Israel, 60 anos sem paz

 

Diáspora e Insegurança 

De geração em geração, desde que foram expulsos da Terra de Israel há dois milênios, judeus em todo o mundo repetem em suas orações a frase: “No ano que vem em Jerusalém”.

Estas palavras tiveram, por muito tempo, uma conotação mais simbólica do que concreta. Representavam a esperança da vinda do esperado Messias que lhes traria a redenção e os levaria à Terra Santa.

Dispersos pelo planeta, foram se incorporando às sociedades locais. Mas, ao preservar  tradições diferenciadas e valores religiosos, tiveram uma trajetória incomum de sofrimentos.

Foi assim que a Inquisição Católica expulsou, no final do século XV, todos os judeus da Espanha e Portugal, permitindo apenas a permanência daqueles que se convertessem ao catolicismo. Esses ‘cristãos-novos’ compuseram boa parte da população do Brasil em formação. Os outros foram literalmente queimados vivos nas fogueiras da ‘Santa Inquisição’ por se recusarem a abdicar de sua fé, ou tiveram que fugir.

O preconceito anti-judaico (conhecido como anti-semitismo) manifestou-se e continua ocorrendo, sem delimitação de tempo e espaço.

Entre as sociedades muçulmanas, de forma geral, a prática do judaísmo era tolerada, mas os judeus eram considerados como uma categoria inferior com direitos limitados. No Império Czarista, foram freqüentes os ataques (pogroms) de cossacos, massacrando aldeias inteiras de judeus. Na Europa Ocidental do século XIX, vários judeus se destacaram na onda iluminista de evolução cultural e científica, e foram antagonizados na proporção de seu destaque. Participaram – como ideólogos ou proletários – na linha de frente da Revolução Russa. Mas, a partir da ascensão de Stalin, foram sistematicamente perseguidos.

Na Primeira Guerra Mundial, havia soldados judeus nos dois lados do front. Já na Segunda, o eixo nazista elegeu como seu principal inimigo os judeus. Para ser assim identificado, o indivíduo não precisava ter a fé judaica, nem mesmo se considerar judeu. Bastava algum traço de ascendência ‘genética’, para ser rotulado com uma Estrela de Davi amarela que o condenava à morte. Seis milhões de pessoas – um terço de todos os judeus do mundo na época – foram assassinadas.


Pêndulo Colonial

Ao final da 2ª Guerra, os ingleses – que em 1918 haviam tomado do Império Otomano o poder colonial sobre a Palestina – não conseguiam mais impor sua autoridade aos dois milhões de árabes e judeus que a habitavam. Os confrontos entre os movimentos de libertação nacional concorrentes, o judeu (sionista) e o árabe atingiam seu clímax.

O império britânico exercera uma política pendular – privilegiando ora judeus, ora árabes. Em 1917, a Declaração Balfour oficializou sua “simpatia às aspirações sionistas”, afirmando-se “favorável ao estabelecimento na Palestina de um Lar Nacional para o povo judeu”.

Mas já em 1922, imigrados 25 mil judeus após a Declaração Balfour, o “Churchill White Paper” desmembrou a Transjordânia do Mandato da Palestina e afirmou que “a imigração não poderia exceder a capacidade econômica do país para absorver novas chegadas”.


Revoltas Árabes

Um massacre dizimou a antiga comunidade judaica de Hebron em 1929. Kibutzim (comunidades rurais socialistas) tinham que manter guarda dia e noite. Em 1935, os árabes iniciaram uma greve geral contra a imigração judaica. Ataques armados se multiplicaram contra judeus e ingleses. O sentimento anti-judaico era potencializado por líderes carismáticos como o Mufti de Jerusalém, Haj Amin Al-Husseini, que mais tarde se aliaria a Hitler.

Uma proposta inglesa de partilha (a “Peel Comission”) foi por eles rejeitada, e a violência prosseguiu até 1939. Nesse ano foi publicado o “MacDonald White Paper”. Abandonando a idéia da partilha, os ingleses proibiram toda imigração judia, vedaram-lhes a compra de terras na maior parte da Palestina e propuseram a criação de um Estado Palestino binacional governado por árabes e judeus segundo o número de habitantes (os judeus compunham à época 25% da população).


Fim do Domínio Britânico

Ao final da 2ª Guerra Mundial, reveladas as terríveis dimensões do Holocausto, havia um consenso mundial pela criação de um Estado judeu.

A Inglaterra foi culpada, indiretamente, pela morte de centenas de milhares de judeus europeus, ao fechar uma saída vital para escapar do inferno nazista. Na Palestina, sua presença era combatida por árabes e judeus. Entregou a questão à Organização das Nações Unidas, já na sua primeira Assembléia Geral.

Em 29/11/1947, a 2ª Assembléia Geral da ONU aprovou por maioria de 2/3 a Resolução 181, partilhando o Mandato da Palestina em dois Estados soberanos, um judeu e um árabe. Dois Estados para dois povos.

