíram os campos de Tel Zaatar e Quarantina e massacraram palestinos em Sabra e Chatila, em 1982.

No mesmo ano, o exército israelense cercou a OLP em Beirut, deportando seus lideres para o exílio na Tunísia. Os sírios fizeram a mesma coisa em Tripoli, em 1984. Em 1991, muitos dos 300 mil palestinos, bem estabelecidos e remediados, foram expulsos do Kuait, depois de seus lideres louvarem a invasão do Emirado pelas tropas do Iraque. A Líbia expulsou mais alguns milhares sob o pretexto de que a assinatura do acordo de paz em Oslo abriria as portas para seu retorno à casa. Desde a invasão do Iraque em 2003, praticamente todos os 20 mil palestinos foram expulsos para as fronteiras onde vegetam em áreas desérticas.

Apesar de todas essas dificuldades, a tenacidade dos palestinos em manter sua identidade nacional não diminuiu. Mas, os obstáculos a sua coesão como um povo são cada vez mais graves do que em qualquer outra época.

Aproximadamente 5 milhões de palestinos vivem na Palestina histórica, sob o controle dos israelenses. Na Cisjordânia, assentamentos e zonas militares ocupam até 40% do território. Em retaliação à segunda Intifada (insurreição) dos palestinos, um levante que começou em 2000, Israel cercou o território com muros, cercas e postos de controle que fecham 2,5 milhões de palestinos em enclaves separados.

Desde que o Hamas – partido islâmico – assumiu o controle da Faixa de Gaza, 1,5 milhão de pessoas foram confinadas numa faixa estreita de 387 km2, sobrevivendo de precária ajuda internacional. 1,1 milhão de palestinos que vivem dentro do Estado de Israel estão em situação melhor, embora tenham sofrido discriminação econômica e legal durante longo período, os quais estão crescentemente isolados de seus irmãos e parentes e receiam a expulsão futura. Os 250 mil palestinos residentes na Jerusalém oriental anexada por Israel em 1967, têm permissão de residência, mas Israel não lhes permite viajar para Gaza ou outros países árabes, receando a penetração de “homens-bomba”. Políticos israelenses da direita radical levantam a polêmica sobre uma possível “quinta coluna”.


Diáspora Palestina

Fora dos limites da Palestina histórica a situação dos palestinos é ainda mais complicada. A maioria que vive na Jordânia goza de direitos de cidadania e, portanto, de liberdade relativa. O Líbano, a Síria e o Egito concedem aos palestinos um “laissez passer” em vez de um passaporte, sempre sob o severo controle das autoridades imigratórias. A Síria com sua ideologia baathista secular concede aos 450 mil palestinos quase todos os direitos civis, exceto o de votar. O Líbano, com medo de reforçar os Sunitas, recusa aos palestinos o direito à cidadania, para não alterar o precário equilíbrio de suas etnias. Mesmo os refugiados de terceira geração arriscam o direito ao retorno ao se demorar por mais de seis meses no exterior. O Egito, que abriga 70 mil palestinos pratica medidas ligeiramente mais tolerantes. Os palestinos podem viajar ao exterior até um ano, dependendo de uma autorização especial. Ironicamente, os palestinos que vivem na Shaatat – a diáspora mais distante, além do mundo árabe, sentem-se mais seguros.

No Chile vivem 300 mil palestinos, em El Salvador, 100 mil e nos Estados Unidos, aproximadamente, 250 mil.  Mas, distâncias e fronteiras não constituem os únicos obstáculos que dividem os palestinos. Há um fosso crescente entre ricos e pobres, entre seculares, islâmicos e cristãos, agravado por milhares de facções políticas entre refugiados, não refugiados e ex-refugiados.

A agência das Nações Unidas – UNRWA – criada para aliviar os sofrimentos e criar empregos para refugiados é responsável pelo bem estar de 4,5 milhões de palestinos refugiados registrados. Pelo menos metade dos palestinos que vivem nos territórios ocupados, incluindo os habitantes de Gaza, são refugiados. Também, um quarto dos palestinos que vivem em Israel, perdeu seus lares originais. Suas condições de vida variam tremendamente. Na Cisjordânia, um terço da população vive em campos, sendo que mesmo lá as tendas da UNRWA foram substituídas por áreas de favelas densamente ocupadas. Em Aman, capital da Jordânia, os ricos vivem no alto das colinas e desprezam os religiosos conservadores que povoam os fundos dos vales. Palestinos cristãos são os que mais procuram emigrar, tornando-se uma minoria, às vezes, perseguida pelas milícias islâmicas mais radicais.


Identidade

Em 1968, pouco depois da Guerra dos 6 Dias, a então primeira-ministra Golda Meir teria afirmado que “…não existe algo como um povo palestino”. Historiadores respeitados, após muita pesquisa, aceitam a idéia que a nacionalidade palestina se formou no fim do século XIX, coincidindo com o começo da colonização pelos judeus.

Mas, diferentemente dos judeus que foram para a diáspora com uma tradição religiosa e séculos de estudos bíblicos, os exilados palestinos ficavam ligados menos pela História do que pela perda de suas terras e o sonho de um retorno. Yasser Arafat, líder da PLO, concordou com os termos do Acordo de Oslo que não chegou a prometer o retorno dos refugiados em troca do reconhecimento de Israel. Com a expansão dos assentamentos israelenses na Cisjordânia, cada vez mais palestinos rejeitaram os termos de nacionalismo preconizado por Arafat e ingressaram as fileiras mais militantes do Hamas.

