Moacyr Scliar. Solidário, fiel. Este era o homem que se foi.

Moacyr Sliar e eu estivemos juntos duas vezes em tempos recentes. A primeira foi na Flipiri, Festa Literária de Pirenopólis, Goiás, que no ano passado, ao homenagear a atriz Eliane Lage, teve como tema Cinema e Literatura. A fala de Moacyr foi a usual, firme, serena, cheia de informações. Homem de cultura, contador de causos, sabia fazer ilações e prender a plateia. Dificil era falar depois dele, tinha que ter muito carisma, convencer, seduzir.

O outro encontro foi mais recente, foi aqui em São Paulo, no palácio do Governo, quando ele, eu e algumas outras pessoas receberam a Comenda do Ipiranga, a mais alta do Estado de São Paulo. Sentou-se ao meu lado, impecável do seu terno escuro, gravata. Poucas vezes vi Scliar sem gravata. Mesmo no calor de Goiás ele desembarcou de terno e gravata e sentia-se á vontade. Lembro-me que ao abraçar Marcia, minha mulher, disse a ela: “Este homem e eu somamos 50 anos de amizade”. Meio século foi rompido na madrugada deste domingo. Anos atrás, descobrimos que Judith, mulher dele, e Marcia eram muito parecidas bonitas, ambas têm um sorriso gostoso. Alem da literatura, isto nos unia um pouco mais.

Naquela noite no Palácio do Governo em São Paulo, terminada a cerimônia, fomos para o coquetel. Mesa farta, bebida generosa. O garçom passou com uísque Black Label e pró seco. Perguntei a ele o que tomava, ele respondeu: Nada! Estranhei, um escritor que nâo bebe! Achei que fosse por religião, saúde, até Judith me dizer que não, era porque não gostava. No Rio Grande e não gostando de vinho? 

Algumas vezes estivemos juntos em Passo Fundo na Jornada de Literatura, da qual ele foi um dos fundadores, ao lado de Josué Guimarães e outros. Josué e ele já partiram. Vamos diminuindo, perdas para a literatura, vamos ficando cada vez mais sós.

Adeus a um imortal

Adeus, Moacyr

No dia 20 de janeiro deste ano, estive em Porto Alegre para o lançamento oficial da próxima Jornada que comemora 30 anos. Abri um espaço, corri ao Hospital de Clínicas, estive duas horas com Judith. Scliar já na UTI, sedado, sedação da qual não retornou. Uma imagem me veio: quando em 1996, descobri um aneurisma cerebral e fui internado no Einstein para uma cirurgia, Marcia recebeu uma mensagem dele, como amigo e médico: se me disser sim, daqui a duas horas estarei em São Paulo para acompanhar tudo. Solidário, fiel. Este era o homem que se foi, deixando um vácuo. Certa vez, numa das viagens, falando da Academia Brasileira de Letras, das eleições e campanhas, perguntei:

– Algum já foi eleito por unanimidade? Acho que nunca ninguém foi.

Ele virou-se, orgulhoso:

– Eu fui.

Neste momento releio O Centauro no Jardim, para mim um de seus mais belos livros, digno de Kafka, Borges, Cortazar. A chuva que arrasa São Paulo me impediu de chegar ao aeroporto e já são quatro da tarde.

[ Reproduzido do Estado de S.Paulo, 28/02/2011]

 

Comentários estão fechados.