Começo de uma Nova Intifada ?

O que está impedindo a onda de terror na Cisjordânia de se tornar uma revolta palestina total

Parece que, por enquanto, a maioria dos palestinos prefere uma renda segura do que arriscar um novo surto com consequências imprevisíveis. Mas pontos críticos como Jerusalém e Nablus persistem, e a possibilidade de Gaza se juntar à violência é grande ■ Nova pesquisa [que o resultado das recentes eleições confirma] mostra que o extremismo também aumentou no público israelense  ■  Os extremistas dos dois lados se retroalimentam, ditando um futuro sombrio

Amos Harel
[ por Amos Harel  |  Haaretz  |  25|11|2022  |  traduzido pelo PAZ AGORA|BR  |   www.pazagora.org ]
 
 

Na análise da situação dos territórios ocupados, cada um dos órgãos de inteligência enfatiza seu engajamento com o que lhe é mais próximo – ou mais precisamente, o que alimenta seus pesadelos.

O serviço de segurança Shin Bet busca indícios de uma organização terrorista profissional, com capacidade de causar maior destruição em ataques. Nas Forças de Defesa de Israel, a Inteligência Militar está preocupada com as consequências de fenômenos de nível mais popular. O grupo Lion’s Den, em Nablus, que agora foi enfraquecido pela forte pressão exercida por Israel, incendiou a imaginação da geração jovem na Cisjordânia e corroeu o controle efetivo da Autoridade Palestina. O exército teme que imitações se espalhem por outras cidades.

 

Nesta quarta-feira, os pesadelos do Shin Bet se tornaram realidade. Pela primeira vez em seis anos e meio, dispositivos explosivos foram usados ​​para perpetrar ataques mortais em Jerusalém . Um esquadrão terrorista plantou dois dispositivos, que foram detonados remotamente, quase simultaneamente, em dois pontos de ônibus da cidade. Um estudante de yeshivá de 16 anos, Aryeh Shechopek, foi assassinado e 22 civis ficaram feridos. Isso parece obra de um grupo terrorista proficiente e organizado: um ataque duplo bem pensado em termos de planejamento e tempo.

Sob o nariz do sistema de defesa, um esquadrão palestino, na Cisjordânia ou em Jerusalém Oriental, está novamente montando bombas assassinas. O incidente ocorreu cerca de uma semana após o esfaqueamento e o atropelamento em que três civis foram assassinados próximos ao assentamento Ariel na Cisjordânia.

 
bombardeio gêmeo de Jerusalém
Bombardeio duplo em Jerusalém

A atual onda de terrorismo, na Cisjordânia – e também dentro da Linha Verde – começou com ataques em Be’er Sheva e Jerusalém há cerca de oito meses. A maioria dos incidentes está ocorrendo no norte da Cisjordânia, seguidos de incursões do exército israelense em campos de refugiados e centros urbanos à procura de suspeitos. Mas também persiste a atividade terrorista contínua de lobos solitários, de grupos que se organizam localmente e, aqui e ali, esquadrões mais eficazes, dirigidos por organizações estabelecidas. Juntamente com a atividade preventiva contínua, o pessoal de inteligência está atento a um ponto crítico – um evento específico ou uma nova tendência que colocará os lados em um curso mais perigoso e de alta intensidade, semelhante a uma terceira intifada.

Isso ainda não aconteceu, principalmente porque o grande público na Cisjordânia não está aderindo aos confrontos. O EDI e o Shin Bet atribuem essa relutância ao que chamam de ‘preço da perda’. Enquanto seus empregos – em Israel e nas zonas industriais dos assentamentos – não forem afetados, a maioria dos palestinos na Cisjordânia parece preferir um meio de vida seguro ao risco de outro confronto em larga escala, que não necessariamente produzirá melhores resultados políticos do que seus antecessores.

Os potenciais pontos de inflamação são conhecidos. Jerusalém é uma fonte permanente de preocupação, principalmente no contexto religioso, em conexão com o Monte do Templo. Também perturbando os chefes de segurança está o prolongado atrito entre palestinos e colonos, particularmente na área dos postos avançados de colonos ao redor de Nablus. Um exemplo é a vila de Hawara , localizada na entrada sul de Nablus.

