Como um grupo de colonos judeus arrecadou milhões para criar postos avançados ilegais na Cisjordânia

A organização de colonos Nachalá anunciou que criaria três postos avançados da Cisjordânia na quarta-feira. Mesmo sendo isso ilegal, ela levantou cinco milhões de shekels para a operação, em apenas três dias, através de grupos afiliados, um aplicativo de transferência de dinheiro e uma plataforma de crowdfunding da poderosa seita religiosa Chabad.

[ por Hagar Shezaf  (Haaretz 20|07|22) e Tovah Lazaroff (Jerusalem Post 19-21|07|22) | traduzido e editado pelo PAZ AGORA|BR  |  www.pazagora.org ]

Convenção do Nachalá em maio|22 prepara a criação de outposts ilegais

Convenção do Nachalá em maio|22 prepara a criação de outposts ilegais

O esforço de captação de recursos da ordem de US$ 1,4 milhão foi realizado publicamente, apesar da intenção de Nachalá de usar os fundos para fins ilegais.

O ministro da Defesa Benny Gantz ordenou às forças de segurança  para impedir o estabelecimento dos postos avançados e expressou preocupação de que as pessoas pudessem pensar erroneamente que fazê-lo é legal. A polícia disse que se mobilizaria para impedir seu estabelecimento, mas nem a polícia, o serviço de segurança Shin Bet ou o escritório de Gantz responderam às perguntas de Haaretz sobre quais medidas tomaram em resposta ao esforço de arrecadação de fundos.

Na terça-feira à noite, ativistas do Nachalá receberam mensagens dizendo que a primeira etapa da operação seria chegar aos locais alvo, hastear bandeiras israelenses e montar complexos de tendas para famílias e adolescentes.

O Nachalá não é uma organização sem fins lucrativos registrada, então para arrecadar dinheiro, ela recebe ajuda de outros grupos, empregando organizações recém-fundadas que efetivamente funcionam como seus braços de arrecadação de fundos.

Em primeiro lugar, vem a ‘Geulá Titnu La’aretz‘ (“A terra será redimida”), criada em 2017, que foi a organização através da qual foi arrecadado o dinheiro para o posto avançado de Evyatar perto de Nablus – a operação mais bem sucedida e visível de Nachalá nos últimos anos.

A ‘Geula Titnu La’aretz’ não apresentou relatórios anuais ao Registro de Associações Sem Fins Lucrativos, conforme exigido por lei, nos últimos dois anos e, como resultado, perdeu sua certificação de cumprimento das práticas administrativas adequadas no início do ano. Relatórios que apresentaram em anos anteriores não mencionam o Nachalá, mas os líderes deste último, Daniella Weiss e Zvi Elimelech Sharbaf [fotos abaixo], também são os fundadores de ‘Geula Titnu La’aretz’.

   

As duas organizações publicaram relatórios diferentes sobre quanto dinheiro levantaram no passado. O Nachalá anunciou que arrecadou 1,1 milhão de shekels através de crowdfunding em 2019, enquanto a ‘Geulá Titnu La’aretz’ comunicou ao Registro de Associações no mesmo ano que arrecadou apenas 482.000 shekels.

Dirigentes do Nachalá e do Conselho Regional da Samária reunidos em Evyatar

Dirigentes do Nachalá e do Conselho Regional da Samária reunidos no posto ilegal Evyatar

Weiss confirmou que a ‘Geulá Titnu La’aretz’ é o braço de arrecadação de fundos do Nachalá e que as doações são canalizadas através dela. O Nachalá publicou na plataforma do grupo que, desde 2018, arrecadou mais de 8 milhões de shekels através de crowdfunding. A campanha de arrecadação de fundos do Nachalá também é sustentada através de transferências bancárias para outra organização, a ‘S’eu Ziona Nes Vadegel’. Esse grupo já empregou Sharbaf como diretor de atividades.

Sharbaf é um conhecido ativista do movimento de assentamentos. Seu pai, Uzi Sharbaf, foi membro de organizações secretas judaicas,  que planejou ataques terroristas contra árabes no início da década de 1980, enquanto seu avô, o rabino Moshe Levinger, foi um dos fundadores do assentamento judeu em Hebron há 50 anos      

A plataforma de crowdfunding informa aos doadores americanos, que podem fazer doações dedutíveis de impostos para a campanha através de outra organização, a Ne’eman Foundation EUA. Mas, em resposta às perguntas de Haaretz, a fundação disse que “não estava ciente da atividade planejada, não financia atividades ilegais e foi removida da campanha de crowdfunding charidy em conformidade”.

