Impasse Eleitoral – WEIMAR 1932 || ISRAEL 2019

 

Uma Lição de Weimar , 1932:  Terceira eleição pode salvar Israel

No início deste ano, a BBC exibiu uma minissérie de TV criada e escrita por Tom Rob Smith, de nome “MãePaiFilho” [“MotherFatherSon”] Nela, Richard Gere interpreta Max Finch, bilionário dono de um império da mídia, que influi nas políticas britânicas e pode fazer ou derrubar primeiros-ministros. A série focaliza as relações entre Finch, sua ex-mulher e seu filho. É um relacionamento preocupante, cheio de violência e intrigas. O preço é pago pelo filho, que atua sob a carga das expectativas do pai, enredando-se em atos criminosos enquanto trabalha como editor do principal jornal.

A crítica não ficou muito impressionada com a série. Concentrou-se no desenvolvimento superficial de alguns personagens, a confusão em torno da história das famílias e a apresentação estereotípica das conexões entre o grande capital, o governo e a mídia. Mas os comentaristas perderam a principal mensagem da série. Além e acima da saga familiar, “MotherFatherSon” é um conto distópico horripilante sobre a ascensão de um político voraz que chega ao poder com a ajuda do império de mídia de Finch,

Angela Howard – política britânica do estilo de Benjamin Netanyahu, Donald Trump e Boris Johnson – ganha a eleição com uma campanha populista, pingando ódio e marcada por atos de violência contra aqueles que são “diferentes”: muçulmanos, negros e judeus. Apelando para as emoções dos cidadãos sitiados do país, ela promete estabilidade econômica, educação para suas crianças, moradia sustentável e orgulho nacional. Em troca, deles será demandado esquecer o direito, como Howard descreve, de girar a roleta a cada cinco anos – ou seja, de votar. Porque, afinal, eleições são pura ilusão. Assim como o jogador não ganha o que quer numa eleição, também o povo não leva o que acredita que vai ganhar.

A cena mais repugnante está no 7º (penúltimo) episódio. Howard incita a multidão de fãs até o frenesi, levando-os a um êxtase de gritos de apoio, enquanto os convoca para levar todas as pessoas possíveis a votar. Leve seu pai, seus amigos, seus filhos, seus vizinhos, seu avô e sua avó.   Votem! Votem! Votem! Ela grita para a multidão, que a ela se junta num coro rítmico de “Votem! Votem! Votem! Votem!”

Todos que lembrarem da histérica aparição de Benjamin Netanyahu no dia das últimas eleições, quando ele berrou aos seus apoiadores para arrastar todos as pessoas possíveis para os locais de votação, entende o quão próximo estava Israel no mês passado da realidade descrita nesta série distópica da TV britânica.

Presidente Rivlin ladeado por deputados eleitos em setembro|19

Presidente Rivlin ladeado por deputados eleitos em setembro|19

Mas o presidente Reuven Rivlin e aparentemente alguns membros do partido Kachol Lavan – que estão dispostos a aceitar a solução proposta por Rivlin (pela qual, caso indiciado por corrupção, Netanyahu seria considerado incapacitado e temporariamente substituído como premier por Benny Gantz) para evitar uma terceira eleição a todo custo – não entenderam isso. Uma terceira eleição pode ter o risco de levar à liquidação da democracia israelense,

O fim da República de Weimar na Alemanha, que ocorreu oficialmente em 30|01|1933, com a nomeação de Hitler como chanceler, foi precedido por três eleições para o Parlamento Alemão (Reichstag) dentro de dois anos: setembro|1930, julho|1932 e novembro|1932.

A situação da Alemanha naquela época lembra a de Israel hoje: instabilidade política, incapacidade de formar um governo estável, seja de esquerda ou de centro-direita, intrigas e brigas internas entre políticos e uma força fascista violenta e sofisticada, cuja intenção era arrancar o controle do governo e enterrar a democracia alemã,

Na eleição na Alemanha de 1930, o bloco de esquerda, constituído principalmente pelos partidos Social-Democrata e Comunista, ganharam 30,7% dos votos. Esse bloco manteve sua força em julho|1932 (30,1%) e novamente em novembro|1932 (29,8%). O bloco de centro, cujo núcleo era o Zentrumspartei (o partido Católico de Centro), também evidenciou estabilidade: 12,1% na eleição de 1930, 13,4% em julho|32 e 12,3% em novembro|1932.

