Opinião | Como Israel desperdiçou sua vitória fulminante na Guerra de Seis Dias

Analisada 55 anos depois, a guerra foi, ao mesmo tempo, uma vitória dramática e a possível semente da morte de Israel como o Estado-Nação democrático do povo judeu

[ por Chuck Freilich | Haaretz 02!06!2022 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR | www.pazagora.org ]

Em junho de 1967, quando a Guerra dos Seis Dias eclodiu, Israel tinha acabado de completar 19 anos, um Estado jovem corajoso que ainda vivia na sombra imediata do Holocausto. Israel estava cercado por Estados inimigos declarados à sua destruição, e estava profundamente temeroso de que a guerra terminasse com a aniquilação de grande parte dos judeus remanescentes do mundo.

Israel estava profundamente isolado. Os Estados Unidos, com quem as relações ainda eram limitadas, declararam neutralidade. A URSS cortou as relações. A França, aliada estratégica de Israel na época, ignominiosamente abandonou-o pouco depois. A hostilidade árabe estava no seu auge.

Quando a guerra terminou, com o triunfo dramático de Israel, todo o povo judeu soltou um suspiro coletivo de alívio. Israel tornou-se o queridinho de grande parte do mundo, especialmente nos EUA, assimcomo os judeus americanos de repente encontraram um novo orgulho em sua associação com aqueles “judeus combatentes”. Ser judeu tornou-se ‘legal’. E Israel ficou intoxicado por sua nova vida e seu alcance territorial.

Como em todos os pontos de virada históricos, nenhuma observação única pode encapsular a totalidade do que aconteceu. A guerra foi a primeira de uma série de desenvolvimentos que transformaram as circunstâncias estratégicas de Israel.

Até a Guerra dos Seis Dias, grande parte do mundo árabe estava convencida de que a existência de Israel e as vitórias anteriores eram um inexplicável e intolerável acaso histórico, que logo se corrigiria com sua derrota e destruição. A vitória de Israel em 1967 foi tão esmagadora, no entanto, que não poderia mais ser descartada, ou explicada, e um reconhecimento nascente começou a se formar de que Israel estava aqui para ficar.

Esse reconhecimento não ocorreu uniformemente entre, ou dentro dos Estados árabes e não se tratava de reconciliação, mas sim da aceitação de uma realidade amarga. Começou, no entanto, uma lenta transformação do conflito de um que questionava a própria existência de Israel, para uma disputa sobre territórios – um processo a que foi dado um grande impulso, seis anos depois, pela dramática recuperação de Israel do ataque surpresa de 1973 [A ‘Guerra do Yom Kipur]. Se Israel não pôde ser derrotado mesmo em circunstâncias tão propícias, os Territórios Ocupados só poderiam ser recuperados pela diplomacia, não pela guerra.

A Guerra dos Seis Dias proporcionou a Israel, pela primeira vez, um mínimo de profundidade estratégica, substituindo o que Abba Eban havia chamado de “fronteiras de Auschwitz” de Israel por “defensáveis”. A Cisjordânia adicionou mais de 30 milhas à “cintura estreita” de 8,7 milhas de largura de Israel, ao norte de Tel Aviv, enquanto as Colinas de Golã colocavam grande parte do norte de Israel além do alcance de artilharia síria. Jerusalém não estava mais ao alcance de armas lever. O Sinai tornou-se uma ampla zona-tampão entre Israel e o Egito.

A guerra também foi um ponto de inflexão nas relações EUA-Israel. Em vez do Estado fraco que os EUA – no auge da Guerra Fria – temiam que se tornasse um fardo estratégico e moral e complicasse seus laços com os Estados árabes mais numerosos e ricos em petróleo, os EUA agora passaram a ver Israel como um ator militarmente capaz e potencial parceiro. Levaria até a década de 1980 para que essa percepção em mudança preparasse o cenário para o surgimento de uma aliança estratégica de profundidade e riqueza quase sem precedentes, incluindo uma garantia de segurança de fato dos EUA para a existência de Israel.

