Antissemitismo Progressista?

Na Linha de Frente do Antissemitismo Progressista”

Eu sou um judeu de esquerda jovem e gay. E ainda sou chamado de “promotor de apartheid”, “assassino de bebês” e “apologista colonial”.

Eu nunca fiz “23andMe”, nem me coloquei no “ancestry.com”. Nunca foi necessário. A herança judaica do leste europeu da minha família era algo que vivemos para honrar, inclusive na nossa política.

Como tantos outros, a minha família veio para este país fugindo da discriminação no velho país e enfrentando injustiças no novo: condições abusivas de trabalho; quotas universitárias; exclusão social quando tentávamos subir a escada do sonho americano. Dada a nossa história neste país – e o nosso envolvimento em tantos movimentos de justiça social – não deveria ser uma surpresa que tantos jovens judeus, eu incluso, não possamos imaginar ser outra coisa a não ser progressistas políticos. Como defensor dos direitos do casamento entre pessoas do mesmo sexo e do aborto, e ambientalista, meu lugar nesses círculos sempre foi bem-vindo e aceito.

Bem, até agora.

Como estudante de segundo ano na Universidade de George Washington, cujo grêmio estudantil ano passado aprovou a proposta do Boicote, Desenvolvimento e Sanções (BDS), eu agora me encontro empurrado contra as margens de um movimento no qual eu pensava que eu estava no centro, marginalizado como alguém suspeito, na melhor das hipóteses, ou opressor na pior. Isso porque eu sou um sionista. É porque eu, assim como 95% dos judeus estadunidenses, apoio Israel.

Manifestação contra Israel no centro de New York - 06|2019

Manifestação contra Israel no centro de New York – 05/2018

 

Antes de chegar na universidade, eu podia orgulhosamente dizer que eu era tão fortemente progressista quanto sionista. Eu não achava que havia um conflito entre essas duas ideias. De fato, eu entendia as duas coisas como estando em sincronia, dado que o progressismo há muito tempo tem valorizado os movimentos libertários de minorias oprimidas. Eu vi – e ainda vejo – o estabelecimento do Estado de Israel como uma causa fundamentalmente justa: o povo mais perseguido na história humana finalmente ganhando o direito de autodeterminação após séculos de realocação, intimidação, violência e genocídio. Para mim, isso permanece tão verdadeiro quanto sou contrário à ocupação da Cisjordânia. É o meu sionismo que forma minha visão de que o povo palestino também tem o direito a seu próprio Estado.

Mas a minha visão não é de qualquer modo compartilhada pela multidão progressista que eu encontrei no campus. Eles deixaram enormemente claro para mim e para outros judeus no campus que qualquer forma de sionismo – mesmo a minha variante liberal (obs.: liberal nos Estados Unidos tem a conotação de defensor de políticas sociais para todos os cidadãos), que critica várias políticas do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e que busca a solução de dois estados para o conflito israelo-palestino – é um entrave político. Para esse grupo em minha escola, e grupos similares nos campi e cidades dos Estados Unidos, o sionismo em si é, para imitar a propaganda soviética de várias décadas atrás, racista. E qualquer pessoa que se arrisca a pronunciar as palavras “direito de existir” é inegavelmente um proponente desse racismo.

Dado que quase todos os judeus estadunidenses se identificam como “pró-Israel”, mesmo que a maioria de nós também seja crítica das políticas do atual governo israelense, essa intolerância afeta um grande número de judeus estadunidenses. Eu sou um deles.

Em muitas universidades estadunidenses, a minha incluída, agora é normal que organizações estudantis livremente chamem Israel de potência imperialista e de colonialista branco, com pouca reflexão ou discussão – sem levar em conta que mais da metade da população de Israel é formada por judeus israelenses do Oriente Médio e do Norte da África, e que o país abriga uma minoria árabe de 20%. A palavra “apartheid” é solta por aí sem hesitação. O conflito israelo-palestino é repetidamente puxado para discussões indo por qualquer lugar, de igualdade LGBT (onde mencionar que o registro de direitos de uniões de pessoas do mesmo sexo em Israel é altamente melhor se comparado a qualquer país do Oriente Médio resulta em tachamento de “pinkwashing”) a cuidados sanitários e reforma de justiça criminal.

Em um encontro político de um clube que eu fui recentemente, o sionismo foi descrito pela liderança como um “projeto transnacional”, uma tropa antissemita que caracteriza o desejo de um Estado judeu como um acordo para a dominação global pelo povo judeu. A organização foi além, dizendo que o sionismo não devia ser “normalizado”. Depois, quando eu aconselhei um membro a adicionar mais vozes judias à liderança da organização como uma forma de adicionar mais nuance à sua plataforma, fui assegurado de que judeus antissionistas já faziam parte do clube, e por isso as minhas preocupações com o antissemitismo eram sem fundamento.

Eu esperava esse furo, como é muito comum entre espaços progressistas: grupos se protegem contra acusações de
antissemitismo exibindo seus apoiadores judeus antissionistas, apesar do fato de esses judeus serem uma minúscula parcela da comunidade judaica. Esse simbolismo é visto como inaceitável – e assim é corretamente – em qualquer outro espaço onde uma comunidade marginalizada se sinta ameaçada.

Tudo isso deixa judeus progressistas como eu em uma posição extraordinariamente difícil. Nós geralmente abdicamos de denunciar o antissemitismo contra a nossa parte, por medo de nossa boa-fé política ser questionada ou, pior, perdermos amigos ou sermos caluniados como as coisas que mais desprezamos: racistas, supremacistas brancos, colonialistas e assim por diante. E isso é exatamente o que acontece quando nós falamos.