As flutuações mais significativas nessas eleições foram as do partido Nazista: de 14,9% de apoio nas eleições de 1930, o partido despontou para 31,2% em julho|32. Mas, após poucos meses, em nov|32, perdeu cerca de 1/5 da sua força, recebendo apenas 26,5% dos votos. Mesmo assim, foi precisamente aí que o poder foi a ele entregue numa bandeja de prata.

Verão e outono de 1932 foram o pico da crise política na República de Weimar. Dentro da rede de maquinações envolvendo políticos corruptos e sedentos de poder, o presidente, idoso e doente, herói da Primeira Guerra Mundial, Paul von Hindenburg, teve um papel central. Hindenburg, que possuía poderes muito maiores sob a Constituição de Weimar de que o presidente de Israel tem hoje, foi instrumental em trazer a erradicação da então cambaleante democracia na Alemanha,

Em contraste com Rivlin, democrata de coração, Hindenburg detestava o sistema partidário e a estrutura parlamentar da República de Weimar. Aspirava devolver o poder para as elites prussianas tradicionais. Mas também detestava Hitler e o partido da ralé que o sustentava. Em novembro|1932, após mais uma eleição indecisiva, Hindenburg encontrou-se em situação semelhante à de Rivlin: Como iria ele extrair um governo estável de todo aquele caos? E como evitar o colapso e anarquia que poderiam trazer ao poder a horda selvagem liderada por aquele pequeno homem com bigodinho?

O temor de Rivlin por uma terceira eleição vem não apenas do fato de que a população está cansada e almeja paz e tranquilidade. Ele está visivelmente apreensivo com Netanyahu – que na eleição de setembro subordinou o país ao destino de seu emaranhado de acusações judiciais – terá atrás dele uma coalizão com um único denominador comum: a ambição de erradicar a democracia israelense.

Entre os membros dessa coalizão estariam Miki Zohar, que acredita numa raça judaica com qualidades especiais, defensores do apartheid e de limpeza étnica, como Bezalel Smotrich, que vê os cidadãos árabes de Israel como “hóspedes”; e outros que não hesitam em recorrer a violência verbal e mesmo física para preservar a pureza do sangue judeu, como a ONG Lehavá e o partido Força Judia [Otzma Yehudit ]. Todos esses terão a companhia de “democratas iluminados” bem conhecidos, como Arye Dery e Yaakov Litzman.

Parece que uma nação exausta, desgostosa com campanhas eleitorais dirigidas pelo ódio e preconceito pode ser persuadida de que não é tão importante girar a roleta a cada 4 anos, ou menos que isso, possa se tornar um mero ritual simbólico.

Presidente Alemão Paul von Hindenburg (esq) com Adolf Hitler, numa celebração do Dia do Trabalho em Berlin, 01|05|1933 – AP

Josef Goebbels descreveu o que aconteceu na Alemanha após nov|1932 como um jogo de xadrez. Hitler, embora sua força estivesse reduzida na eleição, recusou-se a discutir uma coalizão com qualquer partido antes de receber a autoridade para formar o governo.

Netanyahu recusa compor um governo de união a não ser que o chefie e só se todos os 55 membros do seu bloco de direita ficarem ao seu lado. E Rivlin, como Hindenburg, uns 85 anos atrás, acredita que será possível bloquear o impulso de Netanyahu para eliminar a democracia israelense, criando um sistema adequado de pesos e contrapesos [checks & balances].

Em 1932, Hindenburg esperava controlar/administrar o inexperiente chanceler com a ajuda dos seus aliados dos partidos da direita tradicional e os titãs da economia germânica. Rivlin acredita que será possível bloquear uma astuta raposa política como Netanyahu em 2019 com a ajuda do título de “primeiro-ministro incapacitado” e com o auxílio de um político novato que o substituirá como primeiro-ministro em exercício. Mas a lição de 1933 deve acender milhares de luzes vermelhas.