Essa “relação especial” é um dos resultados críticos da Guerra dos Seis Dias. A partir do Estado fraco e ameaçado das primeiras décadas, Israel tornou-se um Estado estabelecido e fundamentalmente seguro, capaz (de acordo com a linguagem diplomática americano-israelense ) de “defender-se, por si só, contra qualquer combinação de ameaças regionais”, cuja existência não está mais verdadeiramente em dúvida. Israel tem relações hoje com mais países do que nunca, paz formal com seis Estados árabes e laços informais com outros, e está cada vez mais integrado à região. Israel desfruta de um padrão de vida médio europeu e tornou-se um centro global de alta tecnologia.

Por essas e outras razões, a Guerra dos Seis Dias essencialmente acabou com a fase existencial do conflito entre Israel com os Estados árabes. Até aqio a boa notícia.

As fronteiras “defensáveis” que Israel ganhou em 1967 permitiram que resistisse ao ataque surpresa de 1973, mas não impediram hostilidades desde então. Além disso, o controle de Israel sobre os novos territórios realmente fortaleceu a motivação árabe para ir para a guerra, pois o Egito, a Jordânia e a Síria haviam agora perdido território próprio. O apoio aos palestinos era uma coisa, território próprio, uma questão totalmente diferente.

A suposição de Israel, após a guerra, de que trocaria “terra pela paz”, foi imediatamente despedaçada pelo infame “Três Nãos” da Cúpula da Liga Árabe em Cartum (setembro de 1967) – não ao reconhecimento de Israel, não a negociações e não à paz – e finalmente se mostrou bem sucedida apenas em relação ao Egito. A Síria não estava disposta a fazer a paz, apesar da oferta de Israel de se retirar das Colinas de Golã em 2000, e os palestinos rejeitaram propostas dramáticas para um Estado em essencialmente toda a Cisjordânia e Gaza em três ocasiões.

Nestas circunstâncias, uma suposição relacionada das primeiras décadas – aquela que diz que Israel deveria acabar com todos os grandes conflitos no controle de mais território do que tinha no início, para uso como cartão de negociação – também perdeu grande parte de sua validade. Além disso, a amarga experiência na Cisjordânia imbuíu Israel com uma profunda aversão à ocupação de populações hostis adicionais, mesmo quando a necessidade militar pudsse exigir isso. Esta é uma das principais razões pelas quais Israel se absteve nas últimas décadas de ocupar temporariamente o Líbano, ou Gaza – indiscutivelmente a única maneira eficaz de lidar com as ameaças dos foguetes Hezbollah e do Hamas – e, em vez disso, adotou uma abordagem amplamente defensiva.

Até 1967, a maioria dos palestinos viviam sob controle egípcio ou jordaniano. A ocupação da Cisjordânia (e de Gaza até 2005), juntamente com a própria população árabe (palestina) de Israel, agora trouxe a maioria dos palestinos ao controle de Israel. Na verdade, Israel subsumiu a questão palestina em si mesma, assumindo o fardo tanto de seus assuntos cotidianos quanto das aspirações nacionais. O que antes era uma questão inter-estatal, entre Egito, Jordânia e Israel, tornou-se agora problema de Israel, e cada vez mais a de dois nacionalismos conflitantes.

A humilhante derrota árabe em 1967, especialmente do egípcio Nasser e do pan-arabismo que ele havia defendido, minou a posição dos regimes árabes e abriu caminho para uma nova mudança dramática. Em 1974, na Cúpula de Rabat, a Liga Árabe proclamou que a OLP era agora o único representante legítimo do povo palestino e que o Egito e a Jordânia não deveriam mais representá-los Juntamente com a paz posterior entre o Egito e Israel, a Cúpula de Rabat marcou o fim da etapa inter-estado do conflito árabe-israelense e sua quase completa “palestinização”.

