Histórias de horror e ódio

OLUNA CARLOS BRICKMANN

EDIÇÃO DOS JORNAIS DE QUARTA-FEIRA, 30 DE JANEIRO DE 2019

Uma tragédia como a de Brumadinho tem tudo para unir o país. Tirando os responsáveis por ela, que devem ser identificados e processados, o Brasil todo, sem distinção ideológica, torcendo para que mais sobreviventes sejam encontrados, e enaltecendo todos os que participam das buscas. Só que não.

E o ódio ideológico não está apenas na Internet: transparece também nos jornais. Israel mandou uma força-tarefa para ajudar nas buscas? Junta-se o antissemitismo (“o dono da Vale é judeu, Israel usou a chance para ocupar Brumadinho”) – o dono da Vale não é judeu, a Vale não tem um dono, mas pertence a grupos econômicos e a fundos de pensão estatais – mas isso não é problema: o importante é espalhar o mal. O senador Roberto Requião diz que o grupo israelense veio é para derrubar o Governo da Venezuela. Desde quando Minas está perto da Venezuela? O importante é desmerecer a ajuda, como se fosse fruto de um pacto entre Bolsonaro, a quem odeiam, e os judeus, a quem têm horror. Têm de culpar alguém pelos problemas de Maduro – por que não Bolsonaro e os israelenses da equipe de salvamento?

Antissemitismo existe faz tempo. Mas torcer para que o equipamento de Israel não funcione, e assumir essa torcida, é coisa que não se via desde o nazismo. Como não se via alguém torcer contra as vítimas só para culpar o presidente que odeiam. Citando Nelson Rodrigues (a quem essa gente também odiava) há situações em que até os idiotas perdem a modéstia.

O horror

Enquanto se perde tempo discutindo se o equipamento israelense de busca é ou não melhor que o brasileiro (não faz a menor diferença: no caso, mais equipamento e mais gente é melhor do que menos), vai-se perdendo o foco da discussão – ou os focos: a) quem deveria manter a barragem em boas condições; b) quem atestou que a barragem estava em boas condições; c) várias pessoas disseram que esse tipo de barragem é inadequado – é ou não é?; d) um empresário disse que ofereceu à Vale uma nova solução em que os rejeitos de minério são separados da água, que é tratada e lançada de novo nos rios, e transformados numa pasta, que ocupa menos espaço e não está sujeita a mudanças no regime de chuva ou a pequenos abalos de terra. É claro que ele quer vender seu produto. Mas, se o produto contribui para reduzir os riscos da mineração, por que não? A Vale tem recursos para estudar essas soluções e escolher a melhor. Nos últimos três anos não o fez.

O ódio

E, no momento em que é preciso pensar em salvar vidas, localizar quem não pôde escapar, há cretinos discutindo “o plano judaico de conquistar o mundo”, ou sugerindo que 132 israelenses ocuparam parte do território nacional. Reclamam até da bandeira brasileira no ombro da farda, ao lado da israelense. Mas ajudar no trabalho, doar algo – ah, isso não, isso é caro.

Rigoroso inquérito

Claro, claro, há multas gigantescas aplicadas à Vale, além da realização de um rigoroso inquérito para apurar responsabilidades. Multa? Então, tá. Há três anos, a barragem da Samarco matou gente, poluiu rios, destruiu o meio-ambiente. A Samarco – pertencente à Vale e à BHP Billiton – foi pesadamente multada, em R$ 350 milhões. Hoje, a Samarco deve R$ 350 milhões em multas. Perguntar não ofende – que é que pagou em três anos? E não foi por falta de dinheiro: o lucro da empresa no ano anterior foi de R$ 7,6 bilhões. Mas, convenhamos, é melhor não pagar do que pagar, né?

Nenhum executivo da Samarco foi condenado criminalmente. Há processo contra 21 réus na Justiça Federal em Minas (depois há recursos!), ainda na fase de ouvir testemunhas. Há muito, muito tempo pela frente.

E citemos Luís Fernando Veríssimo quanto ao rigoroso inquérito: não é a mesma coisa que inquérito rigoroso. É exatamente o contrário.

Acredite se quiser

O ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, disse que o Governo dará prioridade à fiscalização das 3.386 barragens de alto risco. No Brasil há mais de 20 mil barragens, supostamente menos perigosas.

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