Para nosso grande infortúnio, Amos tinha razão

Dois famosos escritores e um tradutor dizem adeus ao amigo e colega Amos Oz, que com grande antecedência descreveu os males da ocupação, ainda em 1967.

David Grossman Amos Oz A B Yehoshua

O trio literário e libertário de Israel (da esquerda) David Grossman, Amos Oz, A.B. Yehoshua em 2006

“Conhecemom-nos há 25 anos. Enviei-lhe um livro e ele respondeu com uma carta, como era seu costume, Amos mandava cartas de resposta com sua bem característica caligrafia, recheada de comentários e observações. Ele sugeriu um encontro, que ocorreu em Tel Aviv. Tivemos um encontro caminhante: caminhamos e conversamos. Esta amizade foi crescendo pelos anos, disse o escritor David Grossman ao Haaretz após a morte de  Amos Oz, em 28 de dezembro.

“Falamos sobre tudo”, continuou Grossman . “Ouvindo Amos, eu tinha o sentimento de ser privilegiado e ser enriquecido,

[Na] forma com que ele formulava as coisas e na forma com que ele as via. O jeito com que ele formulava para tantos em Israel e fora sobre a complexidade de Israel e seus emaranhados, todas as suas combinações impossíveis, da maior à mais dolorosa. Eu já senti que nós perdemos alguém capaz de se expressar da forma mais precisa. Algo em nosso contato coma realidade é diminuído  quendo um indivíduo como esse é arrancado de nós”.

Gente usualmente se refere a Oz, você e  A.B. Yehoshua como um trio. Uma forte amizade existia entre vocês três, principais escritores de Israel.

Grossman: “Nos chamávamos de ‘os três tenores’, Nunca encontrei um fenômeno assim em nenhum lugar. onde esse tipo de diálogo e este tipo de admiração mútua existisse entre vários escritores – três ou mais.  Tínhamos outros amigos. A profunda amizade não mais será o que era, e isso dói muito.

E vocês três partilhavam a mesma marca – comentando e expressando a situação de Israel.

“Existe uma série de escritores aqui em Israel que, por sua natureza e seu caráter, são inclinados  a tomar a situação externa pessoalmente e tentam descrevê-la no minuto, precisamente porque é conveniente tornar a situação um cliché – verbal, perceptiva e politicamente, Amos foi o primeiro entre nós. Você sabe, tres semanas após a Guerra dos Seis Dias, quando o país estava banhado pela euforia da conquista, ele, como jovem, advertiu contra a ocupação e nos descreveu com as coisas seriam. Para seu desgosto e nosso grande infortúnio, ele estava correto sobre tudo o que descreveu.

Grossman aduziu, “Ele era uma pessoa extrardinariamente generosa. E tinha um grande senso de curiosidade. Quando falo sobre ele no pretérito, tenho um choque”.

O escritor Haim Be’er também lembra de sua amizade com Amos Oz: “Falamos ao telefone na semana passada, ele pareceu muito fraco. Fomos amigos por muitos anos. Posso lhe contar uma história sobre nós, que ao meu ver reflete vividamente a pessoa que Amos era.  Eu estava para publicar um livro sobre relações entre três escritores –  Agnon, Bialik Brenner – que eu denominei “Seus Amores e Seus Ódios’, Um pequeno anúncio apareceu sobre o livro, que estava sendo impresso, Um mes depois, recebo um pacote de Amos, Ele escreveu: ‘Caro Haim, quero que você leia o manuscrito do meu livro sobre Agnon.’ Abri o manuscrito e vi que seu título era quase idêntico ao título do meu livro, Eu não sabia o que fazer.

“Outro amigo, Rafi Weiser, diretor do arquivo Agnon, recebeu um telefonema meu; Ele me disse. ‘Esta arranjado. Recebi o manuscrito do Amos ontem – ele me enviou para ter a minha opinião. Eu disse a Amos  que você tem, um livro similar com o nome quase idêntico, que está agora na impressora. Amos lhe disse que não havia problema e mudou seu título para “The Silence of Heaven: Agnon’s Fear of God.’

Amos era uma das mais generosas pessoas no cenário da literatura. É muito triste. Queria muito tê-lo ouvido na última semana, embora ele estivesse preservando sua dignidade.

“Falamos alguns dias antes dele falecer”, disse Victor Radutzky, que traduziu 13 livros de Oz para o russo.  Havia algumas questões práticas na agenda. Eu queria que ele fizesse um prefácio para o ‘My Michael’, que estava sendo republicado na Rússia para marcar o 25° aniversário da primeira edição do romance na Rússia.  Falamos sobre todo tipo de coisas. Conversamos sobre ficção, e Amos disse: ‘estou escrevendo ficção para você agora’.  Pensar que não sabemos do que que escrevemos é terrível.

“Nos despedimos em Moscou. em 25/10, após a cerimônica em que recebeu o prêmio por  ‘Judas.’ Na Rússia, ‘Judas’ e ‘A Terceira Condição’ foram publicadas simultaneamente. Ambas tiveram críticas maravilhosas e Oz foi candidato a prêmios pelos dois livros. Tivemos o pensamento de que na presente situação na Rússia, um artista não identificado com o Novo Testamento  não teria chance, pois insultar as sensibilidades dos crentes é uma ofensa punível. Mas ele ganhou o prêmio.

“Passamos alguns dias fantásticos em Moscou, e ele estava imbuído de muito amor. 600 pessoas vieram a uma reunião com ele, para ouvir o que Amos diria, No período de perguntas e respostas, leitores devotos citam trechos de seus livros. e me alegrei por ele. Na manhã seguinte, ele voou de volta a Israel. Tinha sido uma noite marabilhosa. Pensamos num futuro brilhante e foi difíci nos separar. Depois disto, conversamos algumas vezes e concordamos em nos encontrar. E então, ele me ligou do hospital.

Ele disse. ‘Está passando, fique pronto para vir’.

 

[ publicado no Haaretz por Gili Izikovich  e traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]

Comentários estão fechados.