Foi assim endossado pela comunidade internacional mundialmente o ideal sionista: construir na Palestina um país que pudesse servir de refúgio seguro para os judeus. Atendendo ao mesmo tempo as reivindicações nacionais árabes através de concessões mútuas.


URSS + EUA

Entre os 33 votos favoráveis, Brasil incluído, estavam as duas superpotências emergentes da nova ordem mundial, EUA e URSS. Foi uma das raras vezes em que ambas se posicionariam do mesmo lado na ONU.

Segundo Avi Davis, “na visão de Stalin, a criação de um Estado judeu moderno teria maior possibilidade de deter a influência do Ocidente do que um regime árabe retrógrado… Ao fim da 2ª Guerra Mundial, os soviéticos haviam ficado sem nenhuma área de influência no Oriente Médio. As grandes reservas de petróleo da Arábia Saudita e do Iraque estavam sob controle de empresas petrolíferas americanas e inglesas. Stalin não tinha nenhum amor pelos judeus, mas percebeu na formação socialista da liderança sionista uma oportunidade única para fincar o pé da URSS na região…”.

Após a derrota do Eixo, a URSS passou a atacar a política britânica de impedir a imigração para a Palestina dos judeus sobreviventes do genocídio nazista, que se amontoavam na Europa em campos de refugiados. O bloco soviético seria o principal fornecedor de armas ao novo exército israelense.

Enquanto isto, Truman não via como estratégica a criação de um Estado judeu fraco e dependente do Ocidente. Para a máquina industrial americana de pós-guerra, sedenta de combustível, os países árabes grandes produtores de petróleo eram o aliado preferencial.

Mas, por outro lado, o presidente norte-americano antevia uma grande injustiça para os judeus da Palestina e os sobreviventes do Holocausto, caso não fosse criado o Estado judeu. Somente às vésperas da votação, após a Liga Árabe declarar que enviaria tropas de seus países para a fronteira palestina, os Estados Unidos se definiram a favor da resolução. 


A Solução

A Resolução 181 da ONU recebeu o título de ”Plano de Partilha Com União Econômica”. A divisão do antigo Mandato Britânico da Palestina considerava a distribuição demográfica das comunidades árabes e judias. E a utopia de uma intensa cooperação entre elas.

Mapa da Partilha

Mapa da Partilha

A porção a leste do rio Jordão, equivalente a 76% do Mandato Britânico da Palestina, já havia sido entregue em 1922 ao clã árabe-hachemita, formando o reino da Transjordânia. 

Pela partilha aprovada pela ONU em 29/11/1947, os judeus, então apenas um terço da população, receberiam o equivalente a 55% (em azul ao lado) da Palestina Ocidental.

Este favorecimento, no entanto, é apenas aparente. Na verdade, mais de 75% das terras reservadas ao Estado judeu consistiam do árido deserto do Neguev. O restante se compunha de uma estreita faixa litorânea entre Tel Aviv e Haifa e parte da Galiléia.

A  cidade de Jafa (colada a Tel-Aviv) ficaria como um enclave soberano árabe embutido no Estado Judeu, enquanto Jerusalém, incrustada no Estado Árabe, teria o status especial de “corpus separatum” administrado pela ONU. Lá seria sediada a “União Econômica da Palestina”.


Liberdade e Integração Econômica

Previam-se dispositivos para preservar a liberdade de trânsito e visita entre os dois Estados e Jerusalém. Garantiam-se em cada uma dessas áreas o acesso a locais sagrados e a proteção dos direitos e liberdades de religiões, minorias e gêneros. O ensino de línguas e tradições culturais das respectivas minorias seria livre, em estabelecimentos educacionais próprios.

A resolução 181 estipulava, já em seu título, a união econômica entre os dois futuros Estados, descendo a detalhes como moeda única, taxas alfandegárias comuns e livre-comércio entre eles. Se esta concepção era, no mínimo, ousada para a época, o traçado das fronteiras pressupunha uma intensa cooperação pacífica entre judeus e árabes inimaginável naquele clima:

Cada um dos dois Estados se comporia de três sub-regiões não-contíguas, ligadas entre si por estreitas passagens cuja travessia só seria possível num clima de completa paz.

Atendendo à urgência do momento, determinava-se ainda o levantamento imediado das restrições britânicas à imigração de judeus.


Oposição Árabe

Enquanto a liderança da comunidade judia na Palestina (ishuv) aceitava o plano, os seis países da recém-criada Liga Árabe (Egito, Iraque, Líbano, Arábia Saudita, Síria e Iemen) rejeitaram a resolução, no que foram acompanhados apenas por Cuba, Grécia e Índia.

Os árabes palestinos, em vez de se organizar em instituições políticas para estabelecer um Estado independente – como o ishuv – ficaram à mercê de um clima ideológico que pregava abortar o nascimento do Estado judeu. Bernard Lewis observa que já “em 17/12/1947 o Conselho da Liga Árabe anunciou que iria impedir pela força a partilha proposta da Palestina…”


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