Resolução 194 – O ‘calcanhar de Aquiles’ da Iniciativa Árabe de Paz

A grande reserva de Israel quanto à Iniciativa Árabe de Paz é a maneira como o texto aborda a questão dos refugiados palestinos.

Especificamente, a Iniciativa chama Israel ao afirmar: “chegar a uma justa solução para o problema dos refugiados palestinos a ser acordada em conformidade com a Resolução 194”. Os israelenses têm rejeitado este trecho, acreditando que ele, na verdade, reivindica o “direito de retorno” dos refugiados palestinos para Israel, algo que destruiria o caráter judeu do Estado. Mas, um olhar mais próximo  sobre a Iniciativa indica que sua menção à R.194 não precisa ser o calcanhar de Aquiles em que Israel a tornou.

A importância da Res. 194 da Assembléia Geral da ONU, aprovada no final da guerra árabe-israelense de 1948, está menos no texto estrito e mais nos princípios que representa. A Resolução 194 abordou a questão dos refugiados assim:

“Resolve que os refugiados desejosos de retornar às suas casas e viver em paz com seus vizinhos devem ser autorizados a fazê-lo tão logo quanto praticável, e compensação deve ser paga pela propriedade dos que optarem por não voltar e por perdas e danos à propriedade que, sob os princípios da lei internacional e da justiça, deve ser validada pelos governos ou autoridades responsáveis”.

Com efeito, os países árabes usaram este trecho na Res. 194 num esforço para tornar fundamental a questão dos refugiados em qualquer acordo de paz árabe-israelense, e ainda para adquirir e mobilizar simpatia da população árabe.

Entretanto, os países árabes não estão predominantemente preocupados com a aceitação ou não dos termos exatos da Res.194 pois, afinal, o texto também demanda que a ONU Jerusalém. Querem que Israel aceite o princípio de se abordar a sina dos refugiados palestinos no contexto de uma solução abrangente para o conflito árabe-israelense.

Neste particular, os israelenses não devem temer a menção pela Iniciativa Árabe de Paz da Res.194 da AG da ONU. A resolução foi aprovada pela assembléia geral e não pelo conselho de segurança – e assim não é de aplicação obrigatória. Mais ainda, a Res.242 do Conselho de Segurança da ONU, que Israel e os países árabes assinaram, se sobrepõe à Res.194. A Res.242 aborda a questão dos refugiados instando por uma solução “justa acordada do problema de refugiados”, e não menciona os refugiados palestinos nominalmente.

Os árabes têm interpretado a palavra “justa” na Res. 242 para designar o arranjo descrito na Res. 194, enquanto os israelenses se opõem a interpretá-la como se Israel devesse assumir a responsabilidade pelos refugiados. Nenhuma destas é uma interpretação precisa.

Uma resolução “justa” é aquela onde as duas partes concordam e que efetivamente resolva as questões disputadas no coração do conflito – e é aqui que a Iniciativa Árabe de Paz se insere perfeitamente.

A Iniciativa Árabe de Paz está redigida de forma que Israel não tenha que aceitar o enunciado da Res. 194; ao contrário, ela demanda a aceitação de um acordo negociado sobre a questão dos refugiados palestinos, como um componente da estrutura de um acordo árabe-israelense abrangente. Nesse respeito, as palavras-chave da Iniciativa Árabe de Paz são: “… uma solução justa para o problema de refugiados palestinos a ser acordada…”. Deve também ser observado que em negociações anteriores entre Israel e os palestinos, especialmente em Camp David em 2000 e durante as negociações israelo-palestina em 2007-2008, os palestinos aceitaram o princípio de que apenas um número limitado de refugiados palestinos  (entre 20.000 e 30.000) seriam autorizados a voltar a Israel, num período de alguns anos, para unificação de famílias.

Opositores israelenses da Iniciativa Árabe de Paz apontam a questão de refugiados – e sua menção específica da Res. 194 – para descartar por inteiro o esforço.

Com sua interpretação do texto, argumentam que o plano de fato prega a erradicação do Estado de Israel, ao diluir o Estado judeu com os refugiados palestinos. Uma visão cínica da Iniciativa – e das intenções dos países árabes – diz que não é surpresa que as 22 nações da Liga Árabe tenham oferecido relações normalizadas com Israel. Eles sabem que Israel jamais aceitariam o plano, pois ele significaria o fim do Estado judeu.

Para defender mais suas posições, aqueles israelenses que se opõem à Iniciativa sugerem que se os países árabes realmente buscassem uma solução realista para o problema de refugiados, teriam declarado publicamente sua disposição a negociar reassentamentos parciais e compensações. Os países árabes e a liderança palestina, porém, recusam-se a discutir em separado a questão dos refugiados, e querem que sua solução seja parte de um acordo de paz geral.

Tais argumentos não apenas interpretam mal o texto da Iniciativa e as intenções de seus apoiadores. Eles também fazem um desserviço à população israelense ao ignorar os componentes valiosos da Iniciativa que deveriam ser aplaudidos. Isto inclui uma interpretação adequada de um acordo negociado sobre a questão dos refugiados palestinos e uma solução abrangente do conflito com base na Res. 242 da ONU. Isto levaria a relações normalizadas com os 22 países-membros da Liga Árabe, além dos 34 países-membros islâmicos, totalizando 56 países da Organização da Conferência Islâmica.

Ao focalizar apenas no que interpreta como aspectos negativos da Iniciativa, Israel de fato envia uma mensagem ao mundo árabe e à comunidade internacional de que não está interessado em negociar ou a chegar à paz.

É ironicamente lamentável quando a Iniciativa Árabe de Paz representa um repúdio histórico à Conferência da Liga Árabe de 1967 em Cartum – a qual declarou “não a negociações, não a reconhecimento, não à paz” – agora é Israel a parte que rejeita uma rara oportunidade de paz.

A abordagem da Iniciativa Árabe de Paz com relação aos refugiados palestinos tem sido a principal fonte do atual impasse que causou o abandono da Iniciativa até hoje. Os israelenses céticos quanto ao texto – e sua menção à Res. 194 – têm que melhor examina-las. Se continuarem céticos, há uma única forma de testar os promotores. Aceitando o quadro da Iniciativa e instando por negociações com os palestinos e países árabes, usando-a como base para um acordo abrangente.

Ao adotar esta atitude, Israel colocaria o ônus da prova sobre os países árabes e testaria sua promessa de uma paz abrangente.

[ publicado em 19|08|2010 em www.alonben-meir.com e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]

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