Depois da eleição israelense em abril, passei uma semana explicando aos meus colegas de classe que havia muita gente em Israel que não votou no partido Likud do sr. Netanyahu, assim como houve e há muitos estadunidenses que se opõem ao presidente Donald Trump, só para ser chamado de “promotor de apartheid”, de “assassino de bebês” e de “apologista colonial” por meus colegas e pessoas nas redes sociais.

No mês seguinte, no Primeiro de Maio, eu avidamente participei de um protesto estudantil por salários maiores para o pessoal da custódia da universidade, animado e carregando um pôster “Salários Justos” que eu fiz. A greve atraiu dezenas de estudantes. Nós todos nos juntamos no pátio, onde gritamos por salários justos, aplaudimos os oradores e vaiamos os nomes do pessoal do executivo da Universidade. Então, os organizadores da greve chamaram oradores das organizações Jewish Voice for Peace (JVP) e Students for Justice in Palestine. Inicialmente, eu aplaudi esses oradores – eu percebi que apesar de eu poder discordar com essas organizações sobre Israel, esses estudantes têm todo o direito de falar sobre o assunto de salários justos para o pessoal da custódia.

Mas assim que eles começaram a falar, a multidão de repente se transformou de um protesto de “Salário Justos” em um protesto pela “Palestina Livre”. Os oradores protestaram contra a opressão dos palestinos em Gaza e na Cisjordânia, que, de acordo com eles, tinha tudo a ver com os diretores, com menos do que o justo sendo feito. Os estudantes não viram razão para depreciar condições de trabalho ou violações de direitos humanos em nenhuma outra universidade, cidade, estado, região ou país. Pessoas sensatas reconhecem que reduzir os judeus a famintos por dinheiro ou avarentos é antissemita. Como pode, ligar o conflito israelo-palestino aos diretores que não são pagos suficientemente em universidades estadunidenses, não ser diferente?

Há apenas uma semana, um vídeo foi postado no stories de um estudante, no qual outro estudante do G.W. é visto advogando o bombardeamento de Israel e, continuando, cuspindo profanidades despudoradamente antissemitas sobre os judeus.

Esta é a nossa nova normalidade. Em campi de universidades e em círculos progressistas pelo país, não importa se você se opõe fortemente à liderança de direita de Israel. Se você é um sionista, você é visto como o inimigo. Não importa se você pensa que Trump é um monstro por difamar Ilhan Omar e Rashid Tlaib. Eu fui taxado como um “problemático irredimível” nos campi da G.W., por causa da minha recusa em apoiar suas políticas incondicionalmente. Não importa se você acredita no direito de autodeterminação para todas as pessoas, incluindo os palestinos. Se você ainda sente uma conexão com o Estado de Israel como a terra natal do povo judeu, você está do lado errado da história.

Enquanto os supremacistas brancos planejam assassinar os judeus neste país, “antissionistas” nos campi das universidades buscam nos marginalizar como supremacistas brancos. Considere o fato de que na universidade de Virgínia – onde supremacistas brancos marcharam pelo campus gritando “Judeus não irão nos substituir!”, foram estudantes judeus que foram barrados de se unirem a uma coalizão para lutar contra a supremacia branca (essa decisão está sob revisão). Na Universidade de Benedictine, uma estudante alinhada ao grupo Students for Justice in Palestine pediu para que um orador convidado que sobreviveu ao Holocausto denunciasse os crimes de Israel contra os palestinos, e então foi embora durante sua palestra.

Este mês, mais de 400 estudantes judeus deixaram um encontro de um grêmio estudantil da Urbana Champaign da Universidade de Illinois, depois que o senado estudantil, por uma votação de 29 contra 4, aprovou uma resolução do Students for Justice in Palestine que condenou a “redução de antissionismo a antissemitismo”. No encontro, de acordo com Ian Katsnelson, o único senador judeu, havia um pôster que se referia aos nazistas e clamava por uma “Palestina Livre”. É de se perguntar quem são os nazistas. Então, após a votação, o Students for Justice in Palestine gabou-se de sua vitória como transmissora de “uma poderosa mensagem para forças supremacistas brancas no campus”. Classificar judeus e seus aliados como supremacistas brancos é uma interpelação cultural em seu pior: Ouse discordar e você será denunciado como o maior inimigo doméstico.

Esta é a realidade de ser um judeu politicamente ativo em muitos campi universitários estadunidenses. Se você se declara um sionista porque sua família fugiu para Israel de um país do Oriente Médio como um meio de sobrevivência, você é um cúmplice da limpeza étnica. Se você se declara sionista porque sua família fugiu da Alemanha para escapar de um campo de concentração, você é um colonialista. Se você se declara sionista porque a sua família fez aliá para Israel por causa de suas crenças religiosas ou espirituais, você é cúmplice do apartheid.

Progressistas acreditam que palavras importam, e que palavras podem abrir caminho para a violência. Nós também acreditamos que muitas políticas que excluem, ignoram ou desumanizam as vozes de minorias são políticas perigosas para todos nós. Esses ativistas, que têm aumentado para bem além do pátio, acreditam que essas mesmas considerações deveriam ser asseguradas aos judeus? Eu temo a resposta para essa questão.

 

[ Por Blake Flayton, estudante de segundo ano na Universidade George Washington ]

[ publicado no NewYorkTimes.com em 14|11|2019 e traduzido para o PAZ AGORA|BR por Cláudio de Albuquerque, estudante de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe ]

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