Colonos atiram pedras em palestinos perto da aldeia de Hawara, na Cisjordânia 

Veículos israelenses são frequentemente apedrejados e, em resposta, seus passageiros atacam propriedades palestinas e, às vezes, moradores locais. O que durante anos foi considerado um trecho de estrada relativamente calmo, que servia a ambas as populações, voltou a ser um vórtice de violência persistente. Em muitos sentidos, a morte de militantes armados em confrontos com o EDI era percebida na Cisjordânia como parte do preço do confronto. A morte de crianças ou mulheres, especialmente em confrontos contra colonos, é vista como algo totalmente diferente.

 

Mensagens aos palestinos

Outra questão diz respeito à escala do envolvimento das organizações terroristas nos acontecimentos que se desenrolam na Cisjordânia. Se a responsabilidade pelo ataque terrorista em duas frentes desta semana em Jerusalém for do Hamas ou do esquadrão da Jihad Islâmica que recebeu instruções da Faixa de Gaza, Israel enfrentará o dilema de responder em Gaza e, assim, colocar em risco o silêncio que prevaleceu ali nos últimos três meses.

Ontem, o Shin Bet anunciou que prendeu pela primeira vez um trabalhador palestino de Gaza. O homem, que tinha autorização para trabalhar em Israel, é suspeito de planejar a detonação de um artefato explosivo em um ônibus no sul do país. Ele já havia montado a bomba, instruído por membros da Jihad Islâmica.

O governo em final de mandato assumiu um risco quando decidiu permitir que os moradores de Gaza trabalhassem em Israel novamente. Este último ataque planejado põe em risco a subsistência de 17.000 trabalhadores de Gaza em Israel. Juntamente com os ataques em Jerusalém, e dado o trauma israelense sobre ataques terroristas a ônibus, também atesta uma escalada significativa. Alguém decidiu aumentar a aposta.

Outro motivo de preocupação é o afrouxamento do controle pela Autoridade Palestina do norte da Cisjordânia. Uma saga de dois dias terminou na manhã de quinta-feira, quando o corpo de um jovem druso, Tiran Ferro, que havia sido sequestrado por indivíduos armados de um hospital em Jenin, foi devolvido a Israel.

Juntamente com os Estados Unidos, países árabes e as Nações Unidas, Israel exerceu forte pressão sobre a Autoridade Palestina para que o corpo fosse devolvido, e a liderança palestina conseguiu. O Estado-Maior do EDI elogiou, com razão, a coordenação de segurança, que como sempre foi bem conduzida pela unidade do Coordenador de Atividades Governamentais nos Territórios, sob a liderança do General Ghasan Alyan. Mas o próprio fato de um incidente tão bizarro ter ocorrido mostra que a anarquia impera em Jenin, em um nível quase somali

 

No fundo, existe uma certa contribuição das evoluções políticas em Israel. Os palestinos, que acompanham de perto tudo o que acontece aqui, detectam duas mensagens da composição do novo governo que se forma. Em primeiro lugar, não há chance de qualquer tipo de negociação diplomática ser retomada, pelo menos enquanto o governo Biden não forçar negociações entre as partes (os americanos não tem demonstrado tal intenção). E segundo, sob o novo governo, os extremistas de direita ocuparão pela primeira vez uma série de posições-chave. Os colonos e seus apoiadores exercerão maior influência na política do dia-a-dia e em questões como a legalização de postos avançados de colonos e a construção palestina na Área C da Cisjordânia. Caso ocorra uma nova escalada, as demandas dos colonos, como pedidos de medidas militares ferozes, terão uma audiência mais favorável.

Smotrich e Netanyahu: o discípulo supera o mestre na destuição da Democracia
 

Mudança Radical

Também é impossível ignorar o impacto da retumbante vitória eleitoral da direita nos acontecimentos do último fim de semana em Hebron. Cerca de 30.000 judeus desceram à cidade para o Shabat Chaiei Sara . Dezenas, senão centenas, danificaram propriedades palestinas e atiraram pedras contra moradores árabes de Hebron. Os eventos, que os palestinos descreveram como os mais graves do gênero em anos, mal geraram interesse em Israel. Algumas pessoas da mídia começaram a tagarelar, os porta-vozes dos colonos hesitaram em suas reações, e o primeiro-ministro designado e seus prováveis ​​nomeados ministeriais ficaram em silêncio. Dois indivíduos de extrema direita foram detidos sob suspeita de atacar uma soldada e uma policial de fronteira, mas ninguém deve ter a expectativa de que os dois supostos agressores enfrentem o rigor da lei.

