Teshuvá – Libertar os oprimidos e quebrar os grilhões (Isaías)

 

No trecho da Torá (haftará) que lemos na manhã de Yom Kipur, o profeta Isaías adverte o povo por se concentrar apenas nas proibições do dia. “É o jejum que desejo? “pergunta o profeta; “Não, o jejum que desejo é desfazer os grilhões da maldade, desamarrar as bandas do jugo. Libertar os oprimidos e quebrar todas as correntes. “Se assim o fizermos, profetiza Isaías, “aqueles entre vocês irão reconstruir ruínas antigas. Vocês restaurarão fundações construídas há muito tempo. Vocês serão chamados de “reparadores da violação”, restauradores dos caminhos da habitação.’”

Quando leio essas palavras, não consigo deixar de pensar nos escombros de casas na Jerusalém Oriental, nos inacessíveis vilarejos ancestrais das Colinas ao Sul de Hebron, nas estradas desmoronando no Vale do Jordão. A verdadeira teshuvá (arrependimento), conforme Isaías, significa fazer o trabalho de reparação para restaurar casas e meios de subsistência.

MAYA ROSEN

Jogando com as palavras de Isaías “você será chamado ‘reparador da violação’”, um midrash do Século V (Vaikrá Rabá 34:16) imagina Deus dizendo, “Era minha a responsabilidade de consertar esta violação, e você se levantou e a reparou.  Portanto eu o considerarei como se você fosse Moisés, “você ficou dentro da “violação” para alegar em nome dos israelitas que seguiram o pecado do bezerro sagrado. O midrash implica que a vulnerabilidade que enfrentamos é de proporções cósmicas, ostensivamente de responsabilidade de Deus, e também que o trabalho de reparar essa fragilidade é também sagrado. A Teshuvá é o trabalho material e espiritual de reparar as violações na nossa sociedade, levando-a da opressão para a liberação.

A ocupação é voltada para nos manter separados – para separar palestinos de suas terras e manter os israelenses segregados dos palestinos. O espírito de Yom Kipur demanda que sejamos “reparadores do quebrado”, cruzadores de pontes e fazedores de mundos.

E ainda sim, por que somos comparados a Moisés por reparar as violações, e o que isto tem a ver com Yom Kipur? Moisés, conforme a tradição rabínica, trouxe o segundo conjunto dos Dez Mandamentos do Sinai no Yom Kipur. Após ter quebrado o primeiro par de Tábuas em sua raiva a assistir o povo cultuando o bezerro de ouro, Moisés pediu a Deus que desse ao povo outra chance. Mas as novas Tábuas criadas, que Moisés carregou abaixo naquele antigo Yom Kipur não substituíram as anteriores. “As Tábuas [as novas] assim como a peças quebradas das [primeiras] Tábuas, foram colocadas na Arca Sagrada”, ensina o Talmud (Menachot 99a). São ambos, a renovação do perdão e os fragmentos de malfeitos que estão colocados na Arca, conduzindo os israelitas errantes para a liberdade.

Os fragmentos das primeiras tábuas (שברי לחות) partilham a raiz da palavra shevarim (שברים), um dos sons do shofar nos Grandes Feriados. O termo shevarim, literalmente “rupturas”. É o temo para os três toques de lamento para o shofar, referidos Talmud (Rosh HaShanah 33b) como “gemidos.” O som do shofar através dos meses de Elul e Tishrei podem ser um triste gemido, mas o shofar quebra o silêncio da complacência e apatia, movendo-nos para uma radical responsabilidade e   reparação.

Nas palavras de Maimônides (Mishnê Torá, Arrependimento 3:4), o som do shofar contém uma mensagem oculta: “Despertem, despertem do seu sono os que dormem; levantem-se, sonolentos do seu sono!”.

A ocupação continua porque nossos olhos estão fechados para sua realidade; nós, como uma sociedade somos sonolentos que nos recusamos a levantar.

Mas o princípio essencial da teshuvá é que a mudança é possível, que o mundo de hoje não precisa ser o mundo de amanhã. Neste Yom Kipur, sejamos em vez disto os reparadores do errado, coerentes com nosso passado, e despertemos para o trabalho que está à frente.

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[Maya Rosen, nascida em Pittsburgh, USA, vive em Jerusalém e trabalhou para o Breaking the Silence nos últimos 18 meses.   Publicado pelo Breaking the Silence e traduzido  pelos Amigos Brasileiros do PAZ AGORA]

 

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