De acordo com a descrição da operação do posto avançado em seu site de crowdfunding, as doações serão depositadas na conta de Geulá Titnu La’aretz no Banco Leumi e a organização emitirá recibos para doadores. Na semana passada, o advogado Shachar Ben-Meir notificou o consultor jurídico do banco, avisando que o dinheiro era destinado a fins ilegais. Em resposta, o Bank Leumi negou que estivesse envolvido em qualquer irregularidade, mas disse que não pode comentar as alegações específicas devido à confidencialidade bancária. O banco não respondeu às perguntas de Haaretz.

Outro advogado, Eitay Mack, entrou em contato com a Autoridade de Lavagem de Dinheiro do Ministério da Justiça e com o supervisor de bancos do Ministério das Finanças para exigir que congelassem todos os fundos doados e abrissem uma investigação. Ele ainda não recebeu uma resposta.

Várias organizações de esquerda anunciaram que enviariam ativistas para a Cisjordânia para tentar impedir o estabelecimento dos postos avançados. “Se o governo, a polícia e o exército optarem por se curvar às milícias de Ben-Gvir e Smotrich, vamos pará-los nas colinas”, disse o PAZ AGORA em um comunicado, referindo-se aos deputados de extrema-direita Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich do partido sionismo religioso.

Na semana passada, o Nachalá realizou uma conferência online com 500 participantes apelidada de “Torre e Paliçada 2022”, em alusão a operações para estabelecer novas comunidades durante a fase anterior ao Estado de Israel [durante o Mandato Britânico]. Sharbaf disse aos participantes que a  organização estava se preparando para criar três novos locais na Cisjordânia. Os ativistas começarão montando tendas, “mas com o objetivo de permanecer permanentemente”.

Sharbaf disse que grandes tendas seriam erguidas em cada posto avançado para servir como sala de estudos, creche e centro juvenil. Foram oferecidas às famílias individuais a opção de comprar kits subsidiados que incluíam um carregador portátil de celular, um toldo, um tapete e iluminação. Cada família também receberá um banheiro, desinfetante para as mãos e lenços umedecidos, “para facilitar a permanência das pessoas no campo”, acrescentou.

Os organizadores da conferência dedicaram muito tempo às suas ambiciosas metas de arrecadação de fundos, explicando que os custos da operação “são muito altos”. O dinheiro será usado para pagar a logística e os kits subsidiados, afirmaram.

As despesas “são muito altas”

 Sharbaf disse aos participantes que a organização estava se preparando para criar três novos locais na Cisjordânia. Os ativistas começaram montando tendas, “mas com o objetivo de permanecer permanentemente”. “O povo de Israel retornou à sua terra”, disse Zvi Elimelech Sharbaf a várias centenas de ativistas que se reuniram na junção de Gush Etzion antes de se dirigirem a um dos seis locais de acampamento.

Ativistas preenchem formulários do Nachalá

Os organizadores da conferência dedicaram muito tempo às suas ambiciosas metas de arrecadação de fundos, explicando que os custos da operação “são muito altos”. O dinheiro será usado para pagar a logística e os kits subsidiados, afirmaram. Sharbaf disse aos participantes que a organização estava se preparando para criar três novos locais na Cisjordânia. Os ativistas começaram montando tendas, “mas com o objetivo de permanecer permanentemente”.

“Se, deus nos livre, eles nos removerem, nós voltaremos”, acrescentou. “Se eles nos levarem de uma colina, vamos mudar para outra colina.”

Weiss descreveu a ‘Geulá Titnu La’aretz’ como o braço oficial de arrecadação de fundos do Nachalá. Questionada sobre a finalidade ilegal para a qual o dinheiro está sendo levantado, ela disse: “Do ponto de vista financeiro, tudo está sendo executado como deveria; em relação ao dinheiro, tudo está em ordem. Quando precisamos de cartazes, compramos cartazes; agora, quando precisamos de equipamentos para ‘subir’ [para estabelecer postos avançados], compramos equipamentos.”

Ela também disse que recentemente tem procurado em assentamentos por casas pré-fabricadas abandonadas que poderiam ser reformadas e transferidas para os novos postos avançados. Mas a maior parte do dinheiro arrecadado é usado para publicidade, incluindo a execução de anúncios em jornais, acrescentou.

Weiss disse que os mesmos métodos foram usados para arrecadar 3 milhões de shekels para estabelecer Evyatar, embora uma parte significativa do trabalho tenha sido feito por voluntários. Em Evyatar, os voluntários fizeram “dois terços” do trabalho no local, acrescentou.