Mais controversamente, e indiscutivelmente com maior consequência histórica, a guerra desencadeou latentes fprças messiânicas e nacionalistas na sociedade israelense, que agora buscavam afirmar a soberania e tomar toda a Israel bíblica. A comunidade internacional logo iria ver os assentamentos não apenas como um obstáculo à paz, mas também como uma ameaça quase inexplicável e contraproducente ao caráter de Israel como um Estado predominantemente judeu e totalmente democrático, seu objetivo de segurança nacional proeminente e sua própria razão de ser.

A incapacidade de se separar da Cisjordânia e a anexação de fato tornaram-se a maior ameaça à segurança nacional de Israel.

Em vez de ser um tampão de segurança, a Cisjordânia tornou-se uma fonte primária de terrorismo e um fardo militar para o EDI. Nada prejudicou a posição internacional de Israel mais do que os assentamentos. Grande parte da esquerda americana e europeia, as fontes de apoio mais fortes de Israel em 1967, o revogam hoje e acusam Israel de ser um obstáculo à paz e um ocupante brutal. O sentimento pró-Israel nos EUA não é mais ‘legal’, especialmente entre os jovens, mesmo os judeus. Israel tornou-se tão controverso que rabinos e educadores foram proibidos por algumas congregações de oferecer programação relacionada a Israel.

O mais importante, se alguém tomar as populações combinadas de Israel e da Cisjordânia, apenas 60% são agora judeus. O movimento sionista nunca procurou definir uma porcentagem da população que deve ser judia para Israel ser “um Estado judeu”, mas uma proporção de 60:40 simplesmente não serve. O controle da Cisjordânia está rapidamente transformando Israel em um Estado binacional.

Alguns tiram uma conclusão simplista em preto e branco. Israel pode dar aos palestinos o direito de votar no Knesset, e perder seu caráter judeu, ou recusar-se a fazê-lo, e deixar de ser uma democracia. A democracia, no entanto, não é absoluta. Os três milhões de residentes de Porto Rico – todos cidadãos americanos – não podem votar no Congresso ou no presidente, apenas no legislativo local. No caso de Israel, da mesma forma, os palestinos continuariam a ter o direito de votar na Autoridade Palestina, não no Knesset.

Isso seria um golpe para a qualidade da democracia israelense? Sim, mas não a sua morte. O problema real é que a perpetuação da situação atual não prevê a resolução das aspirações nacionais palestinas. Garante a continuação dos conflitos e leva inexoravelmente ao resultado de um Estado Binacional.

Alguns acreditam ingenuamente que a solução “de Um Estado” seja uma solução nova e mais democraticamente apropriada para o conflito. Na realidade, foi a posição árabe desde os primeiros dias do conflito, que Israel rejeitou veementemente e que a comunidade internacional, que universalmente passou a abraçar a Solução de Dois Estados, também rejeitou. Aqueles interessados em saber como é um Estado Binacional no Oriente Médio, não precisam olhar além da Síria ou do Iraque. Ambos foram devastados por tensões sectárias.

Este é o futuro que o “campo nacionalista” de Israel, sua direita, pró-anexação, maximalistas pró-assentamentos, defende.para nós,

Cinquenta e cinco anos após a Guerra dos Seis Dias, as perspectivas de uma Solução de Dois Estados parecem mais fracas do que nunca, mas uma alternativa viável ainda não foi proposta.

A Guerra dos Seis Dias foi uma vitória militar dramática que garantiu a sobrevivência de Israel … e a possível semente de sua morte final como o Estado-nação democrático do povo judeu.

Chuck Freilich foi conselheiro de segurança nacional em Israel; é autor de “Israeli National Security: A New Strategy for an Era of Change”e do próximo “Israel and the Cyber Threat: How the Startup Nation Became a Global Superpower”.

[ por Chuck Freilich | Haaretz 02!06!2022 | traduzido pelo PAZ AGORA|BR | www.pazagora.org ]

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