Como se diz “Ku Klux Klan” em Hebraico?

As milícias judias geralmente atacam à noite. Na antiga tradição dos pogroms racistas, quando a noite cai, gangues de colonos mascarados descem pelas estradas e vilarejos da Cisjordânia em busca de meninos e meninas da raça desprezada. Seus membros bloqueiam estradas para fazer “seleções” e identificar carros com placas palestinas para atacar seus passageiros. Invadem casas, quebram vidros e põem fogo.

Isto tem acontecido todas as noites por mais de um mês, porque amigos de Ahuvia Sandak – um assim chamado “jovem das colinas” foi lamentavelmente morto quando estava sendo perseguido pela polícia de Israel – decidiram que os palestinos deviam pagar por sua morte. A ONG de direitos humanos Yesh Din (para quem presto assessoria legal) documentou até hoje 47 diferentes ataques noturnos nas últimas semanas, que causaram consideráveis danos materiais e ferimentos em pelo menos 14 pessoas. Centenas de agressores, poucas detenções, Recentemente, uma menina de 11 anos foi ferida na cabeça em seu vilarejo, Madama, e pedras foram atiradas no rosto de um menino de 5 (cinco) anos na Rodovia 60.

O establishment de segurança não fornece proteção efetiva, canais de TV israelense praticamente ignoram e a maior parte dos israelenses estão simplesmente apáticos.

O grupo de WhatsApp do Yesh Din, do qual participo, começa a buzinar todas noites entre 19 e 20 horas, com relatórios preliminares dos pesquisadores de campo da ONG, seguidos de meia a uma hora por uma torrente de videoclips e fotos. Outra família cujos vidros foram estilhaçados durante o jantar, outro motorista palestino quase morto na estrada, outro carro incendiado por vândalos, mais congestionamentos impedindo trabalhadores de chegar em casa após um dia de trabalho.

Ao mesmo tempo em que a violência dos colonos começa a disparar, começam os noticiários noturnos na TV. Mas as emissoras israelenses não enviam suas equipes para vilarejos palestinos, nem mesmo para a Rodovia 60, a principal artéria da Cisjordânia . Quando os noticiários reportam as agressões dos batalhões de supremacistas judeus (a maioria ignora), o fazem muito brevemente, a não ser que os vândalos ataquem policiais ou carros de patrulha. Também quando há prisões em massa. Se as vítimas forem não-judias, se as casas atacadas não tiverem uma mezuzá à porta, a notícia não terá muito destaque.

"Expulsar ou Matar"

“Expulsar ou Matar”

Mas a informação está disponível para quem se interessar: Nas contas de mídia social de ONGs de Direitos Humanos ou em site de notícias “de esquerda”, incluindo o deste jornal [Haaretz], pode-se ver vídeos assustadores de passageiros palestinos sendo atingidos por pedras que quebram seus para-brisas . Pode-se ver fotos de casas após serem invadidas por gangues de judeus, com cacos de vidro espalhados pela cozinha e dormitórios, e os rastros sangrentos deixados por feridos se arrastando. Pode-se ver também imagens de crianças feridas, de uma menina com o nariz sangrando e inchado, de um menino pequeno chorando numa ambulância do Crescente Vermelho, seu rosto ferido e sangrando, atingido por uma pedra.

E mesmo que eu faça todo esforço para afastar esses pensamentos da minha cabeça, as imagens dessas crianças e seus pais evocam outras imagens. O olhar aterrorizado nos olhos dessas pessoas que não tem para onde correr e provavelmente ninguém para protegê-los. Lembram-me de fotos de outros lugares e tempos. Fotos de judeus. Outros judeus. Fotos de janelas quebradas de casas e lojas de judeus. O pensamento de que descendentes daqueles perseguidos naqueles tempos atravessaram para o outro lado da pedra e da janela estilhaçada – esse pensamento é de congelar o sangue.

Seria bom para todos descobrir se o assim chamado exército mais poderoso do Oriente Médio não é capaz ou realmente não está tentando deter essa Ku Klux Klan hebréia. No final das contas, é claro que aqueles subjugados pela Ocupação israelense foram abandonados à  crueldade dos Ocupantes, como resultado da fraqueza do exército e das autoridades responsáveis pela imposição da Lei. Os fatos correntes mostram que o establishment de segurança não fornece proteção efetiva, os canais de TV israelenses mal o reportam e que a maior parte dos israelenses – que não participam desses ataques e provavelmente se opõem a eles – são simplesmente apáticos.

A direita vai ganhar a próxima eleição. Pesquisas de opinião pública dão a impressão de que, de uma perspectiva política, esta é uma eleição para o Conselho de Judéia e Samária [dos assentamentos na Cisjordânia]. A mídia foca em diferenças internas com relação à atitude frente ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu (que é sem dúvida importante e tem consequências reais) – a verdade deve ser dita: Quando se trata do conflito israelense-palestino, a direita colonialista criou uma rede de partidos que são clones ideológicos.

Esta é uma jogada brilhante. Como um monopólio que cria filiais mascaradas como concorrentes, que tomam o dinheiro de consumidores fartos da marca principal. No final, o dinheiro acaba no mesmo bolso.

O bolso que se enche com a perpetuação da Ocupação, negando direitos para os Ocupados, promovendo anexação e apartheid. Não admira que nenhum dos líderes dos partidos “alternativos” vestiu luto e cinzas ao ver seus correligionários judeus atacando brutalmente gente desprotegida nos Territórios Ocupados.  Gideon Sa’ar, Naftali Bennett, Avigdor Lieberman (nem é preciso mencionar Bezalel Smotrich, que uma vez chamou sua ralé para bloquear estradas a palestinos) – não se atrevam a dizer depois que “nossas mãos não derramaram este sangue”.

Silêncio significa abandono. Seu silêncio é ouvido por policiais, soldados, oficiais jornalistas e toda população israelense.


Michael Sfard é um advogado israelense que representa várias ONGs, movimentos e ativistas, israelenses e palestinos de Direitos Humanos e pró-paz. É um especialista em Leis Humanitárias e de Direitos Humanos internacionais.

É assessor legal da ONG Yesh Din (yesh-din.org) – Voluntários pelos Direitos Humanos na Cisjordânia e Israel.

 

 

[ por Michael Sfard | Haaretz | 01|02|2021 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR ]

 


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