Sharbaf não respondeu às perguntas de Haaretz sobre o envolvimento de ‘Geula Titnu La’aretz’ na captação do dinheiro. Ele também não respondeu às perguntas sobre o Nachalá.

Um milhão de shekels anonimamente

A doação mais gorda para a campanha atual foi de um doador anônimo que deu um milhão de shekels em memória a Levinnger e sua família, para o Nachalá.

Por exemplo, Judy Freedman Kadish, diretora da ‘Americans for a Safe Israel’, disse ao Haaretz que quando o dinheiro estava sendo arrecadado para Evyatar, um de seus doadores pediu para igualar qualquer quantia doada ao posto avançado pelos membros da organização enquanto permaneceu anônimo.

Nachalá também relatou ter recebido doações correspondentes de outras organizações, incluindo Amigos do Nachalá Canadá, Amigos do Nachalá Austrália e Amigos do Nachalá Israel. Mas quem está por trás desses títulos permanece desconhecido.

Parte do dinheiro arrecadado pela Nachalá para suas atividades ao longo dos anos é recebido através do popular aplicativo de transferência de dinheiro do Israel Discount Bank, PayBox. Foi assim que uma parte das doações para as operações na Evyatar foi arrecadada, bem como para o atual impulso para a criação de novos postos avançados.

mentos Daniella Weiss fala ao Nahala

Além de suas operações de construção de postos avançados, o Nachalá também atua na compra de terras privadas de palestinos, diz ela. Para isso, disse Weiss, em 2017 fundou uma empresa de benefício público chamada ‘Hakupá Haleumit Lebinyan Eretz Yisrael‘ (Fundo Nacional para a Construção da Terra de Israel), cujas ações pertencem a Weiss e Sharbaf, entre outros. De acordo com registros disponíveis publicamente, não realizou nenhum negócio imobiliário desde sua fundação, mas recebeu contribuições de cerca de 1 milhão de shekels nos últimos anos.

Ao contrário da Hakupah Haleumit, a organização sem fins lucrativos ‘Geula Titnu La’aretz’ declarou suas operações imobiliárias, e seus relatórios financeiros revelam que, em 2018, assinou um contrato com uma empresa que detinha os direitos de construir na área do Conselho Regional de Mateh Binyamin, na Cisjordânia. A organização também informou que recebeu adiantamentos de potenciais compradores no valor de mais de 2 milhões de shekels, possivelmente para comprar a parcela de terra em Mateh Binyamin.

Não está claro nos relatórios financeiros da organização se a compra já foi finalizada. Weiss disse que em janeiro, Hakupah Haleumit planejava realizar um leilão de terras compradas ao lado do assentamento de Ofra localizado em Mateh Binyamin, mas nunca foi realizado. Não está claro se esta é a mesma parcela de terra de propriedade da empresa. O leilão ainda não foi realizado. “Não tivemos tempo, mas chegará o dia”, disse Weiss.

Em resposta a este artigo, o Paybox disse: “Obrigado por direcionar nossa atenção. O PayBox opera de acordo com as instruções das leis aplicáveis, e está examinando, conforme necessário, de acordo com estas instruções as atividades de seus usuários. Como fica claro em nossos termos de serviço, o aplicativo não pode ser utilizado para fins de atividades proibidas por lei. Devido aos requisitos de confidencialidade que se aplicam, não podemos comentar esses exemplos concretos.”

Sobre ‘Geula Titnu La’aretz’ e sua captação de recursos para a operação dos postos avançados, o Registro de Organizações Sem Fins Lucrativos disse: “As informações apresentadas em sua solicitação não são conhecidas do registro e, portanto, foram repassadas aos funcionários competentes da unidade. Esses funcionários examinarão as informações, juntamente com outros dados, e depois determinarão se é apropriado conduzir um processo de supervisão sobre a questão da organização sem fins lucrativos, conforme mencionado, de acordo com o plano de trabalho anual do registro e de acordo com sua política e julgamento abrangente.”

O PAZ AGORA declarou: “O estabelecimento de novos postos terroristas, com uma campanha pública apoiada pela direita messiânica, é um ataque bem planejado contra o interesse israelense. Isso não pode acontecer”.
As autoridades removeram os milhares de infratores dentro de 24 horas.

[ por Hagar Shezaf  (Haaretz 20|07|22) e Tovah Lazaroff (Jerusalem Post 19-21|07|22) | traduzido e editado pelo PAZ AGORA|BR  |  www.pazagora.org ]

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