Hoje nós te salvamos, Sharon

Yachad = Israel + Paz
Yachad = Israel + Paz

n75

Prezado Sr. Primeiro-Ministro,

O fato de que o Yahad, que tenho a honra de chefiar, irá salvar o seu governo de ser derrubado hoje, frente ao voto de desconfiança que está sendo proposto contra ele pela ala trabalhista, causa-me noites de insônia. Afinal, não temos nem um pingo de confiança no senhor.

Sua pesada responsabilidade pelo desastre causado pela supérflua Guerra do Líbano e sua visita provocativa ao Monte do Templo – que contribuiu para a erupção da Intifada, ou pelo menos a acelerou – são suficientes para evitar que o apoiemos.

Durante o mandato do governo Barak, 53 israelenses foram mortos na Intifada, enquanto durante o seu termo, para o qual o senhor prometeu que prevaleceria a paz e a segurança, quase mil outros israelenses, e três vezes mais palestinos, foram mortos. Isso é suficiente para justificar não confiar no senhor.

O assunto do momento é a pobreza em Israel. Até 1977, Israel era um dos países mais igualitários do mundo. O Likud, que tinha a imagem de representar os pobres contra os bem servidos e os corruptos, ampliou as diferenças sociais, algo que todos os governos de esquerda eleitos nos 27 anos anteriores haviam, com sucesso, evitado.

Seu governo realmente fez um bom trabalho. Ele transformou Israel em um dos países ocidentais com o maior abismo entre ricos e pobres. Ele premia os ricos com benefícios, reduz impostos para pessoas com condições e, altivamente e de olhos abertos, corta as alocações dos pobres.

O senhor ocasionalmente emite slogans sobre compaixão, como se fôsse proferir um sermão numa sinagoga. E dá ao Ministro das Finanças, Benjamin Netanyahu, total liberdade de ação, com a qual ele está mergulhando Israel num abismo de desigualdade e a níveis de pobreza sem precedentes na História de Israel.

O senhor poderia encontrar as vítimas de sua política, se tivesse ido comigo nesta 4ª feira a um encontro com os moradores da Shchuná Dalet em Beer Sheva, que vivem de pensões e estão sendo forçados a sobreviver com duas a três fatias de pão por dia.

O desligamento de Gaza, que é a razão pela qual não derrubá-lo hoje, tampouco nos traz grande alegria. Não temos dúvida de que Dov Weisglass falava a verdade na recente entrevista para Ari Shavit no Haaretz.

Sua grande intenção é renunciar a este pedaço indesejável de terra para evitar as críticas internacionais com relação à sua recusa de evacuar os postos avançados ilegais, a continuação do empreendimento de assentamento na Cisjordânia, os assassinatos seletivos, a destruição de casas, a construção da cerca de separação ao longo de um traçado que anexa áreas palestinas a Israel – e a continuação da ocupação.

No final, o senhor fará todo possível para colocar qualquer processo político viável em formol, como se pode deduzir do fato de o senhor ser o primeiro primeiro-ministro que se recusa a entrar em negociações sem pré-condições com o presidente da Síria.

E apesar de tudo isto, acreditamos que o fato de o senhor pretender evacuar os assentamentos de Gaza é uma importante contribuição para o processo político, que proporciona um precedente significativo para o futuro.

Embora esta evacuação não esteja sendo realizada pela vontade de fazer um acordo definitivo de paz, ela tornará possível que ele seja alcançado. Quase certamente sem o senhor.

Não lhe daremos uma razão ou desculpa para deixar de evacuar os assentamentos de Gaza. Nós permaneceremos com a consistente tradição da esquerda sionista, que apóia qualquer passo para acabar com a ocupação, mesmo que ele não venha de nós. Ficaremos em guarda, não lhe permitiremos evitar facilmente a conclusão da tarefa que o senhor se propôs a fazer, que parecia muito mais fácil de ser feita pelo senhor um ano atrás do que hoje.

Não, isto não é uma rede de segurança. Estamos nos abstendo unilateralmente de um voto de desconfiança.

Israel não tinha miséria
Israel não tinha miséria

Não temos interesse de ter ministros no seu governo, porque, ao contrário de outros, não iremos aceitar a responsabilidade coletiva pelas suas políticas de segurança e sociais. Reservamo-nos todo o direito de nos unir a um voto de desconfiança caso o seu governo tome decisões que marquem precedentes e de longo alcance com as quais não possamos conviver.

Mas faremos uso desse direito apenas se não houver outra saída. Tampouco seremos capazes de nos abster quando o orçamento do Estado for levado a votação – a não ser que este incorpore mudanças que salvem as crianças famintas dos bairros pobres de Beer Sheva. Mas esta votação poderá ser adiada e levada ao Knesset apenas daqui a quatro meses.

Por enquanto, superaremos nosso justificado desejo de vê-lo deixar o escritório de Primeiro-Ministro, porque acreditamos em nossa capacidade de provocar evoluções políticas que se desviem das suas intenções originais.

Da mesma forma que tornamos possível com a Iniciativa de Genebra – como o senhor admitiu especificamente – que o senhor levantasse a idéias da retirada unilateral de Gaza, nós também trabalharemos após a retirada para promover negociações com a nova liderança palestina, na direção de um acordo definitivo.

Este acordo será baseado no plano Clinton e na iniciativa Bush. Será realizado no contexto do plano de paz road map, e quando for assinado, será surpreendentemente simular àquela mesma Iniciativa de Genebra da qual o senhor tentou fugir.

 

Yossi Beilin foi Ministro da Justiça de Israel, é presidente do Partido Yahad e  co-promotor israelense da Iniciativa de Genebra, lançada em 1º de dezembro de 2003 na Suiça  – leia a íntegra em português em www.pazagora.org/genebra .

 

[ publicado no Haaretz em 29/11/2004 e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]

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