Somos irmãos

Amós Oz - um dos fundadores do PAZ AGORA

Amós Oz - um dos fundadores do PAZ AGORA

Israel nunca foi um Estado igualitário. Mas, no seu apogeu, foi mais igualitário do que a maior parte dos países do mundo. A pobreza não era aguda e a riqueza não era ostensiva. A responsabilidade social pelos pobres e necessitados era mostrada, não apenas a nível econômico mas também no social.

Naquele Israel, aqueles que trabalhavam – e quase todos, mulheres e homens, trabalhavam duro – podiam fazer uma vida modesta mas respeitável para si e suas famílias. Os novos imigrantes, os refugiados e os moradores de acampamentos de imigrantes recebiam todos educação pública, serviços de saúde e moradia.  Quando jovem, o Estado de Israel pobre era um grande empreendedor social.

Mas tudo isso foi destruído nos últimos 30 anos, quando governos a serviço do grande capital estimularam e inflamaram as leis econômicas da selva, sem nenhum escrúpulo.

Os protestos que hoje estão varrendo as ruas e praças de Israel há muito deixaram de ser apenas contra a crise de moradia. O coração desses protestos é a afronta e o ultraje pela indiferença do governo ao sofrimento da população,  contra  o mau tratamento dos  trabalhadores e a destruição da solidariedade social.

30|07|11 - Passeata de 10.000 em Haifa

30|07|11 - Passeata de 10.000 em Haifa

A visão gratificante das cidades de tendas que se espalham por Israel, dos médicos marchando por seus pacientes, das manifestações e passeatas são, por si, um delicioso renascimento da fraternidade e da responsabilidade mútuas.

Afinal, a primeira coisa que esses manifestantes estão dizendo – antes ainda de “justiça social” e “abaixo o governo” –  é: “Nós somos irmãos”.

Os recursos necessários para estabelecer a justiça social em Israel estão situados em três lugares:

Em primeiro lugar, os bilhões que Israel investiu nos assentamentos, que são o maior equívoco na História do país, assim como sua maior injustiça.

Segundo, as imensas somas canalizadas para as yeshivot ultra-ortodoxas, onde crescem gerações de  desocupados, cheios de desprezo pelo Estado, por sua população e pela realidade do século 21.

E em terceiro lugar – talvez principal – o apoio apaixonado do governo de Netanyahu e de seus predecessores ao enriquecimento  desenfreado de magnatas e seus apaniguados, às custas da classe média e dos pobres.

Não esqueçamos de onde vem a riqueza que é despejada nos assentamentos, nas yeshivot e nas contas dos magnatas. Ela vem do trabalho e dos talentos criativos de milhões de israelenses que estão carregando nas costas a singular maravilha econômica de um país pobre em riquezas naturais (ainda não começamos a contabilizar o gás natural recentemente descoberto), mas rico em recursos humanos.

Acampamento em Tel Aviv

Acampamento em Tel Aviv

Não foram os partidos, nem as organizações veteranas de oposição que geraram estes protestos. Eles nasceram da devoção e entusiasmo de milhares e milhares de jovens, que despertaram a melhor gente deste país.

É profundamente emocionante ver veteranos de manifestações de todas gerações, que por anos eram vozes  clamando no deserto, visitando as tendas dos jovens que estão sabiamente liderando o novo protesto.

Pessoas como eu, que protestaram por muitos anos contra políticas de governos em Israel, abraçamos maravilhados esta nova geração, com amor e admiração.

 

[ Publicado no Haaretz em 02/08/2011 e traduzido por Moisés Storch para o PAZ AGORA|BR. ]

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