Após Arafat, Gaza Desequilibrada

n28

Uma das últimas instruções do presidente da AP, Yasser Arafat, de seu leito quando ia para Paris, foi para o presidente do Conselho Legislativo Palestino, Ruhi Fatuh, pedindo para ele tentar uma imediata reconciliação entre Rashid Abu Shabak, chefe dos Serviços Preventivos de Segurança m Gaza e Mussa Arafat, chefe da segurança pública e inteligência militar na Faixa de Gaza. Os dois, na verdade, haviam se encontrado no fim-de-semana anterior para um tipo de ‘sulha’ (encontro de reconciliação). Mas muitos duvidam se foi de muito valor.

Ao mesmo tempo, um dos primeiros atos do primeiro-ministro palestino Ahmed Qurei (Abu Alá) – após ter recebido poderes operacionais – foi de ir no sábado a Gaza para encontrar representantes das várias facções da Faixa, principalmente do Hamas, assim como com o chefe dos serviços de segurança.

A ordem de Arafat, e os encontros em Gaza, foram realizados à luz de um grande temor dos membros da liderança palestina de que na ausência do presidente, seriam grandes as chances de Gaza se tornar uma fonte de problemas.

A tensão ali é bem conhecida. É muito maior do que na Cisjordânia: na Faixa há um terrível desemprego, escandalosa pobreza, e ampla destruição de bairros e terras agrícolas no norte, na área do assentamento de Netzarim, Khan Yunis e, sobretudo, em Rafah. Embora as organizações de oposição, como Hamas e Jihad Islâmica, não tenham muitas tropas (ativistas armados) em Gaza, eles têm um apoio muito grande na população. Pesquisas de opinião mostra que em Gaza eles tem maior apoio do que o partido governante da AP, o movimento Fatah.

A Fatah em Gaza está dividida, e a divisão se expressa numa grande competição entre os chefes dos serviços de segurança. São freqüentes batalhas reais entre eles. Eles atiram, matam, seqüestram, tomam escritórios e quartéis. À disposição deles estão gangs locais: a Brigada de Mártires de Al-Aqsa, a Brigada Abu Rish, as gangs Abu Samadana, os Comitês de Resistência Popular. Os ativistas da Fatah em Gaza também têm fortes sentimentos de deprivação quando se fala de receber altas posições nas instituições da OLP e da AP. Dois dos fundadores da Fatah, que foram vices de Arafat, Khalil al-Wazir (Abu Jihad) e Salah Khalaf (Abu Iyad), eram de Gaza. Foram mortos em Túnis (Abu Jihad num ataque israelense em 1988; Abu Iyad em seu escritório em 1991). O próprio Arafat é da família Al-Kidwa, bem conhecida em Gaza e Khan Yunis. Sem eles três, e principalmente, claro, sem Arafat, a representação relativa de Gaza na liderança Palestina fica praticamente insignificante.

Mas, a principal preocupação sobre o que acontecerá em Gaza sem o presidente da AP vem do fato de que, até agora, Yasser Arafat serviu como fator de equilíbrio na luta entre os chefes dos serviços em Gaza. Sem ele, uma grande intranqüilidade pode se desenvolver lá. Não nos referimos apenas a uma querela pessoal entre altas autoridades, como Mohammed Dahlan e Mussa Arafat, que pode ser resolvida por uma ‘sulha’ com uma xícara de café.

Esta é uma luta séria pelo poder, na qual cada uma das partes tem aliados e fornece serviços dos quais milhares de famílias obtém o sustento. Eles estão competindo por cargos, orçamentos, lucros de gangs de contrabandistas nos túneis de Rafah, pela distribuição de doações monetárias de todo o mundo e pelo controle de empreendimentos econômicos e instituições públicas.

Arafat também servia, em grande extensão, como fator de equilíbrio em conexão com atividades na Cisjordânia, todas instituições da OLP, a AP e o movimento Fatah. Mas por causa da tensão em Gaza, o efeito das querelas ali e a competição entre os grupos políticos são muito mais sérios.

A erupção de revoltas violentas em Gaza poderiam também influir no plano de desligamento. Revoltas que darão munição aos oponentes do plano, que certamente tentarão postergar a retirada até que se torne claro quem governará a Faixa. Em qualquer caso, os problemas causados pela ausência de Arafat provavelmente começarão dentro de Gaza.


[ publicado no Haaretz – 08/11/04 – e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]

Comentários estão fechados.