Soldados e colonos israelenses em Hebron

Dado o caráter do provável novo governo, nada disso deveria ser uma surpresa. As implicações das mudanças são compreendidas tanto pelos ativistas de extrema-direita quanto pelos soldados e policiais. Alguns anos atrás, Naftali Bennett, que depois se tornaria primeiro-ministro, lançou uma campanha política sob o slogan “Chega de pedir desculpas”. Quando se trata de eventos violentos nos territórios, a direita há muito deixou de pedir desculpas. O método é simples: quando palestinos ou jornalistas alegam que soldados ou colonos agiram com brutalidade, isso precisa ser negado imediata e completamente. E se a alegação for documentada por evidências contundentes, como um videoclipe, basta aumentar o volume. Tudo o que é feito no âmbito do confronto com os palestinos é justificado por sua própria natureza, independentemente das circunstâncias.

O deputado Itamar Ben-Gvir (Otzmá Yehudit/Sionismo Religioso) e seus partidários já estão prometendo regras permissivas de conduta para policiais e soldados, com total apoio a ser dado a cada tiroteio. Não é certo que essas regras sejam consagradas na lei, mas o espírito do comandante será traduzido em política em dois níveis: entre os comandantes subalternos no terreno e entre o pessoal de investigação, na Advocacia-Geral da República e na unidade jurídica do ministério que investiga más condutas policiais.

 

Essas mudanças estão encontrando terreno público fértil. Na próxima semana, o Israel Democracy Institute realizará sua conferência anual sobre segurança nacional e democracia. Como de costume, antes da conferência foi realizada uma pesquisa entre 800 israelenses, com foco em questões de direito internacional e combate pela moralidade. Uma comparação dos dados da pesquisa deste ano com os dados coletados há quatro anos mostra como a sociedade israelense radicalizou-se em sua atitude em relação ao uso da força militar. (A pesquisa é realizada entre civis judeus, com base no fato de que, no passado, os árabes, a maioria dos quais não presta serviço militar, se recusaram a responder substancialmente às perguntas.)

Na pesquisa recém realizada, 71% dos entrevistados afirmaram que os terroristas condenados por assassinar israelenses deveriam ser executados, em comparação com 63% em 2018. Nada menos que 55% apoiam a morte de um terrorista caído no chão depois de neutralizado e não representa mais uma ameaça, acima dos 37% da última pesquisa. Quase metade dos entrevistados, 45,5 %, é a favor do uso de fogo pesado contra concentrações da população palestina “para gravar em suas consciências o preço de provocar Israel por parte das organizações palestinas”, em comparação com 27,5 % há quatro anos.

A mudança também é aparente quando a pergunta é feita na direção oposta. Assim, em 2018, 80% dos entrevistados concordaram que “ao planejar uma operação militar, o EDI deve garantir que não violará as regras internacionais de guerra”. Este ano, a porcentagem dos que concordam caiu para 63%.

São números expressivos, que em parte também mostram o impacto de episódios seminais envolvendo as regras de engajamento dos soldados nos Territórios Ocupados. Em 2016, um furor irrompeu do tiro do soldado Elor Azaria que assassinou em Hebron um atacante palestino que já havia sido ferido e imobilizado.

No caso Azaria, o então chefe do Estado Maior, Gadi Eisenkot, fez questão de preservar os valores do EDI, mesmo ao preço exorbitante de uma atmosfera de linchamento contra ele por parte da direita, e também face a um silêncio assustado do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu [que no próprio dia do incidente não hesitara em telefonar publicamente à família Azaria, manifestando solidariedade ao assassino]. O sucessor de Eisenkot, Aviv Kochavi, atual chefe do Estado Maior, já foi muito mais cauteloso em relação a questões políticas pesadas. Mesmo após os eventos em Hebron e incidentes anteriores na Cisjordânia, ele se contentou em condenar ataques a soldados, não se posicionou sobre ataques de colonos contra palestinos e não agiu com determinação para conter a violência judaica nos territórios

 

A Dra. Idit Shafran Gittelman, diretora do Programa Militar e Sociedade do Instituto de Democracia de Israel, disse ao Haaretz que, em sua opinião, é impossível desconectar os processos que estão ocorrendo na sociedade israelense do que está acontecendo no EDI: “O que vemos do lado de fora se infiltra nos soldados. O sentimento público atual difere dos valores que os comandantes procuram incutir e o desafio do alto comando torna-se mais difícil”.



[  por Amos Harel  |  Haaretz  |  25|11|2022  |  traduzido pelo PAZ AGORA|BR  |   www.pazagora.org  ]

Comentários estão fechados.