Netanyahu foi contido na eleição de setembro, mas para se estar permanentemente livre da ameaça que ele constitui, deve ser negado a ele qualquer acesso ao poder. É necessário se preparar apropriadamente para uma terceira eleição – e o Kachol-Lavan, assim como os partidos à sua esquerda farão bem em aprender alguma coisa da lição de Weimar.

A política do Kachol Lavan de dizer que “está tudo muito normal” deve acabar, se esse organismo político (é ainda difícil chamá-lo de partido) não desejar ser lembrado do jeito que a História recorda o papel prestado pelo Partido Social Democrata na Alemanha de 1932.  O SPD temeu reconhecer a magnitude da responsabilidade que lhe cabia, de assumir uma postura corajosa e quebrar as velhas regras do jogo. O partido controlava os grandes sindicatos, mas se preocupava que os trabalhadores alemães não seguiriam adiante se fosse convocada uma greve geral caso Hitler fosse nomeado chanceler. O Kachol Lavan, também é temeroso de se afastar um milímetro das regras israelenses de decoro e patriotismo, por medo de que os eleitores chamados aqui de “soft right” o abandonem.

Mas, acima de tudo, o SPD era desconfiado de cooperar com o partido Comunista, assim como o Kachol Lavan fica constrangido de qualquer cooperação com a principal força que pode evitar o perigo da erradicação da democracia israelense: a Lista Única dos partidos árabes. As diferenças entre os comunistas e a Social Democracia Alemã em 1932 não eram menos agudas do que as entre o Kachol Lavan e a Lista Única hoje.

Os comunistas alemães eram leais à idéia de uma Alemanha no estilo soviético sob a liderança de Moscou, e esposavam a idéia da luta de classes, nacionalização da economia e outros princípios rígidos do marxismo-leninismo,

Na Lista Única, também há alguns que defendem transformações estruturais fundamentais do Estado israelense para um Estado “de todos seus cidadãos” em vez de um Estado Judeu,

Mas, diferentemente do partido Comunista na Alemanha, que teve dificuldade em romper a linha dura da doutrina soviética, a Lista Unida está sendo conduzida por uma personalidade corajosa e inspiradora no cenário político. Ayman Odeh avançou muito mais do que metade do caminho para chegar a um acordo com um organismo político eminentemente sionista. E está pronto para cooperar com ele – mesmo ao preço de um confronto amargo com interlocutores políticos na população árabe – de forma a repelir o perigo maior que ameaça a todos.

O Avodá/Gesher e a União Democrática também têm a aprender com as lições do terrível ano de 1932. Entre a eleição de 1930 e a de novembro|1932, as forças dos pequenos movimentos afiliados ao centro-progressismo, foram erodidas a um ponto em que praticamente desapareceram.

Para haver uma chance de evitar uma vitória de Netanyahu numa nova eleição – que ele parece estar forçando – esses dois pequenos partidos devem entrar num bloco com o Kachol Lavan, ou ao menos se unir e concorrer em conjunto.

O jurista alemão anti-nazista, Sebastian Haffner, que foi exilado de seu país em 1938, descreveu em suas memórias as horas finais da queda da República de Weimar: “Há poucas coisas tão cômicas como a calma e indiferença superiores com que eu e outros observamos o início da revolução nazista na Alemanha, como de um camarote do teatro. Era, afinal, um movimento com a intenção declarada de nos pôr para fora. Mais ou menos às 17h, os jornais vespertinos chegaram: ‘Formado o Gabinete de União Nacional – Hitler Reichschancellor.’”

Os alemães não girariam a roleta das eleições livres novamente por mais de 12 anos, após a ampla destruição que trouxeram sobre si mesmos e a Europa, por causa da falta de maturidade política que mostraram em 1932.

 

O Prof. Daniel Blatman é o chefe do Research Institute of Contemporary Jewry da Universidade Hebraica de Jerusalém e historiador-chefe do Museu do Gueto de Varsóvia.

 

[por Daniel Blatman | publicado no Haaretz em 13|10|2019 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR]

Comentários estão fechados.