O Hamas construiu sua credibilidade mediante programas sociais nas áreas de educação e saúde, uma reputação de honestidade e sua rejeição de um processo de paz que favoreça Israel. Os votos ganhos pelo Hamas, nas eleições de 2006, foram devidos mais aos desastres da administração do Fatah do que a ideologia pregada por seus adeptos. As tentativas dos EUA e de Israel de reprimir as atividades de Hamas tiveram o efeito contrário. Desde a segunda Intifada, o número de vítimas palestinas ultrapassou os 5 mil enquanto endureceram suas atitudes hostis para com Israel.


Retorno e Ocupação

Um número cada vez maior de palestinos parece convencido que os israelenses estabelecidos na Cisjordânia irão dificultar uma solução de um Estado binacional, com direitos iguais para todos.

As conversas sobre o “direito de retorno” dos palestinos desencadearam uma onda de alarme entre os israelenses, que receiam ser superados em número pelas ondas de palestinos pretendendo retornar e, assim, a perda da maioria no Estado judeu. Demógrafos israelenses, fazendo suas pesquisas sobre crescimento populacional, chegaram à conclusão alarmante de que o retorno de pelo menos parte dos refugiados iria alterar a natureza do Estado judeu. Propõem um sistema de compensação pelas perdas sofridas pelos palestinos, cuja estimativa chega aos 55 até 85 bilhões de dólares.

Ademais, o primeiro ministro Ehud Olmert não pode ceder nem uma polegada de território sem incorrer na ira da “direita” e dos religiosos. Por outro lado, Mahmoud Abbas que preside o Fatah e a região da Cisjordânia não está em condições de conceder mesmo parte das reivindicações de Israel. Mas, se Israel for capaz de concordar em ceder a Cisjordânia e Gaza ao futuro Estado palestino, o sexagésimo aniversário do Naqba poderá dar início a um processo progressivo de paz.

Enquanto Israel celebra a vitória na guerra de 1948 que deu orígem ao seu Estado, os palestinos estão de luto porque uma grande parte de sua população fugiu, encorajada pelos exércitos árabes que prometeram “jogar os judeus no mar”. O desastre repetiu-se, em proporção maior, quando a aliança entre o Egito, Síria e Jordânia acreditou poder cumprir essa promessa e sofreu uma derrota fragorosa, causando um novo êxodo dos palestinos de seu território.

Assim, o Estado palestino que lhes foi prometido pela Resolução 194 das Nações Unidas, permaneceu cada vez mais, fora do alcance, embora todos os países membros das Nações Unidas, inclusive os Estados Unidos e Israel declarassem seu apoio a criação desse Estado na Cisjordânia e na Faixa de Gaza.

Como explicar a perpetuação desse conflito através de três gerações? Os dois lados proclamam seus direitos a um Estado, embora uma solução pacífica pareça cada vez mais distante.

O mundo e as Nações Unidas têm uma obrigação moral de ajudar os palestinos e a causa dos palestinos é abraçada por centenas de milhões de fé islâmica que alimentam a corrente de candidatos à guerra santa – o “jihad”. Uma solução só pode ser alcançada com a intervenção dos Estados Unidos, o único país que merece a confiança dos israelenses e tem o poder de pressionar para que se chegue a um compromisso territorial.

Durante essa última década, sobretudo no governo de George W. Bush, nada tem sido feito para sustar a contínua ocupação dos territórios da Cisjordânia.


Nacionalismo Pragmático vs Fanatismo Religioso 

Se a participação dos EUA é imprescindível para encontrar uma solução, é importante também que haja da parte dos palestinos uma liderança pragmática e eficiente para negociar e implementar a paz baseada na criação de dois Estados. Entretanto, os palestinos continuam divididos entre os partidários de Mahmoud Abbas, mais pragmático porém ineficiente. Seu rival, o Hamas, é muito mais efetivo em sua liderança na Faixa de Gaza, porém, afirma que não acredita em paz com Israel.

Sessenta anos atrás, os palestinos recusaram a divisão em dois Estados, um erro de graves conseqüências. Hoje, a situação tornou-se mais complicada porque a população israelense cresceu nove vezes e apresenta indicadores de desenvolvimento impressionantes. Propor a dissolução de Israel, como o faz o Hamas, além de irrealista é também inviável. Não se corrige um erro, cometendo uma injustiça, ao repetir os erros do passado.

A promessa de Hamas de conceder um “longo” período de armistício que, eventualmente, possa tornar-se permanente, não tem credibilidade junto aos israelenses. O Hamas afirma que as negociações de Yasser Arafat em Oslo não produziram resultados concretos para os palestinos. As guerras e as Intifadas resultaram em perdas adicionais.

Para avançar no caminho da paz é necessário que os palestinos deixem de lado o passado doloroso e aceitem a existência de Israel. Um futuro pacífico nesta região mais turbulenta do globo será alcançado com dois Estados e não somente um.


Henrique Rattner, membro dos  Amigos Brasileiros do PAZ AGORA, é professor na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA/USP) e na pós-graduação do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Fundador da ABDL – Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Lideranças. Este texto foi elaborado com base numa série de artigos publicados na revista “The Economist”, no período de janeiro a abril de 2008.

[ publicado na  Revista Espaço Acadêmico de junho|08 ]

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