Netanyahu explora o medo do coronavírus para consolidar autoritariamente seu poder

NETANIAHU EXPLORA O MEDO DO CORONAVÍRUS PARA CONSOLIDAR SUA MANUTENÇÃO AUTORITÁRIA DO PODER

Primeiro-Ministro checa a hora durante uma reunião do bloco de direita no Knesset | Jerusalém 20|11|19 | AFP

Ganhando tempo: Primeiro-Ministro checa a hora durante uma reunião do bloco de direita no Knesset | Jerusalém 20|11|19 | AFP

“De nenhum homem, multidão ou nação, se pode esperar que atue de forma humana ou pense de forma sensata quando sob a influência de um grande medo” (Bertrand Russell)

O medo é o melhor amigo dos tiranos e o pior inimigo da liberdade. O instinto humano pela sobrevivência é mais poderoso do que qualquer compromisso social com a decência, os processos legais, a separação de poderes ou as nuances da democracia. Como escreveu o filósofo Bertrand Russell: “De nenhum homem, multidão ou nação, se pode esperar que atue de forma humana ou pense de forma sensata quando sob a influência de um grande medo”.

O medo foi o instrumento mais empunhado pelos tiranos, ditadores e autoritários do século XX. Ele lhes dá o pretexto para remover restrições, expandir autoridade e diminuir, se não destruir, os controles democráticos.

“A diferença fundamental entre os ditadores modernos e todos os outros tiranos do passado é que o terror não é mais usado como meio de exterminar ou amedrontar oponentes, mas como instrumento de controle das massas de pessoas que são perfeitamente obedientes”, escreveu Hannah Arendt no seu livro “Origens do Totalitarismo”.

Stálin alegou uma conspiração ocidental para re-escravizar os operários libertados pelo comunismo; Hitler invocou uma conspiração judaico-bolchevista para enfraquecer a Alemanha e diluir a raça ariana; Mussolini irrompeu contra a iminente ameaça do socialismo, do liberalismo e da máfia siciliana. Hoje, Viktor Orban, arranja uma conspiração de George Soros embaixo de cada árvore, Donald Trump transforma a imigração ilegal numa sinistra invasão estrangeira e Benjamin Netaniahu retrata os árabes israelenses como gente que abriga uma hostilidade irremediável ao Estado de Israel e um desejo duradouro de vê-lo destruído.

A pandemia de coronavírus, por outro lado, não necessita de exageros ou promoção: ela provoca um medo primitivo passado pelos genes humanos de geração a geração. Desde as dez pragas de Deus ao Egito, passando pela Praga Justiniana do século V a qual, entre outros, dizimou a Palestina Bizantina, até a Peste Negra dos séculos XIII e XIV, que destruiu a Europa e a Gripe Espanhola de 1918 que matou cerca de 60 milhões de pessoas no mundo inteiro.

Todos os líderes do mundo estão obrigados a combater o coronavírus e minimizar a perda de vidas entre seus povos. Somente uma pequena minoria vai explorar a situação para silenciar dissidentes e se entrincheirar no poder. Para a má sorte de Israel, Netaniahu pertence a essa minoria.

Somente nas últimas 48 horas, Netaniahu capitalizou no medo de seu país adiando seu próprio julgamento, assumindo corretamente que as pessoas têm mais medo do coronavírus do que de um criminoso. Ele obrigou o presidente da Knesset, Yuli Edelstein, a subverter o resultado das eleições deste mês ao impedir a nova Knesset constituída de eleger um novo presidente da casa no seu lugar. E abriu a porta de Israel para um estado totalitário ao empregar o formidável aparato de vigilância do Shin Beit (Serviço Secreto) nos cidadãos israelenses, sem supervisão externa ou parlamentar.

O medroso gabinete de Netaniahu aprovou as novas medidas por unanimidade, a tradução do termo em hebraico é “com uma única boca”. No governo covarde de Netaniahu, a única boca que existe é a dele. Em lugar de lidar com as críticas de que seu movimento é um golpe contra a democracia e um prólogo para um estado policial, Netaniahu respondeu alegando que “mesmo uma demora de uma hora para usar essas medidas poderia causar a morte de muitos israelenses”, como se ele mesmo não tivesse adiado essa decisão por muitos dias.

Quem se atreveria a arriscar a morte “de muitos israelenses”? A insinuação de Netaniahu é claríssima: meus oponentes e críticos, incluindo esquerdistas, liberais, árabes e todos os outros que têm planos sinistros para o futuro de Israel. Se Barack Obama ainda estivesse por aí ele certamente estaria na lista.

Netaniahu jamais emularia o imortal discurso inaugural de Franklin Delano Roosevelt de 1932, quando a América e o mundo estavam enfrentando o colapso completo da economia. “A única coisa que temos que temer é o medo em si – um terror sem nome, sem sentido, sem justificativa, que paralisa os esforços necessários para transformar retirada em avanço”, disse FDR. Netaniahu, por outro lado, necessita de medo. Ele tem sucesso com o medo.

E é por isso que ele está agora insuflando medo sem medida, em lugar de acalmar. Sob a capa do medo universal, Netaniahu está minando o estado de direito, debilitando a democracia israelense e assentando a base para agarrar o poder até a eternidade ou até seu último suspiro de vida – o que acontecer primeiro.”

[ por  Chemi a Shalev | Publicado no Haaretz em 18|03|20 e traduzido por  Jose Menasseh Zagury ]

Comentários estão fechados.